Entrevista de Quinta: “Quem faz teatro para os colegas dá um tiro no pé”, diz Celso Frateschi

Celso Frateschi em frente ao seu Ágora Teatro, em SP: “Relação intensa com a cidade” – Foto: Eduardo Enomoto

Por Miguel Arcanjo Prado
Fotos de Eduardo Enomoto

O ator e diretor Celso Frateschi, 61 anos, tem energia de um menino. Envolvido em diversos projetos ao mesmo tempo, não para um minuto sequer.

Acaba de fazer a minissérie da Record José do Egito, na qual viveu Jacó, o pai do protagonista. O artista aproveita a pausa na TV para reabrir seu Ágora Teatro, no bairro da Bela Vista, em São Paulo – importante centro de estudo e difusão teatral com 13 anos de história.

Lá, além de dirigir farta programação de peças e cursos, também sobe ao palco na peça Teatro Nosso de Cada Dia. Além de dirigir e atuar, também comanda dá aulas na Escola de Arte Dramática da USP, onde dirige ainda o Tusp, o Teatro da Universidade de São Paulo, que estreia a primeira Bienal Internacional de Teatro no próximo dia 31 de outubro, com dezenas de grupos vindo de várias partes do mundo.

Frateschi, que também tem carreira como gestor público – foi presidente da Funarte e secretário de Cultura de Santo André, São Paulo e São Bernardo do Campo –, recebeu com exclusividade o Atores & Bastidores do R7 em seu Ágora Teatro para esta Entrevista de Quinta.

Falou dos projetos, criticou a Lei Rouanet e ainda mandou um recado para os artistas que fazem peça só para os coleguinhas verem, não se importando com o público: “Estão dando um tiro no pé”.

Leia com toda a calma do mundo:

Celso Frateschi em José do Egito – Foto: Michel Ângelo

Miguel Arcanjo Prado — Celso, você acaba de fazer o Jacó em José do Egito; como foi esta experiência?
Celso Frateschi — Foi uma série linda, com cenas muito emocionantes e uma produção fantástica, de primeira qualidade. O Jacó é um personagem mítico, então, a repercussão nas ruas foi de muito carinho. Ele tinha uma relação muito forte com seus filhos. A cena final de morte de meu personagem foi muito marcante de fazer. A série superou todas as expectativas.

Com a pausa na TV você encontrou tempo para reabrir o Ágora Teatro?
Pois é, como fiquei quase um ano gravando José do Egito, aproveitei este tempo para fazer as reformas que o Ágora precisava, ampliamos muita coisa, tudo sob o comando da arquiteta e parceira Sylvia Moreira, que é a responsável pela parte visual. O Ágora não é apenas um teatro, mas um centro de estudos do teatro que foi fundado por mim e pelo Roberto Lage há 13 anos. Ele tem uma relação intensa com a cidade. Ele tenta entender o ser humano deste século 21.

“Fazer o que se a gente tem essa doença chamada teatro?”, diz Celso Frateschi, no Ágora – Foto: Eduardo Enomoto

É tarefa complicada, hein?
Sim [risos] O Ágora trabalha com quatro eixos: o Ágora em Cena, que são os espetáculos; o Ágora Formação, com cursos e workshops; o Ágora Livre, com debates e conversas; e o Ágora Pensamento, que são nossas publicações. O Ágora é um espaço aberto a várias experiências. Que faz pesquisa séria em teatro, que procura desenvolver o teatro nosso de cada dia com muito prazer. O problema é que, nas reformas, a gente sempre aumenta o palco e diminui a plateia. Ou seja, não somos nada comerciais [risos].

De que vocês sobrevivem?
Do apoio das pessoas que fazem o Ágora acontecer. Porque patrocínio é raro. Vivemos do nosso trabalho. Não sei se foi porque criamos o Fomento ao Teatro na nossa gestão, o Ágora nunca ganha [risos].

Você foi secretário de Cultura de Santo André, na gestão do Celso Daniel, e da Martha Suplicy, em São Paulo. Você gosta da administração pública?
A gestão pública é uma circunstância. Não sou um gestor profissional. Fui convocado por projetos coletivos dos quais fiz parte. E, me orgulho em dizer que, nas gestões em que participei, houve avanços significativos na parte da educação e da cultura. Em Santo André, teve um antes e um depois da gestão do Celso Daniel. Criamos a Escola Livre de Teatro e o Museu de Santo André. Em São Paulo, fizemos a Lei de Fomento ao Teatro, que até hoje é referência. É a única lei não voltada à produção comercial, mas, sim, à pesquisa teatral e ao trabalho de grupo. E sem falar nos CEUs, que multiplicou o número de teatros da cidade. Eram sete e passou para 28. Tenho muito orgulho de ter participado de tudo isso. Mas ainda há muito o que ser feito.

