★★★ Crítica: Adoráveis Transgressões traz o multiverso da loucura ao Festival de Curitiba

Adoráveis Transgressões, da Selvática, marca o 31º Festival de Curitiba © Blog do Arcanjo 2023 Annelize Tozetto – Agência Daniel Sorrentino @festivaldecuritiba

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

ENVIADO ESPECIAL AO FESTIVAL DE CURITIBA*

O Festival de Curitiba sempre nos reserva gratas surpresas não só nos palcos como também nos bastidores. Igor Horbach procurou nosso site com o objetivo de compartilhar aqui com você, leitor do Blog do Arcanjo, seu aguçado olhar sobre algumas das peças que vê no maior evento das artes cênicas da América Latina. Dono de excelente texto e de visão inteligente para a cena, o escritor e futuro jornalista escreveu sobre a peça Adoráveis Transgressões, da curitibana Selvática. Leia com toda a calma do mundo.

O multiverso da loucura de Adoráveis Transgressões

Por IGOR HORBACH
Especial para o Blog do Arcanjo

★★★
Adoráveis Transgressões
Avaliação: Bom

É de costume que o Festival de Curitiba receba estreias nacionais durante os dias em que acontece, principalmente por ser a época do ano em que mais se consome teatro na capital do Paraná.

Entre as novidades da cena, esteve a peça Adoráveis Transgressões, do grupo Salvatica Ações Artísticas, que espantou com todo o potencial de brincar com os multiversos exóticos e grotescos do ser humano.

O público é recepcionado por uma grande festa, meia hora antes de seu início, nos fundos do teatro. Muita música, drinks e interação com os personagens que já se encontram presentes o tempo todo.

Com seus figurinos exóticos e grotescos, são eles os garçons dessa festa para que possam nos receber com todo carinho.

Trata-se de uma proposta incrível de recepção teatral que nos desliga automaticamente do mundo exterior e nos leva a uma viagem através dos sentidos da peça.

Quando ela começa, temos um flashmob dos personagens, para que só depois sejamos levados para dentro do anfiteatro.

Libertos e ousados: Adoráveis Transgressões, da Selvática, marca o 31º Festival de Curitiba © Blog do Arcanjo 2023 Annelize Tozetto – Agência Daniel Sorrentino @festivaldecuritiba

Fazendo os teatrólogos naturais do século passado se revirarem nos próprios túmulos, o público invade o teatro pelas enormes portas de serviço, onde costuma-se transportar os cenários, invertendo completamente a ótica daqueles que assistem.

Passamos pelo palco, onde o restante do elenco já se encontra presente.

Assim que o espetáculo se inicia dentro da caixa preta, a montanha da loucura se torna cada vez mais íngreme.

O texto é uma colcha de retalhos sem sentido que chega parecer improvisação. Todas as cenas se iniciam e mal terminam.

Os jogos cênicos morrem antes mesmo de ganharem força entre o elenco, em um misto de dramaticidade e comicidade. Por diversos momentos, cheguei a me questionar sobre a qualidade dramatúrgica, até perceber que era exatamente essa a proposta da autora, Renata Pimentel, em diálogo com as produções artísticas da dramaturga e atriz curitibana Leonarda Glück em parceria póstuma com o argentino Copi.

O texto não foi feito para ser linear, isso é claro, mas os motivos subjetivos são mais profundos. As críticas sociais estão tanto nas entrelinhas que seria impossível percebê-las assistindo a peça uma única vez, o que a torna muito potente.

É uma peça que precisa ser vivida e não vista. O elenco brinca com essa dificuldade e traz para seus corpos os sentimentos mais profundos de suas histórias, seja através de performances corporais ou construções de trejeitos específicos.

A peça é interessante até mesmo em sua forma construída que se divide em: Prólogo (a festa), capítulo 1, entreato, capítulo 2, 2º entreato, capítulo 3 e epílogo.

Embora tenha funcionado muito bem, principalmente para que possamos absorver a enxurrada de informações que recebemos, o espetáculo começa a se tornar cansativo.

Flashmob teatral: Adoráveis Transgressões, da Selvática, marca o 31º Festival de Curitiba © Blog do Arcanjo 2023 Annelize Tozetto – Agência Daniel Sorrentino @festivaldecuritiba

Algumas cenas poderiam ser reduzidas ou até mesmo cortadas para que os jogos cênicos fluam melhor.

A cenografia é minimalista e simples ao mesmo tempo. Em toda a peça, há apenas uma composição de cenário, as demais são apenas objetos cênicos que se fazem presentes para a necessidade dos jogos que o elenco se propõe.

