Crítica | Musical Tatuagem se consagra como fenômeno do teatro em 2022 ★★★★★

Ótimo musical, Tatuagem se despede do Espaço Cia da Revista após temporada consagradora de abril a outubro – Foto: Rodrigo Chueri – Blog do Arcanjo

Espetáculo dirigido com habilidade por Kleber Montanheiro tem um dos melhores elencos de 2022

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

Tatuagem ★★★★★

Como é bom quando o teatro vira aquela magia do encontro único e criador de uma atmosfera inesquecível que jamais se repetirá. Assim é o espetáculo musical Tatuagem, verdadeiro fenômeno teatral do ano com a Cia. da Revista sob direção do habilidoso e criativo Kleber Montanheiro. Em cartaz desde abril, a montagem encerra temporada neste fim de semana com a glória de ser unanimidade entre crítica e público, que esgotou grande parte das sessões.

Sotaque sedutor

O espetáculo é uma adaptação de Montanheiro para o filme Tatuagem, do cineasta pernambucano Hilton Lacerda, lançado em 2013 e uma das mais incensadas produções nacionais deste século.

Tudo se passa no dia a dia do libertário grupo de artistas Chão de Estrelas, com seu efervescente cabaré nos anos 1970, na calorosa Recife — nestas últimas sessões da montagem até o calor recifense se fez presente no Espaço Cia da Revista, na divisa de Santa Cecília e Campos Elíseos, em São Paulo, deixando a montagem ainda mais verossímil.

O sedutor sotaque pernambucano dá o tom da encenação, que conta com variados artistas pernambucanos no elenco, nomes pinçados por Montanheiro em audições do projeto Conexão São Paulo – Pernambuco, que celebra os 25 anos da Cia da Revista. Tatuagem é a segunda peça de uma trilogia, aberta com Nossos Olhos.

Melhor elenco de 2022: intensos, talentosos e debochados, atores de Tatuagem conquistaram o público de São Paulo – Foto: Rodrigo Chueri – Blog do Arcanjo

Elenco primoroso

O musical Tatuagem é protagonizado pelo triângulo amoroso formado por três homens: Clécio, Paulete e Fininha.  O primeiro é o diretor da trupe cênica, o segundo é a grande estrela do grupo e amante do primeiro, já o terceiro, que chega na história para tudo movimentar, é um jovem interiorano soldado do Exército, que se apaixona pelo comandante da companhia.

O elenco de Tatuagem é um dos mais afinados da temporada teatral 2022, com atores e atrizes altamente talentosos e competentes não só no canto e  na dança, quanto na atuação. A forte energia que essa turma imprime ao espetáculo realmente é raridade. Há uma entrega visível de todos no palco e nos bastidores. Qualquer espectador com um mínimo de sensibilidade consegue sentir isso.

E o trio protagonista é fantástico. A grata revelação nos grandes palcos paulistanos Cleomácio Inácio empresta sua alta dose de energia e segurança na construção de Clécio, em volta do qual toda a história se movimenta.

André Torquato, nome talentoso e experiente dos grandes musicais, constrói uma vibrante Paulete com a competência que lhe rendeu o Prêmio Bibi Ferreira de melhor ator coadjuvante — seu talento faz o personagem crescer muito mais do que no filme, e tornar-se coprotagonista da história.

Mateus Vicente, por sua vez, imprime delicadeza ao seu jovem soldado, personagem que quebra estereótipos acerca da homossexualidade.

Aliás, as cenas em que os personagens fazem amor são construídas com olhar de desejo sem perder a beleza estética, tanto pela direção quanto pelos intérpretes, o que as fazem figurar entre as mais belas cenas de sexo já produzidas no teatro brasileiro.

Mas o trio protagonista só cresce porque tem ao redor um time de atores exuberantes e com altas doses de performatividade cênica. Este crítico precisa nomear um por um: Bia Sabiá, GuRezê, Júlia Sanchez, Lua Negrão, Lucas Truba, Natália Quadros, Romário Oliveira e Zé Gui Bueno, este último dono de invejável versatilidade.  

Kleber Montanheiro, diretor de Tatuagem com sua Cia. da Revista – Foto: Sergio Santoian – Blog do Arcanjo

Diretor habilidoso

Tatuagem confirma Kleber Montanheiro como um dos melhores diretores de teatro de sua geração, assinando ainda cenografia e figurinos impecáveis. Não fica atrás a direção musical e os arranjos criativos de Marco França, também vencedor do Prêmio Bibi Ferreira, para as canções de As Baías, que dão frescor e inteligência contemporânea ao musical.

Uma questão que este crítico não pode deixar de observar é o musical passar, e muito, a duração oficial de 135 minutos com intervalo anunciada ao público. Pode parecer caretice, mas este crítico considera que o público tem o direito de ser informado da duração mais próxima possível que um espetáculo tem. Até mesmo para se programar, inclusive em relação ao retorno para casa.

Dito isso, voltemos à ficha técnica.

É preciso destacar a iluminação inebriante de Gabriele Souza, o visagismo impecável de Louise Heléne e a atenta assistência de direção de João Victor Silva, bem como a aguerrida produção comandada por Jota Rafaelli e Luciana Venâncio com a Movicena Produções nesta histórica realização da Cia. da Revista.

Brasil de ontem e hoje

Este crítico não pode deixar de ressaltar a força pungente que Tatuagem ganha ao se encontrar com o Brasil destroçado pelo governo atual e às vésperas de eleições definitórias para seu futuro, traçando paralelos importantes entre os tempos de ditadura militar e o atual, de semelhante acirramento do ódio e da perseguição das liberdades individuais por um puritanismo hipócrita.

Tatuagem prova que o teatro é a arte do encontro e do coletivo. E que o teatro só acontece quando todos acreditam. O espetáculo comprova também que nossos empresários e poder público precisam ficar mais atentos à importância da produção cultural e toda a cadeia de economia criativa que esta movimenta, e oferecer a produções de qualidade como Tatuagem todo o apoio possível.

Afinal, teatro não se faz só de talento e suor; artistas também pagam boletos e contribuem para o girar da economia, além de deixarem as nossas vidas mais leves em tempos tão pesados — o que é uma dádiva. É um absurdo se Tatuagem não fizer uma turnê nacional ou retomar nova temporada em São Paulo. Porque Tatuagem é uma obra prima do teatro brasileiro que merece todos os incentivos do mundo e nossos aplausos de pé. Quem teve o privilégio de assistir certamente há de concordar com este humilde escriba.

Tatuagem ★★★★★
Avaliação: Ótimo
Crítica por Miguel Arcanjo Prado

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Jornalista cultural influente e respeitado no Brasil, Miguel Arcanjo Prado é CEO do Blog do Arcanjo, fundado em 2012, e do Prêmio Arcanjo, desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Coordena a Extensão Cultural da SP Escola de Teatro e apresenta o Arcanjo Pod. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, R7, Record News, Folha, Abril, Huffpost Brasil, Notícias da TV, Contigo, Superinteressante, Band, CBN, Gazeta, UOL, UMA, OFuxico, Rede TV!, Rede Brasil, Versatille, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra o júri de Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de São Paulo, Prêmio Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil de Curtas. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação Nacional ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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