★★★★★ Crítica: A Origem do Mundo liberta a mulher da narrativa patriarcal e é um dos melhores espetáculos do ano
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
★★★★★
A Origem do Mundo
Ótimo
Vulva. Vagina. Fazer o público sair pronunciando essas duas palavras de forma livre é um dos grandes méritos de A Origem do Mundo, um dos melhores espetáculos de 2023. Sabe aquela sensação agradável de ter visto um espetáculo inteligente, com grandes atuações e uma direção instigante? É o que acontece quando você termina de assistir a esta peça com as atrizes Julia Tavares e Luisa Micheletti dirigidas por Maria Helena Chira.
A obra está em cartaz no Teatro Mínimo, uma charmosa sala para apenas 30 pessoas no Sesc Ipiranga, na zona sul de São Paulo. Como está cada vez mais comum, infelizmente, a temporada é curtíssima, e vai só até 21 de maio, e com ingressos praticamente esgotados. Portanto, corra para conseguir um dos últimos disponíveis.
A inspiração para as duas atrizes-dramaturgas veio do livro A Origem do Mundo – Uma História Cultural da Vagina ou a Vulva vs. o Patriarcado, HQ que se tornou best-seller escrito pela sueca Liv Stromquist e lançado no Brasil pela editora Companhia das Letras e que capturou a atenção de Luisa em uma livraria e a fez idealizar o espetáculo.
A peça A Origem do Mundo, assim como o livro que a inspira, busca desmistificar o órgão genital feminino e, por consequência, libertar o sexo da mulher do jugo constante de uma sociedade machista e patriarcal. Mas sem textão chato ou proselitismo, muito pelo contrário, com linguagem HQ e pop divertida e que compra a atenção do público pelo olhar bem humorado para o tema.
Atrizes talentosas, direção inteligente
É adorável ver o inteligente jogo que Maria Helena Chira estabelece entre as talentosas atrizes Julia Tavares e Luisa Micheletti em sua peça pop. Elas se complementam em cena como uma espécie de yin-yang. Enquanto Julia traz uma atuação mais leve, Luisa tem uma presença cênica mais densa, formando um conjunto altamente potente ao navegarem pela história da humanidade e contar como a vagina e a vulva foram tratadas neste processo.
Chira se destaca como grande diretora nesta peça, inacreditavelmente sua primeira direção profissional, ao propor soluções criativas e altamente sofisticadas para a cena. Em sua simplicidade comunicativa, faz alta aposta no jogo cênico entre as atrizes, recuperando o sentido da palavra atuar. Afinal, teatro do bom se comunica de forma direta com o coração do público. E é o que acontece neste espetáculo, que abusa do épico para navegar por diferentes linguagens, que vão da paródia ao teatro musical, passando pelo depoimento pessoal e o teatro narrativo.
O espetáculo A Origem do Mundo propõe ao público uma quebra de paradigma no modo como a sociedade enxerga a genitália da mulher, jogando luz àquilo que durante séculos tentaram esconder.
Time criativo
A peça que reflete a luta feminista atual, com as mulheres não mais aceitando — ainda bem — a infelicidade de tristes lugares forjados pelo démodé mundo patriarcal. A encenação resulta de longo processo criativo, no qual contou com provocações de Eme Barbassa e Thaís Medeiros, com a diretora tendo a perspicácia de condensar tudo em ágeis 47 minutos, comprovando que menos é mais neste mundo tão veloz e altamente tecnológico.
É preciso ressaltar a cenografia — com livros espalhados pelo ambiente — e os charmosos figurinos — dois macacões diversos e complementares como as atrizes — criados por Cássio Brasil, que imprimem na estética da obra a sofisticação e o minimalismo de que ela precisa.
No time criativo ainda estão Gabriele Souza na iluminação, que propõe luzes que dialogam com as distintas atmosferas do espetáculo, além de trilha sonora original de Nana Rizinni e da criatividade das divertidas paródias cantadas pelas atrizes nesta peça idealizada por Luisa Micheletti e produzida por Maria Helena Chira e Claus Lehmann.
A Origem do Mundo: uma peça necessária e potente
A Origem do Mundo é uma peça necessária e potente, que busca tirar as vendas que nos impuseram por séculos, para que possamos enxergar com naturalidade e liberdade o sexo da mulher. É lindo ver esse trio de jovens mulheres contemporâneas formado por Julia Tavares, Luisa Micheletti e Maria Helena Chira defendendo novos pontos de vista para um assunto tão pouco dito.
Porque é falando que a gente ressignifica as coisas, propondo novos lugares e novos mundos. Afinal, como certa vez postulou o dramaturgo franco-suíço Valère Novarina, “aquilo que não se pode falar, é isso que é preciso dizer”. Por isso, esta crítica termina como começou: pronunciando, com toda a liberdade do mundo: vulva, vagina.
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A Origem do Mundo
Ótimo
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
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Um dos jornalistas culturais mais respeitados do Brasil, Miguel Arcanjo Prado é CEO do Blog do Arcanjo, fundado em 2012, e do Prêmio Arcanjo, desde 2019. É mestre em Artes pela UNESP, pós-graduado em Cultura pela ECA-USP, bacharel em Comunicação pela UFMG e crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Coordena a Extensão Cultural da SP Escola de Teatro e apresenta o Arcanjo Pod. Foi eleito um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se por três vezes. Recebeu a Medalha Mário de Andrade, maior honraria nas letras do Governo do Estado de São Paulo. Passou por Globo, Record, R7, Record News, Folha, Abril, Huffpost Brasil, Notícias da TV, Contigo, Superinteressante, Band, CBN, Gazeta, UOL, UMA, OFuxico, Rede TV!, Rede Brasil, Versatille, TV UFMG e O Pasquim 21. É presidente do júri do Prêmio Arcanjo e integra o júri do Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio Destaque Imprensa Digital, Guia da Folha, e Canal Brasil de Curtas. Recebeu ainda o Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação Nacional ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil e Prêmio Leda Maria Martins.
Foto: Edson Lopes Jr.
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