★★★★☆ Crítica: O Nome do Bebê tem elenco afinado em comédia dramática de espelho desconcertante

O Nome do Bebê tem ótimas atuações de um elenco afinado em um jantar de rumos indigestos © Ronaldo Gutierrez Divulgação Blog do Arcanjo 2023

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

★★★★☆
O Nome do Bebê

Gênero preterido nos últimos anos pela parte que se considera mais intelectualizada da classe teatral paulistana, o drama burguês demonstra fôlego novo nesta retomada do teatro pós-pandemia, com obras que servem como um espelho indigesto ao público e que permitem aos atores construírem personagens ao modo stanislavskiano. O Nome do Bebê, uma comédia dramática francesa que faz parte desta retomada, tem seu ponto forte em um afinado elenco na defesa do texto de sucesso em Paris escrito por Matthieu Delaporte e Alexandre de la Patellière, que também transformaram a peça em filme em 2012. A obra apresenta dois jovens casais e um amigo em comum em um jantar que caminha para rumo intragável a partir da revelação do nome do bebê escolhido pelos futuros pais. O texto usa de uma situação cotidiana para abrir caminhos a revelações de mágoas mútuas irreconciliáveis, segredos de família inconfessos e tangenciar temas delicados como o machismo fruto de uma masculinidade tóxica, a homofobia, o etarismo e, de forma mais sutil, o racismo. É claro que os espectadores escolhem com quem se identificar entre os cinco personagens – os risos nervosos do público ou mesmo sua participação em voz alta adiantando frases do texto deixa isso evidente. O diretor Elias Andreato conduz este clima de tensão constante, o que não permite que a peça perca ritmo mesmo diante de suas quase duas horas de duração. A direção evita opinar sobre os personagens, deixando os atores livres na defesa dos mesmos, o que fazem muito bem. Para além da introdutória questão filosófica que o nome do bebê gera no quinteto, o espetáculo expõe a cotidiana opressão às quais muitas mulheres se submetem em uma vida de constante resignação diante de seus maridos que mais parecem senhores feudais. O estopim da ação é o embate entre os dois machos-alfa da peça, interpretados com entrega por Eduardo Pelizzari e Cesar Baccan, um à direita e outro à esquerda, mas cada qual igualmente tóxico em sua masculinidade exacerbada. Ao amigo músico sensível, defendido com candura por Marcelo Ullmann, e às duas esposas, interpretadas pelas excelentes Lilian Regina e Bianca Bin, só resta reagir quando há alguma brecha na violência imposta pela dupla de valentões. E é nas mulheres que habita a real força desta peça, com grandes atuações de ambas atrizes, marcadas pelas sutilezas que as tornam mais potentes que os gritos ao redor. Lilian Regina é uma adorável descoberta, fazendo sua grávida personagem, a última a entrar em cena, crescer sem freios e logo se tornar um oásis de sanidade. Bianca Bin, por sua vez, constrói com sabedoria o arco dramático de sua abnegada personagem até a explosão em seu monólogo final, de forte virada no texto — na sessão vista por este crítico, a atriz foi merecidamente aplaudida em cena aberta. O Nome do Bebê acerta ao colocar o dedo na ferida de muitos casais por aí, expondo pensamentos e modos de agir obtusos que não deveriam caber mais em nossa sociedade. E até em sua resolução, escolhida pelos autores e mantida pela direção, esta peça mantém seu caráter intrínseco de espelho que produz reflexo desconcertante.

★★★★☆
O Nome do Bebê
Avaliação: Muito Bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Informações:@onomedobebeteatro
Sesc Ipiranga – Até 20/08/2023
Teatro Faap – A partir de 12/01/2024

Editado por Miguel Arcanjo Prado

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Ed. Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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