★★★★ Crítica: Padre Pinto faz justiça cênica vigorosa ao lendário pároco baiano

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
★★★★
PADRE PINTO – A NARRATIVA (RE)INVENTADA
Avaliação: Muito Bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
É especialmente tocante quando o teatro assume a nobre missão de resgatar figuras importantes, cujas histórias não foram devidamente contadas. O espetáculo Padre Pinto – A Narrativa (Re)Invenada, com dramaturgia e direção de Luiz Marfuz e em cartaz com sucesso no Sesc Pompeia, é um desses acertos. A idealização é de Ricardo Bittencourt, Luiz Marfuz e Mauricio Magalhães, com coordenação geral de Fioravante Almeida e produção de Camila Bevilacqua.
A peça traz o talento inquestionável de Ricardo Bittencourt, experimentado ator do Teatro Oficina de Zé Celso, como Padre Pinto, naquela que já é uma das melhores atuações do ano. O artista faz uma construção digna do antropofagismo e do carisma originais do retratado, carisma este que impressionou todo o Brasil.
Matéria controversa
O padre baiano José de Souza Pinto (1947-2019), o Padre Pinto, foi pároco lendário da Igreja Nossa Senhora da Conceição da Lapinha, joia da arquitetura mourisca, em Salvador da Bahia. Muito querido da comunidade, ele ganhou fama após uma reportagem do Jornal da Globo em 2006 expor ao Brasil seu jeito único de celebrar a missa: com maquiagem carregada e vestindo indumentárias indígenas e do orixá Oxum, durante a festa do Terno de Reis, que ele revigorou e até hoje é sucesso na paróquia.
Com a exposição televisiva de sua personalidade exuberante, o excêntrico padre tornou-se automaticamente vítima da fúria da mídia, sociedade e Igreja hipócritas, que resolveram castigá-lo com a ridicularização pública. Esta culminou com seu afastamento do posto de pároco, após mais de 30 anos à frente do templo e de ações sociais inquestionáveis junto à comunidade local.
Novo olhar
O espetáculo reconta a história de Padre Pinto por um novo viés. De réu da moral e dos bons costumes, ele passa a herói e gênio incompreendido, com sua grandiloquência no exercício do sincretismo religioso que sempre deu o tom no Brasil e, sobretudo, na Bahia. E que impera até os dias atuais. Quem aí nunca viu vídeos nas redes sociais de cultos evangélicos pentecostais com fiéis rodopiando em transe semelhantemente aos cultos de religiões de matriz africana?
O espetáculo Padre Pinto cumpre sua missão de retirar esta grandiosa figura do apagamento histórico, expondo sua vida e obra ao público a partir de um novo ponto de vista, bem longe daquele olhar de preconceito que a imprensa lançou ao religioso.

Encenação exuberante
A encenação de Luiz Marfuz é tão exuberante quanto Padre Pinto, apresentado como criação dos Três Reis Magos (os atores Mariano Mattos Martins, Sylvia Prado e Tony Reis). A tríade se mistura em símbolos que surgem no espetáculo, como s três raças matrizes do Brasil e mostrando que, na Bahia, qualquer história tem pelo menos três lados. Estão na assistência da direção Roderick Himeros, Rita Brandi e Fernando Filho, além da consultoria artística de Onisajé e assessoria candomblaica de Marcio Telles.
A ótima trilha sonora original e direção musical de João Milet Meirelles, com assistência da talentosa chilena-brasileira Claudia Manzo, é executada com brasilidade reluzente pela banda formada por Ito Alves, Moisés Moita Matos e Wilson Feitosa, o que deixa a montagem, mesmo que longa, com ritmo intenso. É preciso destacar ainda a luz dos irmãos César Pivetti e Rodrigo Pivetti, os figurinos e adereços da dupla Kelly Siqueira e Paula Mares Ruy e a coreografia e direção de movimento de Marilza Oliveira, com forte influência afro-brasileira.

Elenco vigoroso
Ricardo Bittencourt brilha intensamente como Padre Pinto, conferindo ao mesmo o farto carisma necessário, repleto de olhares e sutilezas, com o corpo absolutamente presente em cena, em um dos grandes momentos da trajetória do ator baiano nos palcos.
O elenco da montagem ainda abriga outros grandes talentos. Atriz de absoluta potência, Rita Brandi rouba literalmente a cena, como sua irrequieta Madrinha. Victor Rosa, faz um Exu de corpo em riste, abridor de caminhos. O elenco ainda traz Sergio Marone, ator convidado como o soturno emissário do Vaticano que chega para infernizar e condenar Padre Pinto. Ao modelo do Teatro Oficina, o espetáculo tem no coro sua grande força motriz: Agata Matos, Gabriel Frossard, Igor Nascimento, Luciana Domschke, Thaise Reis e Wilson Feitosa, além dos já mencionados Sylvia Prado, Mariano Mattos Martins e Tony Reis.

A história de Padre Pinto diz muito sobre a Bahia e sobre o Brasil. Nos lembra como, enquanto sociedade, rejeitamos ou diminuímos aquilo que é absolutamente nosso em nome de uma aprisionante narrativa europeizante: a festa, a mistura, o sincretismo, o carisma, as cores, o vigor. Padre Pinto foi uma força irrefreável da criatividade brasileira: artista plástico, dançarino, coreógrafo, benfeitor, que não se encaixava nos cânones paroquiais pré-fabricados. Estava além de qualquer limitação. Como costuma acontecer a quem foge à regra, foi perseguido e humilhado em vida, mas nunca perdeu o amor de seus fiéis, que fizeram passeata pela sua permanência, quando de sua expulsão, e que, quando de sua morte, o enterraram sob fortes e emocionados aplausos no cemitério da Ordem Terceira de São Francisco, em Salvador. Padre Pinto – A Narrativa (Re)Inventada alça Padre Pinto ao lugar que merece no panteão nacional: o de baluarte da cultura brasileira. Que isso o deixe feliz e justiçado, em seu colorido Céu-Orum.
★★★★
PADRE PINTO – A NARRATIVA (RE)INVENTADA
Avaliação: Muito Bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado

Padre Pinto: Equipe do espetáculo posa com exclusividade para o Blog do Arcanjo nos bastidores do Sesc Pompeia

























PADRE PINTO – A Narrativa (Re)Inventada
Ficha técnica:
Dramaturgia e direção
Luiz Marfuz
Elenco
Ricardo Bittencourt como Padre Pinto
Ator convidado: Sérgio Marone como Emissário
Ágatha Matos
Gabriel Frossard
Igor Nascimento
Luciana Domschke
Mariano Mattos Martins
Rita Brandi
Sylvia Prado
Thaise Reis
Tony Reis
Victor Rosa
Wilson Feitosa
Diretor assistente
Roderick Himeros
Assistência de direção
Rita Brandi
Fernando Filho
Consultoria artística
Onisajé
Banda
Ito Alves
Moisés Moita Mattos
Wilson Feitosa
Direção musical e trilha sonora original
João Milet Meirelles
As composições e arranjos foram construídos com a colaboração de Claudia Manzo, Ito Alves, Moisés Matos e Wilson Feitosa
Preparação vocal e assistente de direção musical
Claudia Manzo
Designer de som
Paulo Altafim
Coreografia
Marilza Oliveira
Cenografia
Cris Cortilio
Assistente de cenografia e alegorias
Rafael Torah
Cenotécnico
Ricardo García
Montagem
Magosh
Desenho de luz
Cesar Pivetti
Assistente de iluminação e programador de luz
Rodrigo Pivetti
Criação e direção de vídeo
Ciça Lucchesi
Cinegrafista
André Voulgaris
Direção de palco
Joana Pegorari
Direção de cena
Elisete Jeremias
Assistente de palco
Daniel Prata
Figurino e adereços
Kelly Siqueira
Paula Mares Ruy
Camareira
Miriam Martins
Visagismo
Polly
Yuri Tedesco
Fotógrafo
Luis Ushirobira
Assessoria imprensa
Pombo Correio
Assessoria candomblaica
Marcio Telles
Consultoria biográfica
Pablo Henrique da Silva Pinto
Pesquisa histórico-social e biográfica
Eduardo Machado
Ícaro Bittencouzrt
Georgenes Isaac
Pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFBA e do Grupo PÉ NA CENA
Assessoria jurídica
Olivieri Advogados
Produção
Camila Bevilacqua
Assistente de produção
Kauan Ramos
Coordenação geral do projeto
Fioravante Almeida
Produtora responsável
FLO Arts Produções e Entretenimento
Idealizadores
Ricardo Bittencourt
Luiz Marfuz
Maurício Magalhães
Serviço
Padre Pinto: a narrativa (re)inventada
Sesc Pompeia: R. Clélia, 93 – Água Branca, São Paulo – SP, 05042-000.
De 24 de janeiro a 23 de fevereiro de 2025
Quintas, sextas e sábados, às 20h; Domingos, às 17h
Duração: 120 minutos com 15 minutos de intervalo
Valores dos ingressos R$ 70 (inteira), R$ 35 (meia) e R$ 21 (credencial plena do Sesc)
Ingressos a venda pelo site: sescsp.org.br
Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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