Crítica | Azáfama, Substantivo Feminino cria catarse com mulheres que encenam em coro triunfante ✪✪✪✪

Azáfama, Substantivo Feminino: musical intimista de Bruno Narchi com Letícia Soares faz sucesso na Praça Roosevelt – Foto: Bob Sousa – Blog do Arcanjo

Azáfama, Substantivo Feminino
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
Crítica por Marcio Tito*

Especial para o Blog do Arcanjo

Azáfama, Substantivo Feminino, espetáculo escrito e dirigido por Bruno Narchi e com direção musical de Gui Leal e Thiago Machado, apresenta uma série de revisões e releituras que situam o espetáculo em um sólido “não-lugar” capaz de representar, de modo dialético, tempos, culturas, civilizações e dores tão ancestrais quanto potencialmente contemporâneas e futuras.

Teatro de grupo, mítica, ritual, lendas e gira se misturam com efeito performativo. Contudo, de modo geral, resiste em cena uma bem-vinda teatralidade bastante objetiva e obstinada em, ainda que dentro de diversos experimentos clássicos, renovar o uso da cena e entregar ao movimento do coro boa parte das soluções visuais e sonoras necessárias — ficamos confortavelmente entre um contação narrativa e épica dos eventos e, durante as canções, dentro de uma subjetiva e catártica experiência acerca dos fatos.

Sua estrutura de conjuntos narrativos, que se encontram em ilhas de força quando a cena exige foco e boa definição, aquartelando intérpretes, luz, som e adereços em uma só direção, com bem orquestrada e clara partitura estética, é a maior e mais positiva estratégia encontrada pela encenação.

Retire seu ingresso!

Azáfama, Substantivo Feminino: musical intimista de Bruno Narchi faz sucesso na Praça Roosevelt – Foto: Bob Sousa – Blog do Arcanjo

Um espetáculo que anunciadamente articula fórmulas de conquista de poderes e também a contestação de poderosos, quando desenha na cena matemáticas capazes criarem contextos equivalentes às metáforas então representadas, ganha em autocrítica quando dispara jogos e soluções cênicas capazes de entregarem legendas objetivas e adequadamente pedagógicas.

Este supracitado triunfo da encenação e da obra, de modo geral, também recebe a vivaz e aguerrida participação de um elenco coeso e sempre dois graus acima do que já nos exigiria uma boa sequência de aplausos em cena aberta — e fica a impressão de que a plateia evitou aplaudir repetidas vezes porque tantas interrupções poderiam desmembrar o enredo.

Contudo, ainda com certa economia por parte do público, alguns números não passaram despercebidos e enérgicas manifestações de agrado e gozo, por parte dos e das espectadoras, tomaram o espaço e a cena com muita naturalidade.

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Azáfama, Substantivo Feminino: musical intimista de Bruno Narchi faz sucesso na Praça Roosevelt – Foto: Bob Sousa – Blog do Arcanjo

Sagrado feminino

Se o título deste raciocínio entrega certa pista em direção ao trabalho da psicóloga e escritora Clarissa Pinkola Estés, autora do clássico Mulheres Que Correm Com Lobos, aproveito este parágrafo para, de fato, pontuar a citação e revelar parte do caminho que percorri até unir nas ideias um claro diálogo entre as duas produções (o livro e a peça).

Falar do sagrado feminino, no contexto de mulheres sagradas e guerreiras, conscientes da opressão e capazes de articularem uma resposta em forma de ação, de certo, nos faz rememorar os melhores momentos da recente revisão feminista acerca da história dos corpos femininos dissidentes — como a recontação historiográfica do surgimento das lendas sobre “bruxas” no ocidente, ou como a recontação do arquétipo das mulheres “fiandeiras” ou que, como nas mitologias grega, africana e celta, ataram e desataram nós de sabedoria frente aos olhos de deuses e homens tão valentes e poderosos quanto cegos por vaidade, soberba, machismo e arrogância.

Azáfama, Substantivo Feminino: musical intimista de Bruno Narchi faz sucesso na Praça Roosevelt – Foto: Bob Sousa – Blog do Arcanjo

Azáfama, Substantivo Feminino parece observar com parcimônia os limites da conjuração do sagrado feminino em cena (entregando também uma narrativa capaz de melhores e mais claros acordos, do ponto de vista teatral, uma vez que também inclui em sua fábula desencontros e tropeços que humanizam as personagens e suas trajetórias).

Talvez por isso, com bastante delicadeza e por meio de uma clara aposta no carisma das atrizes Letícia Soares, Helena Lazarini, Juliana Bógus, Larissa Carneiro, Thaís Piza, Pamella Machado, Leilane Teles, Giovanna Moreira e Zuba Janaina, a peça estabeleça um acertado teatro popular e se mostre capaz de receber em suas proposições todos os formatos de público. Neste contexto, comprovando o acerto da estética escolhida, as urgências e pautas do público parecem gradualmente sanadas conforte a cena se desenrola e o texto evolui.

