Léo Kildare Louback – Nude que te quero nude

(ou Beautifulcracia: do privilégio de ser maravilhosa)

Por Léo Kildare Louback*

Há um tempo, motivado por meu boy, estou fazendo um experimento de Instagram de postear fotos pornofashion, com a única intenção de conseguir mais seguidores. Com minhas fotos de trabalhos artísticos, nunca consegui ter muita repercussão e isso me preocupava, primeiro pelo meu ego de Tieta ferido e também porque minha produção artística nunca alcançaria muita gente. E foi dito e feito.

Com as fotos do meu amor, comecei a série Quarentena e em pouco tempo já tive uns mil seguidores novos, ansiosas pela próxima foto Emanuelle. Automaticamente, voltei com as fotos de arte e elas também tiveram mais repercussão. E o mais maravilhoso foi que várias amigas me escreveram, dizendo que minhas fotos caseiras estilo Engraçadinha as inspiraram a fazer o mesmo.

Tenho uma amiga médica que me escreveu dizendo que se eu podia postar esse tipo de foto, ela também podia. Claro, eu disse. Arrasa, gata. E lá foi ela. Já vem postando coisas sexy para a tradicional família brasileira há um tempo e se sente maravilhosa.

E me veio, então, uma elucidação escândalo: a beautifulcracia (chocada com meu neologismo de domingo) é tão poderosa e vazia como a própria meritocracia. Não pode ser que seja tão difícil entender que onde você nasce, o sobrenome que tem, vai influenciar em tudo no seu futuro. Mas, se tá difícil, sugiro a todas que, quando caiam nessa polêmica eterna, argumentem, usando a beautifulcracia para elucidar.

Poucas perguntas bastam para encerrar a discussão: você nasceu “bem”? Sim, então você é privilegiada. Você é maravilhosa, digo de cara ou corpo mesmo, tipo linda? Sim? Então você também é privilegiada. Você tem culpa de ter nascida rica? NÃO! Você tem culpa de ser deusa? NÃO! Porque não é de culpa, de “mérito” que estamos falando. É de ter certas facilidades na vida comparadas com o coleguinha do lado. É nada mais nada menos que ter consciência que vivemos em uma mundo do consumo, onde somos as que consomem e as que são consumidas. E quanto mais condições temos de comprar ou ser “compradas”, mais “sucesso” vamos ter na vida.

Ser “feia” ou não, assim como ser rica ou pobre, determina toda uma vida. Eu nasci bem na sarjeta, não era lá essas coisas, mas graças a Iemanjá me tornei uma cópia mal feita da Rodrigo Santoro, e isso me favorece muito. A beleza vale tanto no mundo como um berço de ouro. Se você tem os dois, é bafo na certa, caso contrário, te desejo sorte e muito borogodó, porque o mundo para as que são menos Grazi Massafera e mais Tatá Werneck é pesado. Força na peruca, amigas.

Tudo isso que eu falei é isso mesmo, mas graças a deus existem filtros, faceapp, corretores de selfie, para, nem que seja como as ricas que fingem ter lutado pra conquistar a vida, as menos maravilhosas fingem que são maravilhosas e tá tudo certo. O importante é ter consciência do caso, para não ficar dando de burra na net e sambar na cara da sociedade que ainda argumenta que pra ter sucesso na vida é preciso só se esforçar. Sabe de nada, inocente.

*Léo Kildare Louback escreve todo mês uma crônica a convite do Blog do Arcanjo. Este artigo não reflete, necessariamente, as ideias nem opiniões do veículo.

*Léo Kildare Louback é multiartista, professor e tradutor de alemão formado pela UFMG com intercâmbio em Hamburgo, na Alemanha. Mineiro de Contagem, vive em Buenos Aires. Participou de festivais no Brasil, Argentina, México e Cuba. Em 2013, ganhou o prêmio Marcelo Castillo Avellar do Palácio das Artes, com o projeto Como Matar a Mãe – 3 Atos, da Sofisticada Companhia. Artista colaborador do centro cultural Feliza Arco Íris, atuou nas peças argentinas Au Revoir, Papá (texto próprio com direção de Natalia Casielles), Chancha Coraje (texto e direção de Pato Ruiz), Troyanas Is Burning e Las Destroyers (de Charlee Espinosa) e Clavemos El Visto (de Ezequiel Hara Duque e Joni Camiser). No cinema, esteve nos filmes Trago Seu Amor, de Dellani Lima, Não Há Cadeiras, de Pedro di Lorenzo, Breve História do Planeta Verde, de Santiago Loza (Prêmio Teddy no Festival de Berlim 2019) e em Fucking Selfie, de Charlee Espinosa. Em 2016, publicou o livro Sobre Voo ou a Literatura Nasce com a Morte de um Pássaro, pela Editora Scriptum. @loubackl

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Miguel Arcanjo Prado é jornalista, mestre em Artes pela UNESP, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA-USP e bacharel em Comunicação Social pela UFMG. Eleito três vezes pelo Prêmio Comunique-se um dos melhores jornalistas de Cultura do Brasil. Nascido em Belo Horizonte, vive em São Paulo desde 2007. É crítico da APCA, da qual foi vice-presidente. Passou por Globo, Record, Folha, Contigo, Editora Abril, Gazeta, Band, Rede TV e UOL, entre outros. Desde 2012, faz o Blog do Arcanjo, referência no jornalismo cultural. Em 2019 criou o Prêmio Arcanjo de Cultura no Theatro Municipal de SP. Em 2020, passou a ser Coordenador de Extensão Cultural e Projetos Especiais da SP Escola de Teatro e começou o Podcast do Arcanjo em parceria com a OLA Podcasts. Foto: Bob Sousa.

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