“O estímulo à cultura não pode ficar só nas mãos do empresário”, diz Celso Frateschi – Foto: Eduardo Enomoto

O quê, por exemplo?
Os modelos de financiamento cultural, por exemplo, precisam ser mudados. A Lei Rouanet é muito limitada. Ela não resolve nem de longe o problema da cultura. Temos de aprender com vizinhos como Argentina e Colômbia, que conseguiram soluções bem melhores do que as nossas.

Tem de acabar com a Lei Rouanet?
A Lei Rouanet serve para alguns casos, mas ela não deveria ser a única. O estímulo à cultura não pode ficar só nas mãos do empresário. Eu fui presidente da Funarte e via peças pela Rouanet com verba média de produção de R$ 3 milhões. São produções comerciais bem diferente do que faz o teatro de grupo com infinitamente menos. A lei exige uma temporada pequena, de cinco semanas, três sessões de semana. Então, os produtores preferem fazer muitos espetáculos do que deixar uma peça em cartaz, porque não vão conseguir manter. Mas, a longo prazo, está dando um tiro no pé.

Por quê?
Porque quem faz teatro assim não tem interesse no público, mas no cara que aprova o incentivo fiscal. Está dando um tiro no pé. Nosso público teatral diminuiu.

Celso Frateschi no palco da sala Gianni Ratto do Ágora Teatro: “Público diminuiu” – Foto: Eduardo Enomoto

Mesmo com tantas peças em cartaz?
Sim! Se você vir como era no tempo do TBC [Teatro Brasileiro de Comédia], tinha peça de terça a domingo, com no mínimo dois meses de temporada, com oito sessões por semana. Hoje tem mais espetáculo em cartaz, mas tem menos público. O paulistano da época do TBC ia ao teatro com muito mais frequência do que o paulistano de hoje. O que eu vejo são os grupos fazendo peça para plateias de amigos, de colegas, na base do convite. Repito: estão dando um tiro no pé.

Você também dá aulas na USP. Gosta de ser professor?
Sou professora da USP há 34 anos, mas não posso dizer que tenha uma vida acadêmica intensa. Eu apenas dou aula, o que gosto muito de fazer. E, nesta última gestão, a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária me convidou para dirigir o Tusp, o Teatro da Usp. Hoje temos o Tusp em todos os campi, com uma atividade intensa. Além de termos lançado a histórica revista aParte, que já está na sexta edição.

E vem aí a Bienal de Teatro da USP?
Estamos fechando a gestão no Tusp com a Bienal Internacional de Teatro da USP, que vai começar em 31 de outubro agora. O tema é interessantíssimo: Realidades Incendiárias, baseado no Mito de Prometeu. E a gente pega não só o palco, mas o que ele está retratando. Vamos ter grupos do Líbano, da Tunísia, de Israel e até da Eslovênia. E são todos muito bons! São grupos que trazem novidades.

Como você dá conta de tanta coisa?
Eu não sei. Às vezes fico cansado. Este mês de reabertura do Ágora está me deixando louco. Mas, pensando bem, é isso que mantém a gente vivo. Fazer o que se a gente tem essa doença chamada teatro? Quem sabe eu vou relaxando agora mais pra frente…

Celso Frateschi, durante esta Entrevista de Quinta: “Nunca quis ser burocrata” – Foto: Eduardo Enomoto

Você nunca quis seguir carreira no governo?
Eu nunca quis ser burocrata, sabe. Esta é a parte chata da história. u poderia ter feito só TV, ou ficado só na universidade. Mas eu não consigo. Eu fui formado pelo Augusto Boal, pela Heleny Guariba. Sempre fui muito engajado como cidadão, dou minha contribuição para o coletivo, porque não adianta ficar só atirando pedra se você tem a possibilidade de agir. Às vezes, você consegue criar uma Escola Livre de Teatro da vida…

O que achou desta recente confusão na Escola Livre de Teatro de Santo André?
A minha esperança é que entrem em acordo lá. Que a escola seja respeitada e que esta crise sirva para alavancar sua institucionalização. Já mudou o interlocutor da Prefeitura com os artistas, então espero que consigam fazer um plano de reforma sem fechar a escola. Tem que mantê-la aberta. Eu também acho que a escola deve se voltar mais para Santo André. Porque foi com esta visão que a fundamos.

Você é bem articulado. É um Tancredo Neves do teatro?
Não! Sou pavio curto, não tenho tanta capacidade de articulação assim. Mas acho que o que facilita é sempre ser claro com o que penso.

“Sou pavio curto, mas facilita ser claro com o que penso”, diz Celso Frateschi – Foto: Eduardo Enomoto

Ágora Teatro
Rua Rui Barbosa, 672, Bela Vista, São Paulo, tel. 0/xx/11 3284-0290
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1 Resultado

  1. Felipe disse:

    Muito interessante a formatação dos 4 eixos do Ágora. Como é diferente quando pessoas com conhecimento real do assunto estão envolvidas num projeto!

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