Marilia Marton aposta na força da indústria cultural e lembra: ‘Cultura é o que nos torna humanos’  | Entrevista do Arcanjo

Marilia Marton, secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, aposta na força da indústria cultural © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

Secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo fala ao Blog do Arcanjo com exclusividade sobre sua visão para a indústria cultural

Nome experiente nos bastidores da política paulista, Marilia Marton foi a escolhida pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para comandar a Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. Ela ocupa o cargo desde o começo do ano e foi bem recebida pelo setor, por sua habilidade técnica e capacidade de articulação política.

Socióloga formada pela PUC-SP, Marilia já geriu a cultura em âmbitos municipais e estadual. Foi Secretária de Cultura da Prefeitura de São Caetano do Sul, na região do ABC Paulista, e também Chefe de Gabinete das secretarias de Educação e da Cultura do Estado de São Paulo, atuando ainda na Prefeitura de São Paulo.

Tendo como metas inovação, criatividade e desenvolvimento sustentável, na melhoria real da vida das pessoas, a gestora pública tem mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis pela Universidade Nove de Julho.

Marilia Marton em retrato do fotógrafo Bob Sousa para a exposição Retratos Bob Sousa, com curadoria de Miguel Arcanjo Prado © Bob Sousa Blog do Arcanjo 2023

Dona de um pensamento rápido e ágil e de carisma genuíno, Marilia Marton recebeu o jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado em seu gabinete, na região da Luz, centro da capital paulista, onde concedeu esta entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo.

A secretária falou sobre a necessidade de formação técnica no Estado, a interiorização da Cultura, a importância do respeito a visões divergentes e vice-versa, e também lembrou seu poder de decisão, além de esmiuçar as prioridades de sua gestão. E fez questão de ressaltar: “A cultura é o que nos torna humanos”.

Leia com toda a calma do mundo.

Veja entrevista de Marilia Marotn no YouTube

Marilia Marton, secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, aposta na força da indústria cultural © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Miguel Arcanjo Prado – Marília Marton, como está sendo essa chegada à Secretaria da Cultura e Economia Criativa?
Marilia Marton –
Secretaria da Cultura e Economia Criativa e logo mais da Indústria Criativa também. A gente já apresentou uma proposta ao governador Tarcísio de Freitas e a secretaria vai começar a se chamar Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativa.

Miguel Arcanjo Prado – É preciso mostrar que a cultura gera dinheiro, gera renda, gera trabalho…
Marilia Marton –
Então, Miguel, acho que o importante de as pessoas entenderem é que há uma cadeia produtiva. Mesmo o artesão que está lá na sua cidade, mesmo um pequeno grupo de coletivos, qualquer que seja o movimento da cultura, em  qualquer tamanho, ele gera trabalho, gera renda. E não é só aquele movimento que está ali, porque quando você faz artesanato, alguém vem comprar. Quando você faz uma peça de teatro, por menor que seja, alguém vem assistir e sempre vai ter um pipoqueiro, porque se tem pipoqueiro, tem sucesso. Então, não dá para falar que não é uma indústria. Ela só não aperta o parafuso da máquina. Do cérebro, pode ser…

Força da indústria cultural

A economia da cultura e das indústrias criativas do Brasil movimentou R$ 230,14 bilhões em 2020. O valor equivale a 3,11% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil no período. O dado foi levantado pelo Observatório Itaú Cultural, com informações do IBGE. Para efeito de comparação, a economia da cultura e das indústrias criativas ultrapassou setores importantes para a economia brasileira, como o automotivo, que respondeu por 2,1% das riquezas do país em 2020, portanto, inferior ao PIB da cultura, que teve desempenho bem próximo ao setor da construção, que foi de 4,06% do PIB de 2020.

Miguel Arcanjo Prado – Uma coisa que gostei quando anunciaram que você seria a nova secretária, foi porque sei que você frequenta teatro. Acho fundamental. É muito especial quando você tem alguém em um cargo que gosta daquilo. Encontrei você, já no cargo, numa peça de teatro, na estreia de Wicked, uma obra que representa muito o tamanho dessa indústria cultural, uma peça que teve 40 mil ingressos vendidos antes da estreia. Acho que é o exemplo desse tipo de engrenagem da indústria cultural.
Marilia Marton –
Claro que Wicked é o topo da cadeia. Obviamente, temos um problema estrutural, que não há condições em São Paulo para acontecer peças do tamanho de Wicked mais do que duas ou três ao mesmo tempo. Quando pensamos em teatros como infraestrutura para peças de grande porte, São Paulo tem poucos, e eles ficam ocupados o ano inteiro. Sai peça e entra outra, e aí a gente acaba falando: ‘Se uma peça dessa precisa ficar em cartaz de quatro a seis meses, então, esses teatros durante um ano só apresentam de duas ou no máximo três peças, o que significa pra gente que caberia mais teatros grandes na cidade. Mas isso não significa desvalorizar o teatro pequeno. Muito pelo contrário, porque todo mundo que vem à cidade para consumir o grande, acaba consumindo o médio, o pequeno. E aí não tem jeito, Miguel. Ninguém aprende a ouvir música clássica sem começar a ouvir. Ninguém aprende a assistir uma peça de teatro sem se sentar em uma peça de teatro.

Secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, Marilia Marton esteve na estreia do musical Wicked © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Miguel Arcanjo Prado – Essas grandes produções atraem um público novo ao teatro.
Marilia Marton –
E a gente passou por um momento muito difícil na pandemia. As pessoas aprenderam a consumir coisas muito eletrônicas, muito digitais. Não é ruim, mas isso tira o público.

Miguel Arcanjo Prado – Eu sinto uma retomada forte do público nas salas de teatro. Você sente isso também?
Marilia Marton –
A gente está tendo uma retomada de público agora. Então, se a gente não voltar a estimular as pessoas ao hábito de consumir cultura, daqui a pouco não vamos ter para quem fazer peça de teatro, não vamos ter para quem fazer cinema, não teremos para quem fazer música. Aí é um problema.

Miguel Arcanjo Prado – É muito importante ter uma visão da cultura que não seja só artística, mas também de gestão, porque o número tem que fechar, as coisas têm que funcionar. Como você vê essa experiência de gestora pública que já passou por vários órgãos da Prefeitura, do Estado, da própria Secretaria da Cultura como chefe de gabinete, alguém que estava ali resolvendo tudo nos bastidores e agora está na linha de frente?  
Marilia Marton –
A gente tem uma lógica diferente no Estado. Sentada na Secretaria do Estado, a gente pensa o seguinte: Qual a grande atribuição do Estado? O Estado tem uma arrecadação e ele destina essa arrecadação nas suas caixinhas, que são as pastas; cada secretaria tem a função de gastar bem este dinheiro, então minha lógica inicial é a seguinte: meu problema não é pedir dinheiro, meu problema é para quem eu vou pedir dinheiro. Então,  eu preciso que o setor se organize.

Miguel Arcanjo Prado e Marilia Marton, no gabinete da secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, durante entrevista ao Blog do Arcanjo © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Miguel Arcanjo Prado – O setor cultural precisa aprender gestão também.
Marilia Marton –
Quando a gente fala da gestão do negócio, que são esses grandes, pequenos e médios empreendimentos culturais, a gente sabe que a viabilidade econômica não acontece e é por isso que temos o financiamento público, senão, não faz o sentido dessa grande cadeia produtiva. E qual é o retorno desse financiamento público? Exatamente essa produção de renda e emprego. E aí me assusta um pouco quando eu converso com o mercado cultural, você começa a sentir falta de profissionais. Não sei se a pandemia piorou, se já estávamos com essa queda, mas estamos com muita falta de profissionais em muitas áreas de todos os segmentos. Não é especificamente do teatro, nem do cinema, estão com problemas nos games também, da cultura popular à milionária, eles não têm quem contratar. E daí temos um problema. Então,quando eu paro e olho no meu gasto, agora como gestora pública, que tenho que gastar, eu preciso decidir aonde eu vou gastar, e hoje o grande lugar que preciso gastar é na formação. Eu preciso mapear essa cadeia produtiva em que cada um está colaborando, ajudando.

Miguel Arcanjo Prado – A formação será prioridade?
Marilia Marton –
Nos próximos meses nós vamos reunir tudo isso e desenhar uma estratégia de ocupação do Estado em formação, a ponto de que a gente termine o mandato do governador Tarcísio de Freitas no quarto ano com o estado em que, se o Miguel quiser produzir uma peça de teatro em Araraquara, ele vai ter profissional lá, se ele quiser produzir em Votuporanga, ele vai ter lá, se ele quiser produzir Iguape, ele vai ter profissonal lá.

Miguel Arcanjo Prado – Isso reduzirá custos dos projetos culturais e distribuirá renda no interior?
Marilia Marton –
O cara que você tira daqui de São Paulo para carregar com você, você tem que pagar a diária dele, e então você me pergunta sobre gestão: o preço obviamente fica inviável. Por exemplo, hoje quando eu faço um edital, os produtores dizem assim: ‘mas você pedia cinco apresentações, a gente não tem como viabilizar, porque eu tenho que carregar todo mundo’. Não quero que eles percam a qualidade na apresentação, mas eu também entendo que o custo elevou se precisa carregar todo mundo.

Marilia Marton, secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, durante entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Miguel Arcanjo Prado – É preciso ter técnicos qualificados nas cidades.
Marilia Marton –
Quando vemos uma peça com aquele acontecimento de Wicked, com quase 300 profissionais diretamente envolvidos, percebemos essa força. Foram anos de produção anterior à estreia. Porque essa é uma outra coisa que as pessoas precisam entender: a gente não começa uma peça de teatro em qualquer tamanho que ela seja na véspera do lançamento dela. Alguns demoram dois anos, alguns demoram seis meses, um ano, mas nenhuma produção artística começa do dia pra noite. Então, quando falamos dessa cadeia produtiva, se falarmos só do cenário, tem ferro, tem madeira, tem tinta, tem prego, tem tecido…

Miguel Arcanjo Prado – E o dono da loja de material de construção tem que saber que ele ganhou dinheiro com a peça de teatro também.  
Marilia Marton –
Isso mesmo. Realmente é uma cadeia produtiva e é uma indústria, a indústria cultural.

ProAC Editais

ProAC Editais, que está com inscrições abertas, soma investimento direto do Governo de São Paulo de R$ 100 milhões para o setor da cultura e economia criativa. Trata-se da maior e mais importante lei de incentivo cultural estadual do Brasil. São 45 editais que englobam todas as linguagens artísticas e de formação no setor cultural.

Miguel Arcanjo Prado – Marilia, qual o tamanho desse dinheiro que você tem que gastar? Está na reta final as inscrições do ProAC, que são R$ 100 milhões de investimento do Estado de São Paulo na cultura. Teve também o ProAC ICMS, com outros R$ 100 milhões. Qual o montante total da pasta?
Marilia Marton –
Temos dinheiro direto R$ 1,26 bilhão, mas ainda tenho mais 100 milhões do ProAC ICMS, apesar de não ser dinheiro direto, ele é um recurso que o governo abre mão por meio de renúncia fiscal e que é aportado na cultura. Obviamente, não é o suficiente, acho que é uma discussão que teremos a partir de agora é que há uma necessidade que a gente aumente gradativamente esses valores. Eu até brinco, acho que a meta é de que a gente termine 4 anos com o dobro do que tenho hoje. Então, se eu chegar 2,5 bilhões ou 2,7 bilhões lá na frente, acho que a gente chegou numa meta boa. O problema de novo: vamos gastar isso tudo e qual resultado vamos obter? Porque para o governo o grande gasto dele não é gasto. O grande gasto dele é um investimento humano. Então, que tipo de humano nós vamos ter daqui a quatro anos aumentando este investimento?  

ProAC ICMS

A Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo disponibilizou em 17 de abril os R$ 100 milhões do ProAC ICMS. O ProAC Expresso ICMS é um programa de fomento que funciona por meio de patrocínios incentivados e renúncia fiscal. Foram mais de 1,3 mil projetos inscritos e 1 mil aprovados, com 80 municípios contemplados pelo programa de fomento à cultura. O valor médio por projeto apoiado foi de R$ 240 mil. O interior de São Paulo corresponde a R$ 41,6 milhões dos recursos.

