Véspera tem filosofia de botequim em meio ao caos
Por Miguel Arcanjo Prado
A invasão tecnológica na vida cotidiana de uma família, provocando distanciamento e solidão de seus membros, é pano de fundo para a tragicomédia Véspera. A obra está em cartaz no Teatro Itália, em São Paulo, com texto de Camila Appel e direção de Hudson Senna.
A montagem, de contornos realistas e por vezes margeando o absurdo, aborda a vida de uma família que vive em meio ao caos, representado, sobretudo, pela figura da matriarca, interpretada por Cris Nicolotti, que vai do comedimento à catarse.
Pouco a pouco, as relações superficiais vão se desmoronando. A mãe demonstra total despreparo para lidar com o abandono real, que surge quando as aparências caem por terra. A derrocada vem por meio de algo que seria banal, mas é carregado de metáfora: um apagão que deixa a todos sem luz, fruto da instauração de uma nova ordem.
O texto investe em diálogos cortantes, que muitas vezes parecem uma costura de muitas frases ouvidas nos bares da vida, que a gente costuma chamar de “filosofia de botequim”.
A montagem parece querer abarcar todas as reflexões do mundo contemporâneo, e nisso acaba um pouco perdida, já que não dá conta de tudo o que se propõe refletir. Ansioso, o texto de Camila é uma espécie de verborragia interminável.
Frases de efeito não faltam na boca dos personagens. Há até um recadinho nada sutil à imprensa, quando um dos personagens diz: “É preciso jornalistas felizes, porque jornalistas frustrados são tão prejudiciais…”.
A mãe é quem concentra a maior parte das frases impactantes, como “Sinto-me poderosa com o pintão do meu marido nas mãos” ou escatológicas, como “Estou com fome de novo e nem fiz cocô”. Outras, são propositadamente risíveis, quando o pai, vivido por um pomposo Tadeu Di Pyetro, diz à mãe: “Vem, eu quero te penetrar”.
Em alguns momentos, o elenco parece pouco à vontade com o texto. Falta organicidade.
No elenco, o destaque é Juçara Morais, que encontra o tom certo da empregada Tita, menosprezada pela patroa e que guarda um segredo revelado ao fim da obra, em momento no qual a atriz se sobressai após a discrição presente durante quase toda a encenação.
Silvia Lourenço, como a filha em embate com a mãe, parece desconectada do resto do elenco. Pode até ser uma proposta da direção, mas em alguns momentos a dúvida fica no ar. Rafael Maia, como o vizinho que é arauto das novidades da nova ordem que se instaura do lado de fora da casa, faz o que seu papel lhe pede.
Quem espera uma obra natalina, por conta do título, está redondamente enganado. O dia que antecede o Natal é apenas a data onde o presságio do fim daquela família é anunciado com texto que nao acaba mais.
Véspera
Avaliação: Regular
Quando: Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h. Até 26/8/2012
Onde: Teatro Itália (av. Ipiranga, 344, centro, São Paulo, tel. 0/xx/11 3120-6945)
Quanto: R$ 30 (sexta) a R$ 40 (sábado e domingo)
Classificação: 14 anos
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