Crítica: Diário de uma Camareira mescla tensão sexual e social de forma desconcertante

Cena do filme O Diário de uma Camareira: tensão de classe e sexual na telona - Foto: Divulgação

Cena do filme O Diário de uma Camareira: tensão de classe e sexual na telona – Foto: Divulgação

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

Muitos estudiosos, para horror de certos puristas, apontam que romances são peças que escrevem a história tanto quanto pesquisas científicas.

O filme Diário de uma Camareira, de Benoît Jacquot, é a prova disso ao beber na fonte do livro homônimo publicado em 1900 por Octave Mirbeau e já recriado no cinema por Jean Renoir (1946) e Luis Buñuel (1964).

Tanto interesse dos cineastas na obra é mais do que justificado. Ela traz uma protagonista interessantíssima, à frente de seu tempo e dona do próprio nariz, capaz de fazer tremer as estruturas sociais e sexuais ocidentais até mesmo nos dias de hoje.

Com direção de arte minuciosa, a nova adaptação recria a vida de uma empregada doméstica parisiense, Célestine (Léa Sevdoux) na virada do século 19 para o 20. A jovem congrega em si os ventos das revoluções sociais e de gênero que abalariam as décadas vindouras.

Com uma proposta elegante e sofisticada de planos, sobretudo quando retoma o movimento de aproximação da lente, reforçando sentimentos de seus personagens, o diretor abusa da beleza de sua protagonista, Léa Seydoux em grande momento.

A tal camareira é uma mulher à frente de seu tempo, insatisfeita de sujeitar-se aos desmando de patroas ricas e histéricas ou patrões sedentos por desfrutar de seu jovem corpo.

Na medida do possível, é a camareira quem dita as regras nas casas onde trabalha. Nem que, para isso, precise persistir de forma obstinada.

O filme tem no conflito de classe — uma aristocracia decadente que humilha seus serviçais, que em breve serão a burguesia endinheirada que pisará em seus calos — sua primeira grande tensão.

Há espaço no filme ainda para expor o sentimento antissemita presente na Europa e que culminaria no nazismo décadas depois — foi chocante para este crítico ver parte da plateia do cinema rir de piadas racistas de um dos personagens contra judeus, o que prova que ainda não vencemos o mal racista por completo.

Apesar destes embates, da metade em diante, o longa prefere rumar a outro grande conflito da humanidade ainda insuperável: o de gênero, colocando toda a certeza de sua protagonista em xeque diante de um macho alfa.

Num primeiro olhar pode até soar machista, mas, numa mirada mais detida, pode resignificar como uma dominação permitida em nome do próprio prazer. Este é o trunfo do filme capaz de desconcertar até mesmo o clichê feminista.

Diário de uma Camareira * * *
Avaliação: Bom

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