Marilia Marton, secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, durante entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Miguel Arcanjo Prado – A cultura humaniza?
Marilia Marton –
Falo muito de equilibrarmos vocabulários, quando falo que precisamos falar os termos certos, como economia e indústria criativa. Temos também de parar de usar a palavra social e usar o humano. Humano é o que a cultura faz. A cultura humaniza. Ela faz transformação social, claro, tudo que melhora a vida da pessoa a transforma socialmente, mas a verdade é que o que a cultura faz é humanizar. Eu estudei sociologia. No Brasil, na sociologia, você aprende sociologia, política e antropologia. E na antropologia, quando você pega Hobsbawm, você estuda como o homem deixa de ser bicho, o ‘homem bicho’, e vira o ‘homem cultural’; olha aí a palavra. O que fez a gente ser ser humano foi o homem cultural. O que nos torna humanos é nossa percepção de ser, a nossa consciência de ser, porque o bicho é irracional. A racionalidade está no fato de nos reconhecermos como humanos e sermos um ser cultural. Onde que as pessoas romperam com isso? A cultura foi o que nos fez humano. Cultura é o que nos torna humanos. A cultura é algo intrínseco ao ser humano. Senão, a gente era bicho. A cultura é o que nos humaniza. Miguel, isso é incrível, é a cultura que nos fez isso que somos. Temos de dar o devido valor àquilo que nos tornou humanos. Porque senão não faz o menor sentido.

A cultura é o que nos humaniza. Senão, a agente era bicho.

Marilia Marton
Secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo

Miguel Arcanjo Prado – Marilia, você falou da necessidade de formação. O Estado tem equipamentos neste sentido, como a SP Escola de Teatro, as Fábricas de Cultura, as Oficinas Culturais…
Marilia Marton –
Sim, inclusive isso é parte da grande mobilização que a gente quer fazer no interior. Vamos ter a renovação do contrato das Oficinas Culturais, que são o equipamento de formação com maior capilaridade que nós temos no interior. Então, eu tenho a SP Escola de Teatro, sim, mas ela está vinculada à capital, ela faz alguma ou outra coisa fora, mas a estrutura dela está aqui na cidade de São Paulo. A SP Escola de Dança também, inclusive neste prédio que estamos fazendo esta entrevista. O Projeto Guri é capilar, mas ele é específico da música, de iniciação musical, então, ele não é do profissional da música. Então, temos essas vertentes, mas a formação profissional esse vai ser um grande direcionamento que daremos para as Oficinas Culturais. A ideia que a gente queria realmente é uma grande mobilização de cursos que atendam todas as nossas linguagens no interior.

Miguel Arcanjo Prado – Você tem conversado com esses profissionais?
Marilia Marton –
Eu recebi aqui, por exemplo, Miguel, maquiadores e cabeleireiros. E eles falaram “a gente é muito procurado pelo pessoal de cinema e não tem o pessoal de maquiagem de visagismo. Tem uns dez profissionais”. Então, eu falei: ’10 profissionais?’. E eles responderam: ‘são 10 profissionais bons no Brasil inteiro’. Como assim? Deve ter, obviamente, gente com talento, mas que não conseguiu formação necessária para se inserir nesse mercado.

Miguel Arcanjo Prado e Marilia Marton, no gabinete da secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, durante entrevista ao Blog do Arcanjo © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Miguel Arcanjo – Que não teve a chance de estudar, de se especializar para fazer um visagismo para audiovisual…
Marilia Marton –
Não, e porque não é uma coisa que a gente oferece. E se você for parar para pensar, nós nos distanciamos um pouco também da modernidade no nosso modo de educação tradicional, e óbvio, a educação tem uma formalidade muito mais cartesiana. E isso não cabe para nós aqui. Aqui não é o lugar do cartesiano. Aqui é o lugar do transversal, do plural, do múltiplo, do pra cima, pra baixo. Eu tenho essa vertente da formação como meta de governo. Já que o governador Tarcísio disse que uma das suas linhas de atuação era a interiorização, também para que a produção do interior aumente, eu também preciso do profissional lá. Então uma coisa está atrelada à outra.  

Miguel Arcanjo – Você chegou à Secretaria com um discurso muito para o interior do Estado. Como jornalista, cubro muitos festivais no interior, e eles sempre reclamam, com razão: “Ah vocês só falam das peças de São Paulo, vocês não vêm aqui”. Mas muitas vezes não há estrutura para a gente, digo crítico e imprensa, ir lá. Porque não existe um projeto para essa circulação de levar a mídia da capital para o interior. E eu vejo em você essa visão: vamos olhar para o interior de São Paulo.
Marilia Marton –
Essa é uma meta do governador. Dentro da democratização, do diálogo, do acesso que o governo vem tendo como meta de governo. O governador Tarcísio de Freitas tem pedido muito que a gente valorize essa questão. Não só de levar o que a gente produz aqui na capital para que as pessoas tenham esse acesso, mas a questão da valorização do que é produzido no interior, e a possibilidade do que se é produzido lá ser trazido para a capital. Porque é uma forma de publicizar o que o interior faz, tazer para cá e dar luz a isso. Então, obviamente, uma forma inteligente de fazer isso, (de novo, não é o problema do dinheiro), mas não faz sentido o Estado concorrer com a Prefeitura. Toda vez que isso acontece, sai bobagem, até porque, em tese, a Prefeitura conhece a dinâmica da cidade. O Estado de São Paulo tem diferentes cidades com características completamente peculiares de cada uma dela, então, não faz o menor sentido eu querer sair daqui e implantar um festival. O que eu quero fazer, eu vou ter uma reuniões sempre com os gestores, é pegar o mapeamento e nos reunir. Vou validar com eles, para a gente valorizar o que eles fazem, e se eventualmente está sentindo falta de alguma coisa, sentar com a Prefeitura e com o secretário, com o gestor municipal e dizer assim: “Por que, por exemplo nessa região a gente não tem um programa de literatura?”. Aí respondem: “Ah, porque fazia, mas parou de fazer… Fiz um ano e não deu certo”. Aí eu respondo: “Vocês topam fazer de novo? Aí eu entro pra ajudar a fazer”. Assim, eu não concorro com ele, eu quero fazer com ele.  

Marilia Marton, secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, durante entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Miguel Arcanjo Prado – Isso é fundamental.
Marilia Marton –
Claro, porque se eu entrar e fizer tudo sozinha, depois nunca mais. É no dia a dia, no processo da realização, que se consegue a autonomia. Eu falo que não é problema dar dinheiro, eu dei, mas se ninguém continuar aquilo, na hora que troca governo, troca secretário, acabou.

Miguel Arcanjo Prado – Marilia, você falou dessa questão de caber todo mundo nessa cadeia produtiva da indústria cultural. Como você enxerga a questão da diversidade?
Marilia Marton –
A questão da diversidade para mim é questão de respeito. Eu acho que a primeira coisa que a gente precisa é tratar assim: nós todos somos humanos. Por isso que para mim é muito complicado essa coisa de ficar falando muito particularmente sobre cada coisa. Aqui cabe todo mundo, aqui é o particular cultura, aqui é onde todo mundo tem direito à voz, à fala, ao respeito. Eu tive uma reunião recentemente com o pessoal da diversidade aqui, encheram essa sala, mais de 60 pessoas, foi uma conversa de mais de quatro horas, foi uma conversa onde todo mundo pôde falar, nas diversas linguagens, e então o que eu disse para eles foi o seguinte: “este é um governo que vai respeitar demais a fala de todo mundo, desde que essa fala seja respeitosa”. Podemos ter divergências, mas temos que lembrar que isso é o partido da cultura, e portanto, aqui vai caber todo mundo. Tanto que o governador Tarcísio de Freitas anunciou a Paulista de novo para a pauta da diversidade e a gente vai começar uma série de ações alí. Não é o problema da pauta, é como a gente trata a questão de respeito. Pessoas são diferentes, elas tratam as coisas de uma forma diferente e é assim que seremos respeitados. Brinquei com ele, eles brincam comigo, falam que sou a chefe da banda.

Miguel Arcanjo Prado – É a boa e velha educação, saber chegar, saber conversar.
Marília –
Lógico, tem que ter. Eu posso não concordar com você, Miguel, e vai ser ótimo a gente não concordar. Pensa: se todo mundo gostasse da mesma coisa? Aqui é diverso mesmo. Entre eles, eles têm diversidade, eles brigam, eu acho incrível. Não estamos aqui para brigar. Agora, eu falo: eu tenho uma posição de decisão, eu chamo para conversar, eu fico quatro horas, cinco, não tenho problema nenhum, mas no fim alguém vai ter de decidir. Se não há consenso, eu tenho que decidir. E aí é o meu voto. Então, eu falo: ‘Eu prefiro quando vocês valorizam a decisão democrática entre vocês, até porque o lugar de fala não é meu, é de vocês”. 

