★★★★ Crítica: Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina mostra atualidade do clássico de Ben Jonson com a Bendita Trupe

Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina apresenta comédia clássica inglesa no Teatro Arthur Azevedo, na Mooca, em SP, com entrada grátis – Foto: Rafa Marques © Blog do Arcanjo 2023

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina ★★★★
Avaliação: Muito Bom

Por mais que haja evoluções no comportamento humano, a essência da espécie nunca muda. Sobretudo, quando o assunto é insaciável ganância. E isso fica evidente quando assistimos à montagem de Volpone, um texto escrito há 500 anos e que, infelizmente, permanece mais atual do que nunca, sobretudo no Brasil de horror dos últimos tempos.

A Bendita Trupe retoma a obra icônica de um dos grandes dramaturgos do teatro mundial, o inglês Ben Jonson (1532-1637), contemporâneo de William Shakespeare que não teve a mesma consagração do colega, apesar de ser muito cultuado e montado no Reino Unido e possuir uma obra potente.

Na realidade, trata-se de uma nova proposta de encenação para esta “comédia da morte”, como definiu o crítico Décio de Almeida Prado (1917-2000). Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina é uma montagem inédita dirigida por Johana Albuquerque, que revisita a obra que deu fôlego novo à companhia em tempos tenebrosos.

Mauricio de Barros e Ester Laccava em Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina – Foto: Rafa Marques © Blog do Arcanjo 2023

O texto foi encenado pela Bendita Trupe durante a pandemia, em 2020, no estacionamento do Teatro Arthur Azevedo, no espetáculo Protocolo Volpone – Um Clássico em Tempos Pandêmicos, peça já histórica pelo pioneirismo na resistência do teatro em meio àquele cenário de horripilantes incertezas. Naquele momento, a peça celebrou as duas décadas de atividade da companhia e rendeu, merecidamente, indicação ao Prêmio APCA de Melhor Espetáculo.

Agora, a obra está de volta para reencontrar, sem máscaras, o calor do público, com os atores livres, leves e soltos no palco.

O objetivo é narrar de modo farsesco a história de um golpista de Veneza chamado Volpone, defendido com bravura por Daniel Alvim, que finge estar à beira da morte. Com a ajuda de seu servo, Mosca, interpretado pelo ágil Mauricio de Barros, tenta dar golpes nos amigos da elite veneziana para conquistar ainda mais dinheiro.

Daniel Alvim em Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina – Foto: Rafa Marques © Blog do Arcanjo 2023

Ao revisitar esta comédia clássica, a Bendita Trupe faz uma encenação que remete às companhias teatrais brasileiras de meados do século 20, que conseguiam transpor os textos clássicos ao coração do público. É importante este papel de resgate da memória de nosso teatro, sobretudo em tempos tão fugazes e desmemoriados.

A montagem, merecidamente, presta tributo ao TBC, o Teatro Brasileiro de Comédia, que montou Volpone em 1953 sob direção de Ziembinski, quando recebeu a já mencionada crítica de Décio de Almeida Prado, um dos fundadores da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual este crítico que vos escreve é membro e foi vice-presidente, posto também ocupado pelo Prado do passado.

O grande desafio da encenação de 2023 é fazer o texto de época conversar com o aqui e agora. E Johana Albuquerque consegue esta construção, com a ajuda dos “cacos” do elenco, que atualizam o texto e até mesmo algumas quebras na quarta parede, como ensinou Bertolt Brecht (1898-1956).

Daniel Alvim e Joca Andreazza em Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina – Foto: Rafa Marques © Blog do Arcanjo 2023

Claro que a avareza e cobiça humana, que continuam firmes e fortes, sobretudo naqueles que estão nas esferas do poder, garantem esta comunicação imediata, já que o público reconhece imediatamente tais comportamentos e logo associa os mesmos às referências de hoje.

Para que uma comédia funcione em sua potência máxima, é fundamental que os atores em cena consigam aquele tom matemático que este tipo de espetáculo pede, sem cair no perigoso caminho do histrionismo gratuito e antinatural. Ser um pouco de ator-vedete neste tipo de peça não faz mal, muito pelo contrário, costuma ser excelente qualidade. E, claro, não se pode subestimar a inteligência do espectador.

Sendo assim, este crítico prefere os momentos do espetáculo em que os atores confiam mais no texto e atuam de forma mais natural e menos empostada, deixando aquela declamação que se associou a este tipo de teatro de lado.

Ester Laccava em Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina – Foto: Rafa Marques © Blog do Arcanjo 2023

Quem mais se destaca no elenco, justamente por possuir essa deliciosa naturalidade, é Ester Laccava, atriz com farto carisma cênico e excelente tempo para a comédia. Ester garante ao público boa parte das gargalhadas.

