Mirada faz Pelé e Neymar dividirem reinado com teatro em Santos; 70 mil viram peças do festival
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Enviado especial do R7 a Santos
A terra que revelou Pelé e Neymar para o mundo virou também palco do teatro ibero-americano no Brasil. Buscar a integração maior entre o teatro brasileiro e o de outros países latino-americanos, além de Espanha e Portugal, é o chamariz do Mirada, cujo nome já deixa clara a ideia de um olhar contínuo.
A terceira edição do Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos chega ao fim neste sábado (13) tendo apresentado 40 espetáculos na Baixada Santista, dos quais 25 foram internacionais.
O público final é de 70 mil pessoas, mais que três vezes a capacidade do estádio da Vila Belmiro, do Santos Futebol Clube, onde Pelé e Neymar foram revelados.
O número de público em 2014 é menor que os 100 mil de 2012 e maior do que os 50 mil de 2010. Segundo a organização, o número caiu em relação à última edição porque esta contou com o evento Rodrigueanas, que reuniu muitas pessoas pelas ruas santistas, com as noivas que homenageavam o centenário de Nelson Rodrigues.
Mais uma vez, o eventou buscou apresentar o melhor do teatro produzido na Península Ibérica e na América Latina, como forma de se traduzir a diversidade da região. O Chile, país convidado de honra, apresentou peças potentes como Otelo e Castigo.
Tradução de culturas
Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc em São Paulo, avaliou o festival em conversa exclusiva com o R7.
“A América Latina toda reflete sobre sua identidade no Mirada. Isso você vê nos trabalhos de todos os países, que traduzem as suas culturas. Refletem o passado, o presente e o futuro. Assim, o porvir é sempre positivo”, afirma.
Para Luiz Ernesto Figueiredo, o Neto, gerente do Sesc Santos, o Mirada já conseguiu o “reconhecimento internacional”. “Tivemos a procura de muitos produtores de fora que quiseram acompanhar o festival”, conta.
Segundo ele, 93% dos espetáculos tiveram lotação esgotada. “Apenas em alguns casos específicos tivemos espectadores que compraram ingresso e não apareceram”, conta. Esta edição contou com quatro novos espaços na cidade, totalizando 25 palcos.
Neto diz ao R7 que está satisfeito com sua equipe, formada por 280 funcionários do Sesc Santos e mais 90 emprestados de outras unidades da rede Sesc em São Paulo. “Isso sem contar em mais de 500 pessoas da rede em São Paulo que nos ajudaram a planejar o Mirada”.
A cidade de Santos, na visão de Neto, precisa melhorar a rede hoteleira para atender às exigências de um festival do porte do Mirada, que aumentou o número de artistas de 420 em 2012 para 600 em 2014. “É uma cidade de tradição de turismo de fim de semana, com muitos leitos em pequenos estabelecimentos e poucos grandes hotéis. Como temos o objetivo de estabelecer a troca e a convivência entre os artistas, isso precisa melhorar. Mas faço questão de agradecer a parceria com a Prefeitura de Santos, fundamental para o festival”.
Neto finaliza a terceira edição do Mirada agradecendo a todos que colaboraram com o evento. “O Mirada é feito para as pessoas. E o fazemos respeitando os trabalhadores e as questões de segurança. Deu tudo certo. A equipe do festival merece todo o meu respeito”, diz.
Troca de experiências
O Mirada atraiu muita gente de teatro com vontade de trocar experiências e fazer parcerias. Este tema é obsessão do produtor Felipe González, diretor da Difusa Fronte(i)ra, a única produtora especializada em produção cultural da América Latina. A entidade tem sede em São Paulo, mas com direito a braços em cidades como Buenos Aires e Cidade do México.
“Queremos facilitar a circulação da cultura na América Latina, aproximando grupos, e tentando proporcionar criações coletivas. Existimos desde 2006 e produzimos uma média de cinco projetos novos por mês”, revela.
Ele ainda dá uma pista a quem quiser procurá-lo: “Gostamos de trabalhos que quebram a estrutura do teatro tradicional”, diz González.
Trabalhos como o colombiano 13 Sonhos, que fez uma instalação na garagem do Sesc Santos, e o mexicano Banhos Roma com uma narrativa fragmentada e tecnológica foram nesta linha no Mirada, enquanto que o mexicano Menores que o Guggenheim fez humor com o fazer teatro.
“Compartilhamento de vivências”
A diretora paraguaia Paola Irún também aposta em uma integração cada vez maior do teatro latino-americano. Com seu grupo En Borrador fez uma residência conjunta com o [ph2] estado de teatro, grupo paulistano, durante o festival.
“O Mirada é um espaço onde convivem olhares diferentes, um lugar de compartilhamento de vivências”, diz Irún. A brasileira Paola Lopes, do [ph2], concorda: “A troca é fundamental na criação de qualquer projeto artístico consistente”.
