Morte de Bibi Ferreira, nossa maior atriz, é fim de uma era do teatro

Bibi Ferreira, que morreu aos 96 anos após uma vida inteira dedicada ao teatro brasileiro – Foto: Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

A maior atriz do teatro brasileiro. Este é o real sobrenome de Bibi Ferreira. Com sua morte, fruto de uma parada cardíaca, em casa, no Rio, aos 96 anos, perdemos irremediavelmente boa parte da história dos nossos palcos, dos quais ela foi a maior defensora e representante, seja atuando ou como diretora ou produtora. Sem seu talento, os palcos e salas de ensaio ficam em luto absoluto, mergulhados na profunda tristeza de quem perde seu norte, seu rumo. É o fim de uma era de ouro do teatro brasileiro, tão maltratado nos tempos atuais.

Morre Bibi Ferreira aos 96 anos

Impressionantemente, Bibi se manteve na ativa até completar seu último ano de vida, anunciando sua aposentadoria só em setembro do ano passado. Foi vigorosa e exemplar até o fim, cantando com voz límpida e atuando formidavelmente com seu carisma único e inesquecível.

Exclusivo: Bibi Ferreira será homenageada no Festival de Curitiba

Ela pôde ter em vida a glória de ser homenageada na superprodução musical “Bibi, uma Vida em Musical”, protagonizado pela excelente atriz Amanda Acosta, que hipnotizou os espectadores e a própria Bibi ao interpretá-la com paixão, respeito e fervor que lhe renderam vários prêmios, entre eles o cobiçado Prêmio APCA de Melhor Atriz. Bibi também teve a alegria de ver em vida o maior prêmio do teatro musical brasileiro levar seu nome, o Prêmio Bibi Ferreira, entregue em São Paulo há seis anos. Bibi, aliás, ganhou o Grande Prêmio da Crítica da APCA em 2008, além das centenas de troféus que acumulou ao longo de sua quase centenária carreira nos palcos.

Ao saber de sua morte, Leandro Knopfholz, diretor do Festival de Curitiba, o maior e mais importante festival de artes cênicas do país, afirmou ao Blog do Arcanjo no UOL que Bibi será homenageada na abertura do evento, no próximo 26 de março, no Teatro Guairão. “Vai a atriz, mas permanecem a obra, o legado e o exemplo para que continuemos no ofício”, afirmou Knopfholz.

Filha de um dos maiores nomes do teatro brasileiro, o ator Procópio Ferreira, e da grande bailarina nascida na Espanha e criada na Argentina Aída Izquierdo, ela nasceu no Rio em 1º de junho de 1922. Subiu ao palco pela primeira vez com apenas 24 dias de vida. E dele nunca mais saiu. O teatro foi a maior paixão de sua vida, ao qual jamais abandonou mesmo quando teve na TV um programa de grande sucesso na década de 1960 na extinta TV Excelsior de São Paulo.

Bibi Ferreira na juventude – Foto: Arquivo pessoal – Blog do Arcanjo – UOL

Sua casa foi o palco, sobretudo o teatro musical, que sempre foi sua maior paixão e a consagrou em espetáculos como “Gota D’Água”, de Chico Buarque e Paulo Pontes, como a sofrida Joana em 1975, ou no grandes espetáculos dedicados às obras de clássicos como Edith Piaf ou Frank Sinatra mais recentemente. Sua última turnê, lançada com 95 anos e com a qual se despediu dos palcos, foi “Bibi – Por Toda a Minha Vida”.

Quem assistiu a Bibi Ferreira no teatro sabe a força descomunal que esta atriz tinha. E que será impossível de se repetir.

Sem Bibi, a cultura brasileira fica mais pobre e triste. Sua morte marca o fim de uma era em nossos palcos, era feita de grandes e aguerridos artistas, cujo amor ao ofício ultrapassava quaisquer barreiras. Bibi Ferreira amou o teatro como ninguém. Por isso, seguirá viva, de certo modo, na paixão de cada ator verdadeiro que vier a existir neste país.

Exclusivo: Bibi Ferreira será homenageada no Festival de Curitiba

Entrevista exclusiva com Bibi Ferreira em 2016 por Miguel Arcanjo Prado

Entrevista de Quinta: “É preciso ter ambição e saúde para triunfar”, diz Bibi Ferreira, no palco, aos 93 anos*

*Texto publicado originalmente em 3 de março de 2016

O ano de 2016, no qual completa 94 anos em 1º de junho próximo, será movimentadíssimo para a atriz e cantora Bibi Ferreira. Após sessões de sucesso no Rio, ela apresenta nesta sexta (4), no Tom Brasil, em São Paulo, seu show 4xBIBI, no qual canta em português, inglês, espanhol e francês, tendo no repertório clássicos de Frank Sinatra, Amália Rodrigues, Carlos Gardel e Édith Piaf.

Depois, volta em temporada no Teatro Renaissance entre 1º e 24 de abril. Ela ainda pretende lançar fotobiografia e uma caixa box com seis discos, além de um novo portal com seu nome na internet. Além disso, tem programada temporada de seu show em Nova York nos meses de agosto e setembro. Depois, pretende voltar a São Paulo para mais uma temporada.

Com tanto fôlego e esbanjando vitalidade, Bibi Ferreira recebeu Miguel Arcanjo Prado com exclusividade em sua suíte no Hotel Maksoud Plaza, nas proximidades da avenida Paulista, em São Paulo. Falou sobre o show, a infância, a carreira e ainda revelou sua cantora preferida bem como deu dicas preciosas aos jovens atores.

Leia com toda a calma do mundo.