Miguel Arcanjo Prado e Marilia Marton, no gabinete da secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, durante entrevista ao Blog do Arcanjo © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Miguel Arcanjo Prado – Marília, você tem essa visão muito política de ouvir o outro, de integrar. Você acha que é por isso que seu nome foi bem recebido? Eu falo isso porque eu cubro cultura e conversei com muita gente do setor.
Marilia Marton –
Eu nem sabia que eu era conhecida assim. A verdade é essa, apesar de ter ficado cinco anos aqui, como meu cargo era um cargo mais administrativo, não esperava essa repercussão. Mas é verdade, eu falava com todo mundo, a gente atendia todo mundo, enfim, mas eu brincava, ‘imagina, as pessoas nem vão lembrar quem eu sou’. Eu confesso para você, Miguel, que eu não consigo saber o porquê que as pessoas gostaram, eu não sei se foi um alívio, e “ah, pelo menos é ela” ou se realmente ficaram felizes “ah, ela era uma pessoa que produzia”. Não sei, depois eu faço essa pesquisa de mercado com a turma para saber. E eu fico feliz no seguinte sentido: é uma pasta, é um assunto e é um lugar que realmente é possível fazer muitas coisas, de uma forma muito transparente, com muito diálogo. Aqui eu tenho algum tipo de flexibilidade de poder atuar conversando de uma forma mais delicada com as pessoas. Eu brinco o seguinte: meu tempo para dar a linha da política que a gente vai ter aqui na secretaria são seis meses. Senão, daqui a pouco vão começar a falar que sou falácia. “Faz tanta reunião, reunião e não decide nada”. Então, para mim, o importante é eu ter muito diálogo. Óbvio que teremos diálogo o tempo todo, mas para as decisões estratégicas,  tem que ter um tempo, porque senão fica só no “vou morrer conversando aqui” que é ótimo, maravilhoso, mas não tem resultado. Então, termos esses seis meses para que a gente consiga realmente estabelecer uma política da Secretaria. Isso não significa linhas de atuação, nada disso, linhas de atuação a gente vai discutir sempre, o tempo todo, com todo mundo, até porque a gente pode no decorrer do caminho entender que uma coisa que a gente imaginava de um jeito, e não era bem aquilo.

Miguel Arcanjo Prado – Faz parte.
Marilia Marton –
A gente sempre descobre algo. Eu estive recentemente na SXSW, lá eu conversei com algumas pessoas, muito da área da tecnologia, games, enfim, dessa coisa da cultura pop, e o pessoal disse que está muito preocupado precisando de roteirista. Não tem roteirista. Não é no Brasil: não tem roteirista no mundo. Virou o grande profissional, o caro da história.  

Miguel Arcanjo Prado – É que para ser roteirista precisa ter lido livro, saber escrever, e as pessoas vêm lendo menos.   
Marilia Marton –
Então, eu tenho problema estrutural de livro e leitura. Aqueles que querem ir para esse lado e de repente não tiveram oportunidade de estudar, então a gente entende. Fora que roteiro tem uma técnica que inclusive se modificou ao longo do tempo. Então, a gente tentar trazer o que há de mais moderno possível, para que a gente consiga ir pra frente. É aquela coisa do mercado, de novo, por isso que nós somos uma cadeia produtiva, se não tem o profissional, aqui ele vai aumentando o preço. E então precisamos trabalhar isso. 

Miguel Arcanjo Prado – Se tem poucos, bota o preço lá em cima. Lei da oferta e da demanda, a mais velha da Economia.
Marilia Marton –
Ele escolhe o preço que quer cobrar.

Marilia Marton, secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, durante entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Miguel Arcanjo Prado – Marilia, o que te levou para a cultura?
Marilia Marton –
Fiz dança a muito tempo, fiz teatro também, sempre frequentei, e sou filha da classe média paulista. Meu pai advogado e mãe professora, extremamente tradicional, e sou filha temporão, da minha irmã mais velha tenho 11 anos de diferença, e da minha irmã mais perto tenho seis anos de diferença. Então, eu também vivi numa casa de mulheres, tudo muito dramático. Muita mulher junta vira quase que um drama diário, e obviamente o fato de ser filha temporão a gente começa a frequentar coisas que os adultos levam juntos. Então, sempre frequentei muito teatro. A peça O Mistério de Irma Vap eu assisti umas três vezes, duas na versão tradiciconal como Ney Latorraca e Marco Nanini e uma na versão moderna. Fiquei muito triste quando o Teatro Cultura Artística pegou fogo, porque era um lugar que a gente ia para assistir teatro. Inclusive vamos fazer uma cobrança ai com pessoal para reabrir. 

Miguel Arcanjo Prado – Então você via teatro, dançava…
Marilia Marton –
Via teatro, dançava, fazia jazz, meu pai toca piano, meu pai é um consumidor de música clássica voraz, ao ponto de que entravamos no carro para ir a escola e falava “poe na rádio tal, e ele punha na Rádio Cultura”. Eu sempre gostei de ópera desde pequena, que juntava tudo que eu gostava: a música, o teatro e a dança. Passava na TV Cultura, eu gravava em videocassete, para depois ficar assistindo.  

Miguel Arcanjo Prado – E veio para a Secretaria da Cultura.
Marilia Marton –
Chegar aqui na Secretaria foi circunstancial, a gente acaba a campanha em 2010, e estava aqui na secretaria o Andrea Matarazzo. Eu já tinha trabalhado com ele na Prefeitura do Serra/Kassab. A gente ainda ficou no mandato do Kassab, aí ele veio a ser Secretário de Cultura no Governo do Serra, e quando virou, ele permaneceu aqui, e me chamou, aí eu vim. O Andrea ficou pouco tempo, porque, na verdade, o secretário que ficou mais tempo aqui foi o Marcelo Araujo. E naquele momento eu fiquei com Marcelo também. Aí me aproximei da gestão dos nossos equipamentos, de conhecer melhor. E o engraçado é que da gestão do fomento mesmo não era eu quem cuidava, eu cuidei muito das estruturações e das questões das Organizações Sociais, que era um momento muito difícil para nós do Estado, porque a gente ainda não tinha dinheiro aprovado, então o modelo ainda não era legalizado. Então, imagina você ter mais de 20 contratos, todos podendo ser condenados. Enfim, graças a Deus, os ministros do Supremo acabaram votando no final de 2012 e aí tivemos a regulamentação [da OS], e então começa um outro trabalho, que é exatamente aquele trabalho de como que ficaria esse vínculo com as Organizações Sociais, mas foi um trabalho maravilhoso realmente.

Marilia Marton, secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, durante entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Miguel Arcanjo Prado – A vida meio que foi te preparando para esse cargo.
Marilia Marton –
É, hoje eu brinquei com isso. Falei “eu queria ter aquela idade, para ter a saúde e aquela beleza, mas com a sabedoria de hoje”. Acho que aquela coisa do filme que o certo era a gente nascer velho e ficar mais novo, para ter mais vigor na hora que mais precisa dele, está certo. Aí a gente estaria jovem, com tudo em cima, quando chegar mais responsabilidade.


Miguel Arcanjo Prado – São três mulheres no comando da cultura do Brasil ao mesmo tempo, na grande cultura, sobretudo paulista, paulistana, pegando com base aqui de São Paulo. Aline Torres na Cultura da Prefeitura de São Paulo, Marília Marton no Estado de São Paulo e Margareth Menezes no Ministério da Cultura, recriado recentemente, ainda bem. Como você vê essa trinca de mulheres no poder da Cultura? 
Marilia Marton –
Maravilhoso! E por sinal, eu não sei se você viu, Miguel, mas a gente fez uma foto pelo Dia das Mulheres, da equipe de mulheres na Secretaria da Cultura. Eu nunca tinha parado para perceber, quando desci para a foto, falei: ‘gente, mas quanta mulher, essa cultura do estado é feita por mulheres’. E eu acho incrível, porque tem uma coisa com sensibilidade que a gente tem que é diferente. Não desmerecendo o homem. Cada um tem um potencial, mas a mulher tem uma delicadeza e um olhar mais múltiplo para as coisas. A gente brinca, homem quando vai falar de um assunto, fecha o assunto e depois começa um outro assunto. Mulher não, mulher consegue ter quatro mulheres conversando com você sobre cinco coisas ao mesmo tempo, e vamos falando e as pessoas falam “o que elas estão falando?” Não é o mesmo assunto, eles estão acontecendo de forma paralela. Então, há uma sensibilidade, uma velocidade em trato muito boa. Eu não conhecia a Margareth pessoalmente. Eu a conhecia como uma ídola, a Margareth Menezes da música, como fã, cantora, enfim, grande mulher, agora tenho mais essa proximidade dela. Já estive com ela algumas vezes em eventos. Ela já me disse “Eu quero fazer negócio”. Falei: “Claro, ministra, vamos fazer”. Com a Aline Torres, tenho uma relação, que está chegando aos 20 anos, uma pessoa que conheço há muito tempo, duas décadas de relação dos dois lados. Já conhecia a Aline antes, mas trabalhando com ela são 20 anos. Então assim, é uma coisa que a gente tem, uma relação de muito tempo, e essa coisa da gente poder trabalhar juntas. Outro dia, já era meia noite e estávamos conversando. E eu falei: ‘não vai dormir?’. Ela riu. Nem eu nem ela percebemos o tempo passar. Ficamos uns 40 minutos conversando, nós vamos falando de um assunto e muda para outro assunto, e quando você vê já acabou e diz que não precisa mais fazer reunião nenhuma porque já está tudo resolvido.

Miguel Arcanjo Prado e Marilia Marton, no gabinete da secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, durante entrevista ao Blog do Arcanjo © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

Miguel Arcanjo Prado – Quando eu voltar aqui no final da sua gestão, o que você vai querer me falar?
Marilia Marton –
Vou te falar que a gente vai ter melhorado muito as nossas relações em relação ao fomento, não só nos valores, que é algo muito importante, mas acho que aflige a todos os artistas e produtores culturais que são as nossas questões formais. Prestações de contas, tudo isso. E como a gente quer fazer um grande trabalho de formação de profissionais, eles vão estar muito mais aliviados, eu vou estar mais tranquila, vamos ter um grande sistema que vai dar conta de tudo isso, que seja muito seguro para eles e muito seguro para nós que estamos aqui, porque também respondemos. Então, eu acho que na questão do fomento a gente vai conseguir atender todas as linguagens, de forma muito plural, diversa. Esse é meu desejo, que todo mundo seja atendido. Obviamente, vai ter quem ganha e quem perca, mas de uma forma justa, porque eu acho que a questão do edital tem essa questão de fazermos a justiça no melhor projeto, não é uma justiça social, porque aqui não é a secretaria da assistência social, aqui é a secretaria da produção cultural, então o que a gente vai entregar de melhor são os projetos. Esse é um lado que a gente precisa fazer.  O outro lado, a gente poder dizer o seguinte: que a gente conseguiu difundir de uma forma muito ampla tudo o que a gente produz, seja no interior de São Paulo, seja dentro da nossa capital, e seja internacionalmente. Precisamos mostrar ao mundo o que a gente faz. Nós produzimos coisas de muita portabilidade, muito melhor que muita gente que faz porcaria aí fora. Então, minha função também é contar para o mundo o que a gente faz. E por fim, poder dizer para você, Miguel, o seguinte: “Hoje São Paulo tem uma cadeia produtiva da Indústria Cultural extremamente sólida, forte. Se ficar, se for embora, se vier outro, se quiser destruir, não existe destruição, porque ela está perene e consolidada. Essas são as três vertentes principais desta secretaria. 

Miguel Arcanjo Prado – Muito obrigada Marilia Marton, foi um prazer falar com você. 
Marilia Marton –
O prazer foi meu, Miguel! A casa é sua, venha mais vezes. 

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Miguel Arcanjo Prado e Marilia Marton, no gabinete da secretária da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, durante entrevista ao Blog do Arcanjo © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2023

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Jornalista cultural influente e respeitado no Brasil, Miguel Arcanjo Prado é CEO do Blog do Arcanjo, fundado em 2012, e do Prêmio Arcanjo, desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Coordena a Extensão Cultural da SP Escola de Teatro e apresenta o Arcanjo Pod. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, R7, Record News, Folha, Abril, Huffpost Brasil, Notícias da TV, Contigo, Superinteressante, Band, CBN, Gazeta, UOL, UMA, OFuxico, Rede TV!, Rede Brasil, Versatille, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra o júri de Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de São Paulo, Prêmio Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil de Curtas. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação Nacional ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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