Jorge Baez, ator paraguaio do En Borrador, diz que o “desafio é imenso” e que o Mirada é um avanço importante. “É um festival com variadas propostas estéticas. O panorama que apresenta é enorme”.
Ponto para Zé Celso
Apesar de o Mirada ter acertado em muitos aspectos, o R7 sentiu falta, por exemplo, de atores negros nas montagens. Contam-se nos dedos da mão as companhias que tinham integrantes negros em seus elencos. Ao lado do Projeto Bispo e de Pindorama, o Teat(r)o Oficina foi uma das exceções no contexto do festival, ao apostar em um elenco multiétnico. Ponto para o seu diretor, Zé Celso.
Um festival que se propõe a ser um panorama da diversidade latino-americana precisa se atentar para a representação étnica no palco, sobretudo com grupos importantes produzindo um teatro negro de vigor na atualidade, como Os Crespos e Coletivo Negro, em São Paulo, e o Bando de Teatro Olodum, em Salvador. Fica a observação como incentivo a um aprimoramento no futuro.
Leia a cobertura do R7 no Mirada
Olhar múltiplo
Rafael Viana, da equipe nacional do projeto do Sesc Palco Giratório, participa do Mirada como forma de fazer descobertas.
Ele conta que neste ano o Palco Giratório faz circular 30 espetáculos por 700 cidades brasileiras. E reforça a importância de um olhar múltiplo: “Nossa equipe do Palco Giratório tem 30 curadores. Isso é fundamental para que as escolhas sejam diversas. Vir ao Mirada é uma forma de fazer um intercâmbio de ideias e experiências”, conta.
O professor da Unesp Alexandre Mate, um dos mais importantes pesquisadores do teatro brasileiro, também aposta no diálogo. “É importante saber o que pensam os promotores de cultura na América Latina. São Paulo tem uma produção teatral incontestável, mas faltam espaços de interlocução como o Mirada promove.”
Fernando Yamamoto, produtor do grupo potiguar Clowns de Shakespeare, que estreou a obra Nuestra Senhora de las Nuvens no Mirada, afirma que participar do festival vai marcar a trajetória da companhia. “Poucos festivais têm esse espaço de troca, geralmente, a gente chega, monta, se apresenta e vai embora sem conhecer ninguém. No Mirada, isso é diferente”, declara.
Qualidade
Isabel Ortega, da equipe de curadoria do Mirada, diz que é importante acompanhar de perto o evento para que ele seja aperfeiçoado. “Este ano ele cresceu quase que o dobro em relação à última edição. E temos de estar atentos para que este crescimento na quantidade não afete a qualidade, que é um dos diferenciais do Mirada”, afirma.
Pepe Blamé Meira, diretor do Festival Internacional de Teatro de Cádiz e também integrante da curadoria do Mirada, declara que o evento precisa continuar sendo “heterogênio e multicultural”, com espaço “para qualquer tipo de linguagem”.
Olhar santista
Junior Brassalotti, ator do Projeto Bispo, que reuniu artistas de Santos na programação do Mirada, lembra que o olhar para fora não pode deixar também para trás o olhar para a própria cidade de Santos e seus artistas: “O Mirada também ressignifica a cidade e valoriza a autoestima do artista local”. A peça dele trabalhou com moradores do centro de Santos.
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O gerente do Sesc Santos, Luiz Ernesto Figueiredo, o Neto, concorda. “O desafio é crescer na ocupação da cidade de Santos e fazermos também esse olhar pra dentro. O Mirada nasceu com o olhar para fora, agora tem o desafio de olhar para a gente de Santos também”, pondera.
O programador de teatro do Sesc Santos, Leonardo Nicoletti, lembra que “o teatro santista vive um período de efervescência e de forte luta política”. Assim, em sua opinião, “o Mirada, sobretudo por ter uma obra da cidade, o Projeto Bispo, valoriza as artes cênicas locais e fortalece as ações teatrais de interferência na cidade”.
Para Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc em São Paulo, a “adesão foi maravilhosa” do público da Baixada Santista ao Mirada. “A reação do público foi extraordinária. O Mirada fortalece o teatro da América Latina”, afirma.
Cidade de Pelé, Neymar e teatro
O jornalista e crítico teatral colombiano Alberto Sanabria, do jornal El Tiempo, conta que gostou muito de acompanhar o festival e diz, sem pestanejar: “Santos era apenas a cidade do Pelé e do Neymar para os colombianos. Agora, é também a cidade do teatro”.
Sergio Luís Oliveira, curador do Mirada, finaliza, dizendo que o intercâmbio concreto é o que diferencia o festival de outros no Brasil: “Além da peça, temos oficinas, workshops, bate-papo, encontrões. Para nós a ideia de convívio é importante. Queremos estabelecer, cada vez mais, conexões entre pessoas durante o Mirada”.
Que venha o próximo.
*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do Sesc São Paulo.
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