Com 200 mil pessoas, Festival de Curitiba mostra a força do teatro

Elenco do musical “O Frenético Dancin’Days” vibra com aplauso de pé de mais de 2.000 pessoas no Teatro Guaíra lotado – Foto: Annelize Tozetto – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

O Festival de Curitiba fecha sua 28ª edição neste domingo (7) com público de 200 mil pessoas. O número é quatro vezes a plateia do show do ex-Beatle Paul McCartney na capital paranaense no último sábado (30), o que mantém o evento como o maior na área das artes não só do Brasil como da América Latina.

Em tempos de notícias que assustam o mercado cultural, o Festival de Curitiba conseguiu conquistar 74 patrocinadores, desde grandes instituições financeiras a entidades do ensino, passando por uma grande montadora da indústria automobilística. O evento captou 75% do orçamento de R$ 6,5 milhões por meio da Lei Rouanet.

Fábio Porchat faz seu show de stand up no Risorama no 28º Festival de Curitiba – Foto: Nilton Russo – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

Larissa Luz em cena do musical “Elza” no Teatro Guairão no 28º Festival de Curitiba – Foto: Annelize Tozetto – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

“‘O não a gente já tem, só falta a humilhação’, é o mantra que costumamos brincar na equipe quando corremos atrás de patrocínio [risos]. Mas esse sucesso é fruto de muito relacionamento, porque o festival é feito de gente”, fala o empresário Leandro Knopfholz, diretor e idealizador do Festival de Curitiba. “Outro ponto importante é que buscamos sempre cumprir o que prometemos não só aos artistas quanto aos patrocinadores”, reforça o gestor cultural.

Leandro Knopfholz, diretor do Festival de Curitiba, e sua sócia, Fabíula Passini, comemoram público de 200 mil espectadores em 2019 – Foto: Annelize Tozetto – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

Fabíula Passini, sócia de Leandro e responsável pela megaprodução do festival, de nível internacional, diz que tanto apoio “é como se a gente recebesse um abraço de um amigo”. “Quando o festival fecha um patrocínio, batemos um sino”, revela. “Foram 74 vezes que o sino bateu nos últimos meses”, celebra seu sócio.

“São 28 edições seguidas, isso traz prestígio e confiança não só da classe artística como também do mercado no Festival de Curitiba, uma marca respeitada internacionalmente pelo público e pela mídia”, diz Leandro, lembrando que o evento tornou-se um patrimônio cultural que extrapola as fronteiras do Paraná.

Leandra Leal, Luiz Henrique Nogueira, Rodrigo Pandolfo e Cláudia Abreu no 28º Festival de Curitiba, onde apresentaram a peça “PI Panorâmica Insana” – Foto: Annelize Tozetto – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

Sobre o período atual, visto como tenebroso por muitos nomes da cultura, Leandro prefere não perder o otimismo: “Todos nós podemos cair, mas o importante é saber levantar”, pondera.

Para Leandro, o teatro precisa recuperar o espírito empreendedor que já teve no passado e buscar uma maior proximidade com seu público. “Antes falávamos de relacionamento, hoje a palavra da moda é engajamento. Tivemos um excelente engajamento com o Festival de Curitiba nesta edição”, vibra.

A atriz Mel Lisboa apresenta a peça “Dogville” no 28º Festival de Curitiba com ingressos esgotados – Foto: Humberto Araujo – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

A bailarina Ana Adade, da performance “Visita Guiada”, nos bastidores do Teatro Guaíra durante o 28º Festival de Curitiba – Foto: Annelize Tozetto – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do Arcanjo – UOL

Megaprodução

Ele e Fabíula lembram as dificuldades de se produzir um festival com mais de 400 espetáculos, 2.500 artistas e 1.700 apresentações que atraíram 40 mil turistas a Curitiba. “Não estamos exibindo filmes ou fazendo uma exposição, com teatro é preciso lidar o tempo todo com gente, para um monólogo existir você precisa de pelo menos quatro pessoas”, argumenta.

“Nosso santo de casa faz milagre”, diz, elogiando sua equipe com 800 postos de trabalho direto e 1.700 indiretos. E conta que esses profissionais foram ganhando expertise na produção cultural à medida que as edições foram avançando.

Criança assiste à peça lambe lambe “Baús do Tesouro” da Cia. Artística Avenida Lamparina, de Canelinha, em Santa Catarina, na Boca Maldita, centro de Curitiba, durante o 28º Festival de Curitiba – Foto: Daniel Sorrentino – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

Hoje, o Festival de Curitiba consegue montar em um dia no Guairão, um dos maiores teatros do Brasil, com mais de 2.000 lugares, um espetáculo do porte de “O Frenético Dancin’Days”, com cenários grandiosos e mais de 30 pessoas no elenco. Não há evento no Brasil que faça algo do tipo na área teatral. “Tivemos espetáculos sendo montado enquanto o outro ainda estava em cartaz”, lembra Fabíula.

“Nossa equipe é igual a um piloto que só pode pegar um grande avião após voar 10 mil horas. Temos milhares de horas de voos no campo da produção das artes cênicas”, fala Leandro. “Temos uma equipe que se entrega completamente ao Festival e o vive por completo”, diz.

A atriz Nicole Puzzi em cena da peça “Mississipi”, que celebrou os 30 anos da Cia. de Teatro Os Satyros no 28º Festival de Curitiba – Foto: Virginia Benevenuto – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

Leandro Knopfholz deu indícios que a curadoria feita nos últimos quatro anos por Guilherme Weber e Márcio Abreu pode chegar ao fim, conforme acordado com os mesmos quando assumiram, mas ainda não revelou novos nomes.

Segundo o diretor do Festival de Curitiba, a dupla teve total liberdade de fazer propostas estéticas e de discursos que deram a cara deste período do Festival, no qual pautas identitárias ganharam os palcos, com peças que abordaram questões de gênero, de raça e de sexualidade, por exemplo.

O ator Ivam Cabral comoveu o público do 28º Festival de Curitiba com seu solo “Todos os Sonhos do Mundo” – Foto: Lina Sumizono – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

Esta edição teve espetáculos de destaque com ingressos esgotados, como “PI Panorâmica Insana”, com Claudia Abreu e Leandra Leal, “Dogville”, com Mel Lisboa, “Sísifo”, com Gregório Duvivier, e o musical “O Frenético Dancin’Days”.

Outro destaque da programação é a Orquestra Mundana Refugi, que faz apresentação gratuita na praça Santos Andrade, centro de Curitiba, nesta sexta, às 19h, e sábado, às 18h, com 24 músicos de 12 nacionalidades.

Os bailarinos Fernando Vidal e Helen de Aguiar em cena de “Aquela Que É”, da Mostra Cambutadefedapada, da Cia. Téssera, de Curitiba, destaque no Fringe do 28º Festival de Curitiba – Foto: Daniel Sorrentino – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

Ausência da Prefeitura de Curitiba

Um aspecto polêmico desta edição foi a ausência da Prefeitura de Curitiba no evento, apoiado apenas pelo Governo Federal e o Governo do Estado do Paraná.

Poucos dias antes da abertura do Festival, a equipe de produção foi avisada que não poderia ter como sede o Memorial de Curitiba, tradicional espaço público curitibano onde ficava o QG do evento. Este foi transferido às pressas para o Mabu Hotel, na praça Santos Andrade.

O ator pernambucano José Neto Barbosa, da peça “A Mulher Monstro”, que foi transferida do Memorial de Curitiba para as Ruínas de São Francisco após proibição da Prefeitura de que o espaço fosse usado pelo 28º Festival de Curitiba; Prefeitura negou a proibição, apurada pelo Blog do Arcanjo – Foto: Annelize Tozetto – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

Peças como “A Mulher Monstro” precisaram mudar de local de realização. A Mostra Feijão Tropeiro, de Minas Gerais, foi prejudicada, já que não pôde cozinhar a iguaria mineira que seria vendida ao público para custear a vinda dos artistas.

“Foi uma atitude despótica e virulenta do prefeito [Rafael Greca, PMN], sem avisar com antecedência”, fala Leandro, concordando que o Festival de Curitiba perdeu um importante espaço de convivência no largo da Ordem, marco fundatório da cidade, por conta da proibição.

Cena da peça “Navalha na Carne Negra” no 28º Festival de Curitiba – Foto: Humberto Araujo – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

Teatro precisa cuidar de seu público

Para o diretor do Festival de Curitiba, o teatro precisa cuidar mais de perto de seu público. “As leis de incentivo fizeram com que o teatro, artistas e produtores, fossem se acomodando e deixassem o público de lado. Quando começamos lá atrás, o teatro ainda vivia de bilheteria, e os artistas sabiam que tinha de vender seu peixe. Era uma geração ‘Pequena Miss Sunshine’, todo mundo em uma kombi e se virando”, fala.

Leandro Knopfholz, diretor do Festival de Curitiba: 200 mil pessoas em 13 dias de festa das artes cênicas na capital do Paraná – Foto: Annelize Tozetto – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

“Acho que essa crise toda vai ajudar com que artistas e produtores teatrais entendam que o teatro também é um produto e que precisa cuidar de seu público alvo e ouvir o que ele tem a dizer”, diz, definindo-se “um gestor e não um artista”.

Barbara Paz apresentou a abertura do 28º Festival de Curitiba, no Teatro Guaíra – Foto: Rodrigo Leal – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL

Diante de tal visão, Leandro Knopfholz parece seguro, mesmo que o mundo cultural nacional esteja inseguro diante do novo momento político. “O Festival de Curitiba passou por Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro”, fala, numa frase que define o caráter democrático e sem ligação a partidos do evento. Não à toa, ele escolheu para o mesmo o slogan: “Festival de Curitiba – O Festival para Todos”.

Enviado especial a Curitiba, no Paraná, o colunista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do 28º Festival de Curitiba.

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Peça “A Mulher Monstro”, do pernambucano José Neto Barbosa, lotou as Ruínas de São Francisco e foi o maior sucesso de público do Fringe no 28º Festival de Curitiba – Foto: Annelize Tozetto – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do @miguel.arcanjo – UOL