Emociona que o objetivo das personagens perca o controle e desague em uma tragedia tão imprevisível quanto incontrolável. É uma ruptura do sucesso e também momento qual, já poderosas, já empoderadas, as personagens de fato lidam com as forças do real e, diante dele, se veem feridas até que o sangue derramado sirva enquanto alerta: viver não é fácil, acordos importam, liberdade custa caro e vamos à luta!

Curiosamente, porque transcende o que mais corriqueiramente acompanhamos na cena teatral, a força da montagem resiste na produção de contradições. Com certo grau de combate, porque várias perspectivas disputam espaço no discurso, a boa dramaturgia entrega um prático, realista e intenso feminismo próximo e distante aos exemplos mais difundidos nas redes sociais.

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Azáfama, Substantivo Feminino: musical intimista de Bruno Narchi faz sucesso na Praça Roosevelt – Foto: Bob Sousa – Blog do Arcanjo

Contudo, outra vez popular, o eficiente teatro de pesquisa que o coletivo Nosso Projeto desenvolve faz caber em seu formato uma vertiginosa pluralidade de visões (e é justamente este o acréscimo de sentido que faz a montagem ganhar em bom senso e unidade).

Este oportuno e metódico diálogo entre dissonâncias garante que o espetáculo não se perca em uma encenação ensimesmada (assim como também ressalva as tematizações, fazendo com que o espetáculo escape ao turno de uma palestra puramente expositiva).

Suficientemente teatralizado e ainda capaz de entregar textualmente uma progressiva clarificação dos valores e conceitos abordados, o espetáculo não perde em magia, subjetividade e beleza.

Procurei escapar ao óbvio das canções enquanto realização central do trabalho, contudo, não seria justo terminar este escrito sem destacar e valorizar a perfeita e bem ensaiada disposição vocal e musical das atrizes em cena. Fazem parecer “fácil” que um texto realizado em coro se sobressaia por sua falta de ruídos, e fazem parecer fácil transmitir em notas e ritmos o espírito central de uma obra.

É um grupo poderoso, orgânico, perfeitamente adequado às convenções criadas pela direção e bastante confortável na condução de cada uma das cenas e atmosferas do enredo — de certo, Azáfama traz um dos mais bem acabados e técnicos elencos de toda a temporada.

Azáfama, Substantivo Feminino
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
Crítica por Marcio Tito*

Especial para o Blog do Arcanjo

*Marcio Tito é dramaturgo e diretor teatral, além de editor, crítico e entrevistador no site Deus Ateu. Ele escreveu esta crítica a convite do Blog do Arcanjo@marciotitop Foto: Edson Lopes Jr.

Azáfama, Substantivo Feminino

Texto, letras e músicas: Bruno Narchi | Arranjos instrumentais e orquestração: Gui Leal | Arranjos Vocais: Thiago Machado e Gui Leal | Direção Geral: Bruno Narchi | Direção Musical: Gui Leal e Thiago Machado | Coreografias: Zuba Janaina | Cenografia: Thiago Machado, Júlia Lacomb e Ágatha Perez | Cenotécnico: Jhonatta Moura | Figurinos: Hugo Zuba | Desenho de Luz: Bruno Narchi | Adereços: Bruno Narchi | Assistente de Produção: Nany Cristina | Assistentes de Direção: Julianna Bettim e Marjorie Joly | Elenco: Letícia Soares, Helena Lazarini, Juliana Bógus, Larissa Carneiro, Thaís Piza, Pamella Machado, Leilane Teles, Giovanna Moreira e Zuba Janaina.

Serviço:
Até 27 de julho de 2022| Terças e quartas, às 20h30
SP Escola de Teatro – Unidade Roosevelt – Sala Alberto Guzik (Praça Franklin Roosevelt, 210, Consolação)
R$60 e R$30 (meia)
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Um dos jornalistas culturais mais respeitados do Brasil, Miguel Arcanjo Prado é CEO do Blog do Arcanjo, fundado em 2012, e do Prêmio Arcanjo, desde 2019. É mestre em Artes pela UNESP, pós-graduado em Cultura pela ECA-USP, bacharel em Comunicação pela UFMG e crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Coordena a Extensão Cultural da SP Escola de Teatro e apresenta o Arcanjo PodFoi eleito um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se por três vezes. Recebeu a Medalha Mário de Andrade, maior honraria nas letras do Governo do Estado de São Paulo. Passou por Globo, Record, R7, Record News, Folha, Abril, Huffpost Brasil, Notícias da TV, Contigo, Superinteressante, Band, CBN, Gazeta, UOL, UMA, OFuxico, Rede TV!, Rede Brasil, Versatille, TV UFMG e O Pasquim 21. É presidente do júri do Prêmio Arcanjo e integra o júri do Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio Destaque Imprensa Digital, Guia da Folha, e Canal Brasil de Curtas. Recebeu ainda o Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação Nacional ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil e Prêmio Leda Maria Martins.
Foto: Edson Lopes Jr.
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