Crítica: Entrevista com Phedra faz fábula da vida ordinária

Entrevista com Phedra – Foto: Felipe Margarido – Blog do @miguel.arcanjo

Por José Simões
Crítico convidado*
Fotos Bob Sousa

O sorocabano Robson Catalunha e o argentino Juan Manuel Tellategui assinam a direção do espetáculo “Entrevista com Phera”, de Miguel Arcanjo, em cartaz às segundas-feiras, no Espaço dos Satyros, na cidade de São Paulo. Na sinopse do programa da peça temos:

“Na peça, baseada em fatos reais, a grande diva cubana do Satyros e do teatro brasileiro, Phedra D. Córdoba, recebe o jornalista Miguel Arcanjo em seu lendário apartamento na praça Roosevelt, onde vive com o gato Primo Bianco, para uma inesquecível entrevista sobre sua trajetória nos palcos da América Latina.”

Me assusto quando leio nas sinopses palavras como: grande, lendário, inesquecível ou outros superlativos. Um espetáculo teatral é uma obra para além da recepção ou percepção específica de um grupo ou de um dado conjunto de opiniões específicas, deve dialogar com as mais diferentes níveis de percepção e recepção.

Teatro para mim é comunicação. Troca. É bem verdade, que a afirmação pode provocar uma boa discussão teórica. Há aqueles que argumentam que o teatro não é um processo comunicacional. Mas esse é outro assunto.

Os elementos que estão no “antes” do espetáculo como fotos, programas, etc, são importantes para dar pistas ao espectador acerca do que será vivido. Aguçam o imaginário.

Logo nas primeiras cenas a atriz Márcia Dailyn, que interpreta Phedra, nos mostra que não é necessário que você conheça a história real, para vivenciar a fábula que será desenhada na peça.

Ao longo do espetáculo se compreende que Phedra fez opções e, como se diz no popular ” pagou à vista” por elas. Não há nenhum romantismo nisso. Phedra nasceu em Cuba, homem. Enfrentou preconceitos e viajou pelo mundo. Chegou ao Brasil e, aqui, nasceu Phedra D. Córdoba. Sua carreira foi do ápice às dificuldades. Nesse percurso se encontrou com a Cia. de Teatro Satyros, na praça Roosevelt, e se reinventou com eles, naquele espaço, naquele palco. Uma artista carregada de histórias, de humor e de riscos.

Os atores Márcia Dailyn (Phedra D. Córdoba) e Raphael Garcia (Miguel Arcanjo) constroem personagens com identidade próprias. Não são caricaturas do real. Tem espessura, coerência gestual e o devido distanciamento para não cair na armadilha da imitação do real. É tênue esta linha. Por vezes, ao longo da peça, algo escapa e a memória do real quer surgir em cena, principalmente, no excesso.

A encenação de Robson Catalunha e Juan Manuel Tellategui é delicada, poética e feita em camadas, com apoio na iluminação, e centrada na presença e no trabalho dos atores.

A proposta das personagens de modo não mimético ao real é o que potencializa a fábula para o espectador. Permite que se entre na história e dialogue com ela, a partir do seu repertório, construindo a personagem Phedra.

O jogo proposto pela direção entre os atores tem ritmo e boas soluções que instigam o espectador a querer saber mais. Alguns senões estão relacionados muitas vezes à necessidade de se reafirmar que a “história é verdadeira”. Isso, por vezes, fragiliza o ritmo da encenação. Há, também, a questão do final do espetáculo que confunde o espectador numa sequencia semelhantes de ações.

Miguel Arcanjo tomou como ponto de partida para a escrita dramatúrgica a sua experiência – uma entrevista – e a partir daí construiu um texto de modo fabular, distanciando-se do relato memorial, com boas cenas e diálogos ágeis, deixando à mostra o comportamento e as várias facetas de Phedra: egoísmo, ingenuidade, vaidade, entre muitas outras. O viver lancinante e permeado de excessos de muitos artistas.

Miguel Arcanjo fez fábula da vida ordinária. Nos conta a história de uma pessoa que enfrentou a vida de peito aberto, apostou e viveu amores e as dores das suas escolhas. Não fez drama. Fez teatro.

É certo que o espetáculo, para as pessoas que conheceram ou conviveram com Phedra, potencializa outras referencias, afetos e inclusive reações “distintas” durante a apresentação. É visível a emoção diferenciada destas pessoas ao final do espetáculo.

Todavia, ao meu lado, estavam sentados três jovens que sequer sabiam quem foi “a grande, inesquecível e lendária” Phedra, nem mesmo frequentam a Praça Roosevelt. A conversa com eles após o espetáculo foi reveladora em muitos sentidos. A ausência das referências potencializou outras leituras. Em cena personagens e conflitos universais.

A tragédia e a sátira são irmãs e estão sempre de acordo; consideradas ao mesmo tempo recebem o nome de verdade.– Fiodor Dostoievski 

Ao terminar o espetáculo (para aqueles que não conhecem Phedra) fica a vontade de conhecer, de saber mais acerca da vida de Phedra D. Córdoba.

Essa talvez tenha sido esta a homenagem que Robson Catalunha e Miguel Arcanjo, amigos de Phedra, tenham conseguido colocar em cena – a sedução da curiosidade. É bonito.

Vale a pena ir ao Satyros e conferir este trabalho.

*Jose Simões de Almeida Junior é doutor em Artes pela USP, mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduado em Artes Cênicas pela Unicamp e pós-doutor em Sociologia do Teatro pela Universidade de Coimbra, em Portugal. Professor e pesquisador das relações entre teatro, cidade e espaço. Atualmente, escreve no coletivo Terceira Margem, no qual esta crítica foi publicada originalmente.

Entrevista com Phedra
Temporada: Segundas, às 21h. De 8/7 a 2/9/2019*
Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$20 (meia entrada)
Duração: 50 minutos
Classificação etária: 14 anos
*Excepcionalmente, não haverá sessão no dia 26/8.

Ficha técnica:
Texto: Miguel Arcanjo Prado.
Direção: Juan Manuel Tellategui e Robson Catalunha.
Elenco: Márcia Dailyn (Phedra D. Córdoba) e Raphael Garcia (Miguel Arcanjo).
Direção de produção: Gustavo Ferreira.
Realização: Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez – Os Satyros.
Figurino e visagismo: Walério Araújo.
Cenografia: Robson Catalunha.
Iluminação: Diego Ribeiro e Rodolfo García Vázquez.
Sonoplastia: Juan Manuel Tellategui.
Arte visual: Henrique Mello.
Cenotécnico: Carlos Orelha.
Acessórios: Lavish by Tricia Milaneze.
Perucas: Divina Núbia.
Castanholas: Sissy Girl e Bene Reis.
Palco dos Bonecos: Luís Maurício.
Fotografia: Annelize Tozetto, Bob Sousa, Bruno Poletti, Edson Lopes Jr. e Felipe Margarido.
Vídeo: Andradina Azevedo e Dida Andrade.
Operação de som: Dennys Leite.
Operação de luz: Laysa Alencar.
Assistente de produção: Elisa Barboza.
Assessoria de imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes.
Apoio: A Casa do Porco Bar, Bar da Dona Onça e Hot Pork – Janaina Rueda e Jefferson Rueda; Frango com Tudo, Rede Biroska – Lilian Gonçalves, Consulado de Cuba/SP, Consulado da Argentina/SP e Translúdica.

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