Otávio Martins expõe vida frágil em Córtex

Monólogo com Otávio Martins, Córtex tem cenário e direção de Nelson Baskerville - Fotos: Otávio Dias

Por Miguel Arcanjo Prado

A vida é tão frágil quanto a felicidade. Ambas estão por um fio. Esta é a sensação que Otávio Martins provoca no espetáculo solo Córtex, que estreia neste fim de semana no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo.

O Atores & Bastidores do R7 foi convidado a assistir, com exclusividade, o ensaio geral da montagem, na última terça-feira (11). 

O segundo monólogo do ator é resultado da versatilidade que marca a carreira de Otávio Martins. Sem preconceitos, acumula no currículo trabalhos que vão da politizada Companhia do Latão, da qual fez parte na segunda metade da década de 90, às novelas da Globo, onde acaba de interpretar o jornalista Gil em Amor Eterno Amor.

Inquieto, dá mostras de fome artística. Esperto, convidou para dirigi-lo Nelson Baskerville, diretor consagrado com o espetáculo Luis Antonio – Gabriela (também em cartaz em São Paulo, no Teatro João Caetano).

O texto que o dramaturgo Franz Keppler construiu durante os ensaios conta a história de um homem que vê seu mundo desabar quando a mulher – representada por uma boneca de pano branco – sofre um acidente vascular cerebral.

Baskerville, também responsável pela bela cenografia cheia de arbustos que aprisionam o personagem central, abusa dos recursos multimídias, o que já é de seu feitio. A projeção em vídeo está presente a todo instante, e Otávio até faz (e bem) um número musical.

O cenário reserva ainda um objeto intrigante: à espreita, detrás das folhagens, um boneco preto em tamanho humano permanece o tempo todo, em uma espécie de metáfora do monstro que o medo representa. Para completar, Marichilene Artisevskis criou um figurino elegante e ousado ao mesmo tempo. O que resulta do conjunto no palco é de uma beleza plástica que impressiona e cativa o olhar.

“Não é uma história sobre doença, é uma história de amor”

Após o ensaio, Otávio Martins seguiu com a reportagem ao Café Girondino, no Largo de São Bento, no centro histórico paulistano, onde deu a entrevista a seguir, regada a Coca-Cola Zero e torta de frango:

Miguel Arcanjo Prado – Como surgiu a ideia do espetáculo?
Otávio Martins – Começou com uma conversa minha com o Franz [Klepper, o autor]. Uma conversa de amigos, mesmo. Aconteceram algumas infelizes coincidências. A mãe dele tem AVC há 20 anos e meu pai foi diagnosticado com Alzheimer. Estávamos falando sobre isso. Aí, começamos a falar que a tragédia do cotidiano é muito mais forte do que a curva do herói grego…

Miguel Arcanjo Prado – E como surgiu o texto?
Otávio Martins – Não queria trabalhar com texto pronto. Começamos a pensar esse espetáculo há um ano e foram três meses de ensaio. Tinha de ser um encontro, do qual o espetáculo fosse surgindo. E o Ed [Julio, produtor do espetáculo] bancou essa viagem nossa, que foi parte importante do processo. Então, digo que criamos a oito mãos: eu, o Franz, o Nelsinho e o Ed.

Miguel Arcanjo Prado – Por que convidar o Nelson Baskerville para dirigir?
Otávio Martins – Pensei nele na hora. Conversamos e ele topou de cara. Queria que fosse um encontro. É a primeira vez que trabalhamos juntos. Sempre acompanhei a trajetória das peças dele. Acho que conhecer o trabalho do Nelson é essencial para dialogar com o teatro de hoje. Ele tem várias assinaturas. É um cara que trabalha em cima do ator e junto do ator. Sempre. Tinha de ser ele para que houvesse esse grande encontro.

Miguel Arcanjo Prado – Por que fazer o segundo monólogo?
Otávio Martins – Eu procuro um monólogo para fazer há muito tempo. O primeiro foi A Noite Antes da Floresta, em 2006, com direção do Chiquinho Medeiros. Foi um divisor de águas na minha carreira. Você sabe, antes, fui da Companhia do Latão… Mas queria agora um monólogo que não fosse um cara pensando alto, sabe? Aquela coisa de literatura encenada. Tem muita gente por aí escrevendo monólogo com pegadinha cômica. Não gosto disso, você não precisa aliviar para o público gostar de você.

Miguel Arcanjo Prado – Córtex não alivia em nada…
Otávio Martins – No cartaz, estou com a boneca e a cadeira de rodas. Aliviar para o público gera um barateamento involuntário de um nível artístico. Aliviar é chamar o público de burro e dizer que ele não tem capacidade de entender.

Miguel Arcanjo Prado – Isso é fato. Artista não precisa ser didático.
Otávio Martins – Público se forma é com educação e cidadania. Quer que o povo veja teatro? Dá educação primeiro. Qualquer manifestação artística depende da capacidade que só o homem tem de abstração. Para se ver uma obra de teatro ou uma exposição é preciso referências básicas.

Miguel Arcanjo Prado – O monstro que fica no palco me chamou muito a atenção. Ele dá medo. Esse é o objetivo?
Otávio Martins – O monstro surgiu junto com o Nelsinho. Começamos a ver uns vídeos nas pesquisas que fizemos. Estipulamos que teria a boneca e outra presença ameaçadora. Tem também essa coisa de ser o monstro infantil. Mas é também o monstro que habita em você.

Miguel Arcanjo Prado – Como é falar de algo tão forte?
Otávio Martins – Quem está na tragédia aprende a lidar com ela. Outro dia recebi uma mensagem do Marcelo Rubens Paiva dizendo que viu as fotos de divulgação da peça e que minha cadeira de rodas está mais limpinha do que a dele. É isso. A pessoa que conta uma tragédia minimiza aquilo. Porque já foi dolorido. O olhar de quem viveu a tragédia denuncia a cicatriz, não a ferida.

Miguel Arcanjo Prado – O que você quer provocar no público?
Otávio Martins – Eu quero que as pessoas tenham com a peça um ponto de convergência emocional. É um encontro que vai tomar de alguma maneira. Como? Não sei. Quero ter esse prazer de contar a história e ter o espectador montando o quebra-cabeça comigo. E que ele perceba que não é uma história sobre uma doença, é uma história de amor. E isso é o mais bonito.

Córtex
Avaliação: Muito bom
Quando: Sexta, às 20h; Sábado, às 17h e 20h; domingo, às 19h. Até 4/11/2012
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil – SP (r. Álvares Penteado, 112, Centro, São Paulo, tel. 0/xx/11 3113-3651)
Quanto: R$ 6
Classificação: 14 anos

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1 Resultado

  1. Pablo Ruas disse:

    é importante ver um ator buscar fazer coisas diferentes. o otávio martins está de parabéns. quero ver essa peça! e o blog está de parabéns pela ótima entrevista.

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