Ao seu lado estão nomes importantes dos palcos paulistanos, como Fernanda D’Umbra, Joca Andreazza,  Luciano Gatti, Pedro Birenbaum, Vanderlei Bernardino e Sergio Pardal.

Daniel Alvim e Cris Lozano em Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina – Foto: Rafa Marques © Blog do Arcanjo 2023

Algumas questões abordadas pelo espetáculo, sobretudo em relação às mulheres, como a delicada cena de estupro dividida pelas atrizes Cris Lozano e Vera Bonilha, que se alternam na mesma personagem, ganham novas possibilidades de leituras, que dialogam com a luta feminista e o silenciamento das mulheres, tão denunciado nos dias de hoje, transformando o que era riso em denso drama, o que confere peso à montagem.

Mesmo sabendo que esta encenação utiliza a versão de Volpone mais enxuta do austríaco Stefan Zweig (1881-1942) dos anos 1920, adaptada por Marcos Daud, este crítico intui que uma leve enxugada no tempo de duração do espetáculo faria com que o mesmo ganhasse mais ritmo e conquistasse ainda mais o coração do público.

Para não deixar de fora o time criativo, o cenógrafo Julio Dojcsar apresenta uma cenografia multifascetada, que ambienta de forma simples e eficaz as cenas com adereços perspicazes, enquanto que a figurinista Silvana Marcondes impõe um diálogo no tempo, que é enriquecido pelo visagismo de Leopoldo Pacheco, artista dos palcos que se destaca também nos bastidores. A obra ainda tem direção musical Pedro Birenbaum, que contribui com o ritmo da peça — no começo, o elenco até canta de forma brechtiana. Por fim, a iluminação de Wagner Pinto traduz sentimentos que as cenas constroem, mas poderia ganhar ainda mais potência se fosse mais recortada e menos aberta em determinados momentos. Ainda estão no time criativo Cacá Toledo na atenta assistência de direção e Gustavo Sanna na dedicada produção.

Volpone, a Raposa e as Aves de Rapina faz o público entrar em contato com um clássico do teatro, oferecendo uma teatralidade típica da farsa para colocar as cabeças para refletirem sobre os limites da ganância e da ética humana, ensinando-nos que quem se acha espertinho demais acaba sendo passado para trás. E fazer o público pensar, em tempos tão bitolados, é das missões mais nobres do humor e do teatro como um todo.

Por fim, este crítico reitera que Volpone realiza temporada gratuita no Teatro Arthur Azevedo, na Mooca, em São Paulo, até 2 de abril, de quinta a sábado, 21h, e domingo, 19h. E o melhor: com entrada gratuita e ingressos retirados na bilheteria uma hora antes de cada uma das 16 sessões programadas. A peça é fomentada pelo ProAC ICMS Direto do Governo do Estado de São Paulo e tem também parceria com Prefeitura de São Paulo, o que possibilitou sua realização. Não deixe de prestigiar e se aventurar no passado que é a cara do presente.

Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina ★★★★
Avaliação: Muito Bom

Crítica por Miguel Arcanjo Prado

Volpone: elenco abre o camarim para o Blog do Arcanjo

Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina, com Bendita Trupe

Temporada: 9 de março a 2 de abril, de quintas a sábados, às 21h, e aos domingos, às 19h
Teatro Arthur Azevedo – Avenida Paes de Barros, 955 – Alto da Mooca, São Paulo
Ingressos: Grátis, distribuídos 1h antes do espetáculo
Debates: 12, 19, 26 de março e 2 de abril, após a apresentação
Duração: 100 minutos
Classificação: 12 anos
Capacidade: 349 lugares
Acessibilidade: Teatro acessível a pessoas com mobilidade reduzida

Blog do Arcanjo mostra imagens da peça Volpone, A Raposa e as Aves de Rapina pelo olhar do fotógrafo Rafa Marques

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Jornalista cultural influente e respeitado no Brasil, Miguel Arcanjo Prado é CEO do Blog do Arcanjo, fundado em 2012, e do Prêmio Arcanjo, desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Coordena a Extensão Cultural da SP Escola de Teatro e apresenta o Arcanjo Pod. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, R7, Record News, Folha, Abril, Huffpost Brasil, Notícias da TV, Contigo, Superinteressante, Band, CBN, Gazeta, UOL, UMA, OFuxico, Rede TV!, Rede Brasil, Versatille, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra o júri de Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de São Paulo, Prêmio Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil de Curtas. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação Nacional ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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