Facadas nas costas que mataram Môa do Katendê ferem democracia no Brasil

O capoeirista Môa do Katendê: morto com 12 facadas nas costas só porque criticou as ideias do candidato à Presidência que liderou o Primeiro Turno – Foto: Leandro Couri – Reprodução – Instagram @moadokatende – Blog do Arcanjo – UOL

O grande capoeirista, percussionista e artista da cultura baiana e brasileira Romualdo Rosário da Costa, de 63 anos, o Môa do Katendê, foi morto a facadas, após as Eleições deste domingo, em Salvador da Bahia. Ele era veterano do Afoxé Filhos de Gandhy e foi fundador no final dos anos 1970 do Afoxé Badauê, cantado por Caetano Veloso e Gilberto Gil.

O motivo? Criticar ideias e práticas promovidas pelo candidato que liderou a disputa neste primeiro turno das eleições para Presidente do Brasil.

A morte do artista, com aproximadamente 12 facadas nas costas, contraria a própria democracia, onde o respeito ao outro e a ideias políticas diferentes deve ser a premissa de uma convivência civilizada.

Ela também é fruto de um ódio insuflado em parte da população por determinados políticos.

A morte de Katendê é típica de regimes fascistas, onde apenas o pensar diferente de quem está no poder ou, até mesmo, diante da mesma mesa de bar, significa risco de morte.

É no fascismo, regime horripilante que o mundo creu erroneamente estar enterrado ao fim da Segunda Guerra Mundial, que opinião de uma pessoa pode custar sua vida.

É isso que o Brasil quer? Ver mais mortes e sangue?

Não basta o sangue derramado da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), cujo assassinato tão brutal e covarde ainda não teve culpados nem condenados?

Independentemente de qualquer posição política, a vida precisa valer mais. E o Estado ainda democrático precisa garantir isso.

Atentar contra a vida do outro é sempre crime merecedor de punição exemplar.

O Brasil perdeu este grande artista de forma estúpida. Assassinato motivado por esse ódio político ignorante, disseminado em grupos de Whatsapp.

Fica a pergunta: a Justiça Eleitoral não investiga e pune tais calúnias político-eleitorais como fazia nos tempos das mentiras exibidas nos horários políticos da TV, quando ainda existia o direito de resposta?

A Justiça vai fechar os olhos para os crimes eleitorais cometidos na internet? É isso?

Baluarte de nossa cultura, Môa do Katendê era um dos maiores mestres da capoeira e das tradições afro-brasileiras, reverenciado por brasileiros e estrangeiros, chegando a dar suas respeitadas oficinas na Europa.

Pioneiro do Afoxé Filhos de Gandhy, Katendê foi um dos fundadores do Afoxé Badauê e compositor dos seguintes versos, gravados por Caetano Veloso: “Misteriosamente, o Badauê surgiu, sua expressão cultural o povo aplaudiu”, como bem lembra Nelson Cadena no Blog Memórias da Bahia.

Caetano Veloso ainda cantou seu afilhado Afoxé Badauê em canções como “Beleza Pura” (“Moço lindo do Badauê, beleza pura…”) e “Sim Não” (“No Badauê, vira menina, macumba, beleza escravidão”).

Também padrinho do afoxé fundado por Môa do Katendê, Gilberto Gil gravou a canção-homenagem “Afoxé Badauê”.

Artista múltiplo, Katendê era não só músico, compositor, dançarino e capoeirista, mas também educador de crianças na periferia, onde as salvava do crime por meio da arte, além de artesão e ogã-percussionista.

E, antes de tudo, ele era um brasileiro, como eu e você.

Môa do Catendê sempre lutou por um Brasil mais justo, onde pobres e negros também pudessem ter vez e voz.

Foi morto de forma brutal, estúpida, cruel, violenta e imperdoável, justamente por defender isso.

No Brasil da ditadura militar, Nara Leão cantava: “Podem me prender, podem me bater, podem até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião”.

Môa do Katendê morreu por ter opinião própria.

Que as 12 facadas nas costas de seu assassinato covarde despertem um Brasil cegado pelo ódio e pelo horror.

Môa do Katendê: artista foi morto com 12 facadas nas costas por pensar diferente – Foto: Reprodução – Instagram @moadokatende – Blog do Arcanjo – UOL

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