Morre Astrud Gilberto, cantora esquecida pelo Brasil ingrato e sem memória

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Astrud Gilberto morreu aos 83 anos, deixando a música brasileira e mundial em luto. Afinal, ela era uma estrela de status global. Este Blog do Arcanjo escreveu homenagem à artista quando ela fez 80 anos e lembrou que a icônica cantora que elevou a música brasileira ao topo da música do mundo com canção Garota de Ipanema havia sido esquecida pelo Brasil ingrato.
Tanto que passou despercebido na imprensa brasileira o aniversário de 80 anos da cantora baiana, que vivia nos Estados Unidos, em 2020. Não custa lembrar que Astrud cantou a abertura da novela Laços de Família, na Globo, em 2000, ao lado de Tom Jobim e Stan Getz.
A data foi ignorada não só pelas autoridades brasileiras, como pelos grandes meios de comunicação e também pelo ambiente musical. Um absurdo (uma das raras exceções foi matéria feita pelo jornalista José Teles em Pernambuco).
Afinal, Astrud Gilberto é a voz feminina brasileira mais ouvida da história, que tornou a nossa música admirada em todo o mundo, desde que, por acaso, cantou Garota de Ipanema, composição de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, no disco Getz/Gilberto de 1964 — a aclamada parceria do saxofonista norte-americano Stan Getz e gênio baiano João Gilberto, cuja morte no ano passado não mereceu a atenção que deveria, sobretudo do governo federal.
Garota de Ipanema, cantada pelo então casal Astrud e João, é uma das canções mais executadas da história musical. Simples assim.
Leia também: Morre Zuza Homem de Mello, maior especialista da música no Brasil

Melhor amiga de adolescência de Nara Leão, Astrud, filha de uma baiana e de um alemão nascida em Salvador e que se mudou com a família ainda jovem para o Rio, fazia parte da turma da bossa nova que frequentava o famoso apartamento de Nara na av. Atlântica, em Copacabana, onde também morava.
Timidíssima, a baiana caçula de três irmãs logo virou o grande amor de outro tímido que nem ela, João Gilberto, o criador da batida inovadora e do jeito de cantar que tornaram o movimento musical surgido no Rio famoso no mundo inteiro.
Os dois se casaram em 1959 e em menos de um ano ela teve o primogênito de João, Marcelo, que também vive nos Estados Unidos atualmente.

A estreia nos palcos foi em 1960, quando Astrud tomou coragem e cantou na lendária Noite do Amor, do Sorriso e da Flor, na Faculdade de Arquitetura da UFRJ, então reduto dos jovens intelectuais amantes da bossa nova, quando do lançamento do segundo disco do então marido.
A noite produzida por Ronaldo Bôscoli foi uma verdadeira glória, com Dori Caymmi, Nara Leão, Johnny Alf, Elza Soares, Sérgio Ricardo, Nana Caymmi, Norma Bengell, Trio Irakitan e Os Cariocas, entre outros.
Mas o passo decisivo na carreira de Astrud aconteceu em 1963, quando ela acompanhou João Gilberto em sua mudança para os Estados Unidos, onde a bossa nova havia estourado.
Nas gravações do disco Getz/Gilberto tiveram a ideia de colocá-la para cantar profissionalmente em um álbum pela primeira vez. Foi um verdadeiro estouro sua voz suave junto da de João na canção brasileira mais conhecida da história e que até hoje é o cartão de visitas musical do Brasil, Garota de Ipanema.

O sucesso de Astrud não fez bem ao casamento, e ela e João se separaram meses depois da gravação do disco. Mas, mesmo tendo pavor de palco, ela seguiu uma importante carreira musical, gravando discos nos anos seguintes e sendo nome admirado pelo jazz internacional.
Astrud gravou 18 discos solo, cantando em línguas diferentes como inglês, espanhol, francês, italiano e alemão. Uma carreira tão importante foi reconhecida lá fora: em 2002, Astrud Gilberto foi incluída no International Latin Musc Hall of Fame dos Estados Unidos e há havia ganhado em 1992 o prêmio Latin Jazz USA Award for Lifetime Achievement. Ela ainda se dedica atualmente às artes plástica e à defesa dos animais.
Apesar de tamanha importância na representação da cultura brasileira no âmbito internacional, no Brasil, os 80 anos de Astrud Gilberto praticamente foram esquecidos. Agora, em sua morte, aos 83 anos, o país chora a morte de sua filha pouco valorizada e que elevou a nossa música ao topo das paradas. Se hoje existe uma Anitta é porque antes existiu Astrud Gilberto.
Editado por Miguel Arcanjo Prado
Siga @miguel.arcanjo
Ouça Arcanjo Pod
Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Ed. Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
© Blog do Arcanjo por Miguel Arcanjo Prado | Todos os direitos reservados.