O figurino é impecável, mas não poderia esperar menos de Amabilis de Jesus. A figurinista é ousada em seu trabalho ao colocar todas as cores possíveis sob a perspectiva do corpo nu, uma vez que as vestimentas são abertas e o elenco não veste nada por baixo delas, sendo possível ver todos os corpos.

A atuação é de longe inebriante e grotesca, não no sentido ruim da palavra, mas sim de uma forma tão profunda e envolvente que é impossível não desenvolver simpatia por todos aqueles personagens insanos.

O elenco mergulha brilhantemente na ideia de viver tudo aquilo. A direção se preocupa em romper com qualquer estética e técnica já construída no teatro.

Faz da peça um prato cheio para repensarmos o teatro em todas as suas esferas. É brilhante e merece destaque para o quão natural tornou o ‘fazer teatro’ diante do público.

Não há triangulação, quarta parede, tentativa de esconder o óbvio como as portas dos camarins e etc.

A trilha sonora é boa, traz nos momentos certos a música para composição das cenas, o que potencializa a presença e corpo do elenco. Na maioria das vezes se trata de músicas em outros idiomas, cantados pelos próprios atores e atrizes.

Léo Bardo, Nina Ribas e Stéfani Belo em Adoráveis Transgressões, da Selvática, peça que marca o 31º Festival de Curitiba © Blog do Arcanjo 2023 Annelize Tozetto – Agência Daniel Sorrentino @festivaldecuritiba

O corpo nu em cena

A peça pode ser reconhecida pela quantidade de exposição corporal, uma vez que é inexistente a presença de roupas intimas.

Como já dito, o figurino é aberto e podemos ver os corpos que ali habitam. Mesmo com inúmeras críticas contra a nudez em cena, a forma como ela é construída, na intenção talvez de tornar incômodo os jogos para arrancar o público de sua própria zona de conforto, trouxe a necessidade que algumas peças existem.

Ao mesmo tempo que os personagens estão tão vivos diante de nós que na maioria das vezes é impossível lembrar que estão nus diante do público. O elenco traz isso de forma natural em quase todas as cenas.

Por fim, Adoráveis Transgressões é uma peça belíssima para ser vista por aqueles que desejam consumir teatros não convencionais. É uma imersão completa em muitos mundos paralelos que coexistem. É uma peça que incomoda, mas de forma necessária, afinal, se não for essa uma das primazias do teatro, qual será?

Adoráveis Transgressões é encenado por bialopse, Fernanda Fuchs, Leo Bardo, Má Ribeiro, Marina Viana, Nina Ribas, Patricia Cipriano, Simon Magalhães e Stéfani Belo. Dramaturgia de Renata Pimentel. Direção por Gabriel Machado e Ricardo Nolasco. Assistente de direção e preparação vocal por Angela Stadler. Direção de movimento e maquiagem por Princesa Ricardo Marinelli. Luz por Semy Monastier. Figurino de Amabilis de Jesus. Cenografia e efeitos especiais de Paulo Carneiro. Operação de Som de Janaína Fukuzima, produção de Cacá Bordini. Contrarregragem e assistência de produção de Matheus Henrique, ergonomia de máscara de Eduardo Santos. Coordenação de ações de formação por Stéfani Belo. Coordenação de projeto por Gabriel Machado. Registro de foto e vídeo por Cibelli Gaidus. Arte gráfica de Thalita Sejans e Captação de recursos por Meire Abe.

Igor Horbach escreveu esta crítica a convite do Blog do Arcanjo. Ele é autor, ator, dramaturgo e produtor brasileiro. Nascido em Tangará da Serra – MT, publicou seu primeiro livro aos 14 anos e o segundo aos 16. Em 2017, se mudou para Curitiba, Paraná, onde iniciou sua carreira de ator, produtor e dramaturgo. Em 2019, produziu e dirigiu a serie Dislike. Em 2020, publicou seu drama de estreia, Cartas para Jack. Em 2021, lançou a série de contos intitulada Projeto Insônia e o filme Se eu Pudesse te Ouvir, além de se formar em Teatro pela FAP (Faculdade de Artes do Paraná). Em 2022, iniciou os estudos em Jornalismo na Uninter. @igorhorbachoficial

*O jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do Festival de Curitiba.

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Jornalista cultural influente e respeitado no Brasil, Miguel Arcanjo Prado é CEO do Blog do Arcanjo, fundado em 2012, e do Prêmio Arcanjo, desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Coordena a Extensão Cultural da SP Escola de Teatro e apresenta o Arcanjo Pod. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, R7, Record News, Folha, Abril, Huffpost Brasil, Notícias da TV, Contigo, Superinteressante, Band, CBN, Gazeta, UOL, UMA, OFuxico, Rede TV!, Rede Brasil, Versatille, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra o júri de Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de São Paulo, Prêmio Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil de Curtas. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação Nacional ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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