Crítica: Público torce por patroa negra contra empregadas brancas em As Criadas

Denise Assunção, Bete Coelho e Magali Biff em “As Criadas”: patroa negra rouba a cena e conquista torcida do público – Foto: Jorge Etecheber

Por Miguel Arcanjo Prado

Foi preciso um diretor polonês, Radoslaw Rychcik, para que uma patroa pudesse ser interpretada nos palcos paulistanos por uma atriz negra, em uma lição que deveria ser refletida pelos diretores, dramaturgos e produtores teatrais brasileiros.

Em “As Criadas”, a cantora e atriz negra Denise Assunção rouba a cena no espetáculo desde sua entrada arrebatadora, cantando “O Morro Não Tem Vez”, até o momento em que vive embate direto com as duas criadas, interpretadas por Magali Biff e Bete Coelho, atrizes brancas consagradas do teatro paulistano.

Enquanto Magali e Bete fazem construções impecáveis, mas presas ao registro de “grandes atrizes”, Denise oferece ao público uma atuação debochada e musicalizada, que flui na cadência da sensível trilha executada ao vivo pela banda Natural Born Chillers.

Retrato do Bob: Denise Assunção rouba a cena em “As Criadas”

Debaixo da iluminação propositiva de Caetano Vilela e dos telões que ressignificam o embate com o flerte com a linguagem cinematográfica, o público assiste às conjecturas das criadas sobre a patroa que as oprime, a quem planejam envenenar.

Contudo, o fato de o produtor Ricardo Muniz Fernandes e o diretor polonês escalarem uma atriz negra para o papel da patroa gera uma verdadeira revolução no texto clássico do francês Jean Genet (1910-1986), deslocando seu eixo do conflito social para o racial.

Viviane Angélica Pistache: “As Criadas” causa terremoto em nossa relações raciais

Assim, em vez de torcer pelas criadas oprimidas, o público torce para a Madame opressora, agarrada com unhas e dentes por Denise Assunção.

A presença de Denise Assunção como patroa, eclipsando tudo ao seu redor, torna-se uma espécie de desforra histórica, sobretudo no Brasil racista onde uma elite branca inventa uma falsa meritocracia para justificar sua posição social sustentada às custas de muito suor e sofrimento negro.

“As Criadas” ✪✪✪✪
Avaliação: Muito bom
Quando: Sábado, 21h, domingo, 18h. 80 min. Até 13/8/2017
Onde: Sesc Santana (av. Luiz Dumont Villares, 579, metrô Jardim São Paulo, Santana, São Paulo, tel. 11 2971-8700)
Quanto: R$ 9 a R$ 30
Classificação etária: 16 anos


Siga Miguel Arcanjo Prado no Facebook, no Twitter e no Instagram.

Please follow and like us: