Opinião: Caso Claudio Botelho ou o quão covardes são os racistas, por Luiza Gannibal
Por LUIZA GANNIBAL
Jornalista, afrofuturista e doutoranda em Literatura e Cultura Russa na USP (Universidade de São Paulo)
O episódio “Claudio Botelho” e seu pedido de desculpas deixou uma coisa – que todos nós pretos já sabíamos, aliás – bastante evidente: o branco morre de medo de ser chamado de racista.
Ele não aceita essa pecha. Você pode dizer o que for pro sujeito, mas chamá-lo de racista não, jamais, ele não é, em hipótese alguma.
E, pra se safar dessa “encrenca”, ele vai fazer de tudo: pedir ajuda dos coleguinhas (ainda mais racistas), sugerir uma história cabulosa, dizer que não disse “negro”, imagine, que disse foi “nêgo”, referindo-se a “uma pessoa qualquer”.
Ou, no mais provável dos cenários, vai tergiversar, tentar despistá-lo, reivindicar que estão tratando-o como bode expiatório, porque ele não pode pagar por todos os males do mundo; ou fazer-se de sonso e pobre coitado, como se você estivesse atentando contra sua honra e ofendendo-o no mais íntimo de seu ser.
Não branco. Não. Não há problema nenhum em assumir-se racista. Mesmo por que você não está sozinho nessa. Tem racista a dar com pau por aí. A sociedade é racista, o racismo a estrutura, forma seus pilares, e os que mais perdem com isso somos nós, pretos.
É preciso que se entenda, de uma vez por todas, que assumir-se e reconhecer-se racista (por mais que isso doa, e é preciso doer) é das posturas mais verdadeiras que podemos testemunhar atualmente.
O branco nos ofende muito mais quando diz que não é racista, após um fato consumado (ou dezenas de fatos e situações), do que quando simplesmente assume seu racismo – com o adendo de que deseja mudar.
Porque só se assumindo racista que o sujeito pode começar a vislumbrar um horizonte de mudanças rumo a uma sociedade menos racista ou, o que me parece um tanto utópico, uma sociedade onde o racismo inexista. Não há outro meio. Fica a dica.
PS: Okay. Você não precisa assumir em público. Mas, pelo menos, assuma pra si mesmo. Já é um avanço.
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Nota de Repúdio à conduta do ator e diretor Cláudio Botelho no espetáculo “Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 minutos”.
Durante muitos anos em nosso país, nós, artistas, militantes, profissionais da comunicação e outras pessoas buscamos pelo exercício da liberdade de expressão, estando à frente de tal empreitada. Não queremos dar um passo atrás quanto a isso, assim como não daremos um passo atrás contra o racismo, o machismo, a homofobia e tantas outras violações.
Um artista que usa seu trabalho como plataforma política, num momento de grande delicadeza pela qual passa o país, está alienado e indiferente quanto ao seu tempo. Quem ouve, gosta e sabe da história de Chico Buarque, provavelmente pode demonstrar um posicionamento crítico em relação ao atual governo – diferentemente de Cláudio Botelho, cidadão da cultura que demonstrou ignorância em sua pretensa tentativa de protesto.
Fato é que a plateia compreendeu que o ator mencionado não estava fazendo uma crítica ao governo, mas utilizando-se do espaço artístico fazendo coro à um golpe contra a institucionalidade democrática. Igualmente insatisfeitos estamos com a atual gestão, porém temos a decência de defender a democracia como pilar fundamental para exercício da nossa cidadania e defesa de nossos direitos – inclusive, o livre direito de expressão.
Enquanto pessoa e fora do seu personagem, Botelho incitou a plateia ao ódio – e com ódio foi correspondido. O que nos deixa perplexos diga-se de passagem, além do episódio ocorrido no palco, o que se sucedeu-se nas coxias do Sesc Palladium. Em um momento de fúria, o ator vociferou que “O artista no palco é um rei! Não pode ser peitado! Não pode ser interrompido por um nego, por um filho da puta!”.
A quem foi direcionado esse xingamento? O pensamento impregnado por palavras, atos e atitudes racistas está naturalizado, quando se usa o termo “nego” com conotação negativa, discrimina-se toda uma população considerada marginal, simplesmente por ser negra. Como nos revela Leda Maria Martins, “na construção dos saberes e das verdades que legitimam e veiculam preconceitos raciais, étnicos, de gênero, dentre outros, a linguagem verbal desempenha um papel ímpar. O uso do signo linguístico constitui uma das formas mais perversas de segregação e controle”.
O uso de tal termo num xingamento não foi meramente casual, entendemos porque o rechaço à sua intervenção no palco incomodou tanto: o branco, ator, em seu lugar de privilégio, não suportou o fato de ser questionado e interrompido por um negro? Tratado pelo mesmo como “nego”, afim de inferiorizá-lo através do discurso.
Nós do Coletivo Pretxs em Movimento, estamos mobilizados na luta permanente contra a secular e constante naturalização das opressões e violências direcionadas aos povos negros e que mantém o racismo estruturado na sociedade desigual, que é o Brasil. O combate a corrupção é essencial e que seja feito de acordo com a constituição zelando pelas garantias que não afrontem a soberania nacional em consolidação que caminha junto a expansão das acoes afirmativas no país.
Belo Horizonte, 22 de março de 2016.
Grupo Pretxs em Movimento
pretxs.em.movimento@gmail.com
um linguista pode desmentir facilmente essa versão do diretor. “Nêgo” como esse significado de “uma pessoa qualquer” nunca é empregado dessa forma em uma frase , isto é, como um agente da passiva. Seria possível em uma construção diferente, por exemplo “ai vem Nêgo querer enfrentar o ator” . ainda assim, nunca será precedido por um artigo, como o diretor usou. em “um negro ( ou nêgo, segundo sua verão)”. portanto, quando ele diz que “o ator não pode ser enfrentado por um negro”, mesmo ele dizendo que negro=nêgo, sabemos que ele se referiu a uma pessoa de pele negra, e não a um fulano qualquer.
Eu fiquei e continuo injuriada com a gravação. Eu ouvi negro e senti o tom pejorativo; além de negra sou petista e não sou bandida, também sou contra o golpe facista contra a Dilma que não cometeu nenhum crime. Não acredito nas desculpas desse senhor, porque é nessas horas de raiva que as pessoas mostram o que pensam de verdade. Tenho mais de 60 anos e já estou cansada de racistas e fascitas, mas vou, mais uma vez, juntar minhas forças para combatê-los: não vai ter golpe!