Bibi Ferreira com seus pais, a bailarina Aída Izquierdo, e o ator Procópio Ferreira – Foto: Arquivo Pessoal – Arquivo Blog do Arcanjo – UOL

MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual é a coisa que você mais tem saudade dos tempos de infância?
BIBI FERREIRA —
De um jardim. Tinha nossa casa na rua Paissandu, eu me lembro desse jardim, que eu corria com um automovelzinho, daqueles que a gente entrava e empurravam a gente. E numa dessas vezes que me empurraram eu entrei por aquelas estacas que tomam contam para que as flores não sejam pisadas e eu enfiei aquilo tudo nos dedos. Eu me lembro daquele jardim com muita dor e ao mesmo tempo com muita alegria porque foi botando as mãos no sol, e após uma limpeza que meu médico fez nas minhas mãos, que consegui ter minhas mãozinhas de volta. É isso que me lembro da minha infância. Da alegria de ter me recuperado.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como foi para você ter uma família com nacionalidade múltipla com uma ligação tanto com a Argentina e Espanha, por sua mãe, quanto com o Brasil, por seu pai?
BIBI FERREIRA —
Muito fácil. Porque minha mãe, que era espanhola nascida em Valencia e educada em Buenos Aires, ela me proibiu em casa no Brasil de falar português com ela. Ela dizia [começa a falar em espanhol]: No es por mal, nena, pero mirá: si hablás castellano conmigo en casa vas a aprender más un idioma. Entonces hablás castellano conmigo en casa. Então eu aprendi mais um idioma e até hoje falo castelhano com muita naturalidade.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como você encara este ano de tanta movimentação nas comemorações de uma carreira gloriosa, de 75 anos, e com uma agenda de shows incrível, não só aqui em São Paulo como também no Rio e em Nova York; de onde tira tanta energia para estar no palco com essa vitalidade toda?
BIBI FERREIRA —
Eu não gosto muito de falar das coisas muito boas. Onde é que tem madeira aqui?

MIGUEL ARCANJO PRADO — Aqui no braço da minha cadeira, Bibi.
[Ela bate na madeira três vezes]
BIBI FERREIRA —
Saúde é a primeira coisa. Saúde física e mental isso eu tenho. Dou graças a Deus por essa dádiva maravilhosa que Deus me deu, pela memória que ele me dá, que eu posso enfim decorar todo meu trabalho e apresentar para o público corretamente e decentemente. É isso que eu tenho. Obrigações de estar bem com a plateia.

Bibi Ferreira nos bastidores da TV Excelsior, em São Paulo, na década de 1960 – Foto: Arquivo pessoal – Arquivo Blog do Arcanjo – UOL

MIGUEL ARCANJO PRADO — O Brasil sentiu muita falta de ter você mais na televisão. A gente sabe que você teve seu programa de muito sucesso nos anos 1960, mas depois você se voltou mais para o teatro e a TV não aproveitou tanto o talento de Bibi Ferreira. Por que isso aconteceu?
BIBI FERREIRA —
Não é que a televisão não aproveitou, ela não conseguiu que eu fosse por falta de agenda. Porque uma pessoa que trabalha todas as noites no teatro… Bom, está cheio de gente que trabalha no teatro e faz televisão…. Mas, eu não poderia. Fazer teatro e televisão, de dia e à noite, hoje em dia não teria idade para isso. Eu já tinha feito programas, mostrei que sabia fazer, não era uma disputa de quem faz bem ou faz mal, ou não faz. Foi uma questão mesmo de optar cem por cento de me dedicar ao teatro e à plateia. Senão, não vai. Eu não conseguiria trabalhar no teatro e na TV ao mesmo tempo.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual cantora você admira?
BIBI FERREIRA —
Maria Bethânia. Ela é uma autodidata natural, de uma família colossal de gente de grande cultura popular. E eu acho a Bethânia uma flor no meio deste agreste nacional. Ela é a pessoa mais carinhosa que Deus botou no mundo em relação a mim artisticamente. Ela é a maior cantora deste país. O que ela fez neste Carnaval foi lindo, fiquei emocionada. Fico muito honrada em pertencer à família Veloso.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como é sua relação com o maestro Flávio Mendes?
BIBI FERREIRA —
Flávio Mendes é um jovem maestro com um talento enorme que nem sabe o talento que tem. Uma das pessoas mais agradáveis que conheci. É um amigo. Porque quando você canta sua voz tende a descer um pouco e ele chega para mim e diz que subiu dois tons em uma música. Temos uma conversa íntima maravilhosa que funciona até três, quatro da madrugada. Eu telefonei para ele outro dia aguniada para saber se podia ou não abrir o espetáculo com Raul Seixas. E ele autorizou [no show, ela canta Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás, brincando com a própria idade no palco].


MIGUEL ARCANJO PRADO — Você é um mito do teatro brasileiro e todos que querem ser atores têm você como referência. Se um menino ou menina aí no começo de carreira abrir e ler esta entrevista, o que você diz para eles, o que é importante nesta carreira que você trilha tão bem a cada dia?
BIBI FERREIRA —
O que é importante? Para começar a carreira, estudar, ler muito. Saber muito sobre aquilo que você pretende fazer. É importante você apurar tudo o que pretende fazer e ter ambição, vontade de vencer. Isso é muito importante. A razão pela qual você está aqui. É para triunfar. É para ganhar e chegar lá em cima. E tudo isso requer muito trabalho, muito estudo e principalmente saúde. É preciso tratar da saúde em primeiro lugar, aprender a respirar e eu vou lhe dar o nome da minha professora com quem aprendi a respirar, professora Ilza Corrêa, que é maravilhosa. E aí você aprende a respirar e vai em frente. É só isso.

Siga Miguel Arcanjo Prado no Instagram

Bibi Ferreira (1922-2019): a maior atriz da história do teatro brasileiro – Foto: William Aguiar – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Please follow and like us: