“Vejo com muita dor”, diz atriz uruguaia Gabriela Iribarren do Brasil atual

A atriz uruguaia Gabriela Iribarren, destaque do Festival Mirada com a peça “Lítost, la Frustración” – Foto: Mauro Martella – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

A atriz uruguaia Gabriela Iribarren foi um dos destaques da quinta edição do Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, que chega ao fim neste sábado (15).

Grande estrela do teatro de nosso país vizinho, ao lado de Jimena Vázquez e Santiago Duarte ela apresentou a peça “Lítost, la Frustración”, sob direção de Jimena Márquez, também autora do texto.

No espetáculo encenado com sucesso no Arcos do Valongo, na região portuária de Santos, no litoral paulista, Gabriela dá vida a uma cruel e frustrada mãe de dois filhos, em um potente drama familiar.

Assim que acabou a última sessão, a estrela uruguaia recebeu o Blog do Arcanjo no UOL para esta entrevista exclusiva.

Falou da peça, do teatro em seu país e de como enxerga a atual situação política brasileira às vésperas de uma fatídica eleição: “Vejo o cenário do Brasil atual com muita dor”, afirmou, para depois completar: “Há que resistir”.

Leia com toda a calma do mundo.

Os atores uruguaios Jimena Vázquez, Gabriela Iribarren e Santiago Duarte em cena da peça “Lítost, la Frustración”, um dos destaques do Mirada 2018 em Santos – Foto: Mauro Martella – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Miguel Arcanjo Prado – Como foi participar do Mirada?
Gabriela Iribarren – A verdade é que sempre sair de seu país com teatro e vir a outros países, ainda mais neste caso, que o Brasil é um país irmão do Uruguai, é emocionante. Já estamos viajando com “Lítost” há três anos. Posso te dizer que o público brasileiro nos recebe com muita abertura. É um público muito inteligente e expressivo. É um prazer vir pra cá, mas esta não é a primeira vez que venho ao Brasil.

Miguel Arcanjo Prado – Onde mais esteve?
Gabriela Iribarren – Por muitos anos fui ao Festival Porto Alegre Encena. Agora, terminamos de apresentar “Simone, Mujer Partida” no Filte, o Festival Internacional Latino-Americano de Teatro da Bahia, que é uma peça sobre Simone de Beauvoir que fez muito sucesso em Montevidéu.

Miguel Arcanjo Prado – Você incorpora muito bem na peça a figura materna perversa. O que vocês querem discutir?
Gabriela Iribarren – Queremos mostrar a infelicidade da miséria. Isto é, as famílias disfuncionais não surgem do nada. Neste caso, minha personagem surge de uma vida de prostituição, cheia de carências e frustrações, que inconscientemente essa mulher descarrega nos filhos, e isso tem consequências que levam à criminalidade na história. O que a peça mostra desde minha personagem é o que pode gerar a frustração em uma pessoa, e o que se passa quando essa pessoa tem “lítost”, isto é, é consciente desse estado de tormenta criado pela visão repetida da própria miséria. Então há três planos ficcionais: a mãe viva, a mãe morta e a atriz que conta e faz nexo para que o público entenda a história em um jogo metateatral. O texto brilhante joga com a linguagem, que é um tema que me interessa.

Gabriela Iribarren em cena – Foto: Mauro Martella – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Miguel Arcanjo Prado – Por quê?
Gabriela Iribarren – Porque a linguagem de certa maneira fala de todos os mecanismos neuronais que temos em nosso pensamento e essa é uma obra que é atravessada por um humor negro que a torna mais leve. E também a poesia de movimento, que vem desde a dança e as belezas de palavras que não têm tradução para outro idioma.

Miguel Arcanjo Prado – Como é estar no Brasil às vésperas de uma eleição tão importante para o país e ao mesmo tempo tão tumultuada?
Gabriela Iribarren – Vejo esse cenário atual com muita dor. Porque além de ser uma artista também sou uma mulher, militante feminista de esquerda. Então, me dá muita dor o que está se passando com a América Latina, sobretudo no Brasil e na Argentina, que são nossos países irmãos. Eu sempre confio no movimento social e penso que o trabalho nele é fundamental, agora mais do que nunca, de certa maneira para tentar levar esta crise política, moral e ideológica com a maior dignidade que o povo brasileiro merece.

Miguel Arcanjo Prado – Você crê que o futuro possa ser melhor do que este que se desenha?
Gabriela Iribarren – Bem, depende de poder contrastar essas políticas neoliberais de extrema direita com a unidade do povo, com a cultura e com a educação. E com o afeto também, o afeto, o carinho entre o povo, entre as pessoas. E eu creio que sim. São ciclos na história. E nos está tocando agora um ciclo muito duro. Em que primeiro há que resistir, para logo reverter.

Miguel Arcanjo Prado – Há muitos brasileiros que diante desse cenário dizem que vão viver no Uruguai. O que o Uruguai tem que se tornou sonho de consumo de muitos brasileiros?
Gabriela Iribarren – Meu país, por ser tão pequeno, tem uma virtude e uma desvantagem. A desvantagem de estar dependendo das potências como Brasil e Argentina. Mas também se levou adiante uma política econômica que nos permitiu de passar de uma dívida dependente a uma dívida autônoma. Isso foi muito importante no nível macroeconômico. Foi o que nos permitiu aguentar essas crises fortes. E também muito se ganhou no Uruguai nos últimos 15 anos. Eu sou crítica ao governo, não vou dizer que sou oficialista, mas, sim, houve muitos ganhos na agenda de direitos com o matrimônio igualitário, a legalização do aborto, a legalização da maconha, as políticas sociais para a população em situação de emergência, a lei trans, isso faz com que sejamos hoje mais abertos e civilizados. Tampouco há que se idealizar o Uruguai. Ainda há que combater a pobreza que ainda existe e ainda temos muito que fazer. Por agora, nos mantemos salvos, mas não sabemos se nos vais arrastar todo esse movimento. Mas aí estaremos resistindo, irmãos dos povos irmãos.

Miguel Arcanjo Prado – Como você analisa a atual cena teatral uruguaia?
Gabriela Iribarren – Eu me sinto muito orgulhosa do teatro uruguaio. Porque ele tem uma longa e profunda tradição. É um grande teatro. Eu viajei e vi o teatro do mundo e digo, com muita humildade, que o teatro uruguaio é de extrema qualidade, fruto do esforço dos artistas, que construíram um teatro independente muito forte e poderoso. Buscando novas linguagens, abarcando um teatro ideológico, político. Claro que ao teatro uruguaio faltam recursos econômicos, mas não artísticos. Nisso estamos bem. Queríamos ter mais leis, dinheiro e possibilidades de produzir. Hoje, Montevidéu tem uma agenda teatral de 200 espetáculos em cartaz. De teatro jovem a teatro convencional, do clássico a novas linguagens. Há um movimento poderoso de atores, atrizes e, mais recentemente, de autores, que colocam o Uruguai no primeiro nível teatral. Tenho muito orgulho.

Por Miguel Arcanjo Prado*
Enviado especial a Santos (SP)

*O colunista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do Mirada e do Sesc São Paulo.

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