Maria Alcina é ovacionada na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes com filme Sem Vergonha

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Reportagem de FELIPE ROCHA**
Mineira de Cataguases, a cantora Maria Alcina, 75 anos de vida e 53 de carreira, foi uma das grandes atrações do último dia da 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, este sábado, 1º de fevereiro. Seu filme, Sem Vergonha, um documentário sobre sua vida dirigido por Rafael Saar, foi ovacionado no Cine-Tenda, em uma das últimas sessões do festival com 140 filmes na cidade histórica mineira.

Maria Alcina chegou ao Cine Tenda roubando a atenção do público, alegrando a tarde de todos que passavam por ali e transformando tudo numa verdadeira festa, com seu figurino deslumbrante e sua simpatia, alegria e carisma únicos. Ao adentrar a sessão, a cantora foi ovacionada pelo público com os seguintes dizeres: “Viva Maria Alcina: cinema e purpurina”.
Viabilizado pelo Canal Curta! por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), o documentário de Rafael Saar tem 79 minutos de duração e conta com roteiro de Thiago Brito. O longa está previsto para estrear no canal Curta! no segundo semestre de 2025, sob produção da Dilúvio Filmes.
O filme recria a vida e a jornada musical da cantora consagrada a partir de um rico material de arquivo e musical que a situa como a maior herdeira atual dos teatros de revista e das chanchadas brasileiras.
O documentário também investiga como ela manteve sua arte ao ser uma das vítimas da censura imposta pela ditadura militar, além de ser taxada maldosamente como “mais uma Carmen Miranda”, devido à similaridade de vestimentas, com se remeter à mais icônica artista brasileira fosse algo ruim.
Maria Alcina superou todas essas adversidades, se aproximando do que há de mais popular na música brasileira: cantando o duplo sentido “calor na bacurinha” e sendo jurada de programas de calouros.

Dentre seus maiores sucessos, estão Fio Maravilha, música vencedora do Festival Internacional da Canção em 1972 e Kid Cavaquinho. Sua discografia inclui sete álbuns individuais além de participações em coletâneas e shows de outros artistas. Em 2022, foi vencedora do Prêmio Arcanjo de Cultura, idealizado pelo jornalista Miguel Arcanjo Prado, no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo. A honraria foi concedida pelos 50 anos de carreira de uma das mais importantes artistas da música do Brasil.

O Blog do Arcanjo conversou com exclusividade com a cantora Maria Alcina e com o diretor Rafael Saar pouco antes de a sessão tiradentina começar. Maria Alcina compartilhou detalhes sobre a carreira, que no ano de 2025, completa 53 anos de exercício, além de adiantar o repertório do seu próximo show. Rafael Saar falou sobre o processo de execução do filme e revelou seu próximo projeto. Leia as entrevistas a seguir.

Entrevista com Maria Alcina, cantora tema do filme Sem Vergonha
Maria Alcina se destaca pelo seu jeito único: a voz grave de contralto, a personalidade alto-astral e a explosão de cores no figurino. Com gestos alegres e indumentária de plumas, purpurinas e paetês, a artista se destaca por dar vida a vários compositores, por meio de performances sonoras, cênicas e visuais, além de investir em um repertório variado de canções de forrós, carnavalescas e de samba. Leia a entrevista com a lendária artista.
BLOG DO ARCANJO – FELIPE ROCHA – Como é ver sua vida retratada num filme?
MARIA ALCINA – Ah, então, é muito emocionante. Eu vou ver esse filme pela segunda vez, porque ele passou em São Paulo, na Mostra Internacional. E foi muito impactante, porque eu não tinha visto nada do filme, então eu fui assistir o filme inteiro, com todo mundo, com o produtor, o elenco. E é muito impactante. Agora eu aqui em terra mineira, eu fico imaginando: quando eu saí de Cataguases, tudo que já aconteceu eu vou ver isso na tela, em Minas Gerais, vendo a reação do público – isso já é uma segunda etapa da mesma história. Mas só tem uma palavra para definir: emoção.
BLOG DO ARCANJO – FELIPE ROCHA – Você comentou sobre estar em terras mineiras. É sua primeira vez em Tiradentes? E como você avalia sua passagem por aqui?
MARIA ALCINA – Eu creio que não é a primeira vez, mas eu não me lembro. Já fui em São João del-Rei, isso eu lembro bastante. Tiradentes é adorável. É linda. Alegre. Tô maravilhada. Neste contexto que eu estou, é pura emoção. E também uma expectativa da própria emoção de se ver. E fico pensando: como vai ser? Penso também em alguma cena, que eu acho que o público vai aplaudir. Como eles vão reagir a essa música ou aquela? É muito interessante quando a gente faz um novo trabalho, por exemplo, esse filme que está sendo exibido pela segunda vez. A gente sempre espera ver e ter, sentir a emoção que vai rolar. Então é sempre uma novidade. E é assim que estou. Em êxtase, pela novidade. Da emoção que vai rolar na exibição do filme.
BLOG DO ARCANJO – FELIPE ROCHA – Você ganhou o Prêmio Arcanjo aos 50 anos de carreira, no ano de 2022. Como foi para você receber essa homenagem?
MARIA ALCINA – Eu sou muito fã dele. E ele é muito meu fã. Depois ele (Miguel Arcanjo) falou comigo também que ele me acompanha. Sabe que tem uma coisa muito engraçada no nosso meio? É que às vezes a gente não sabe que o outro também é seu fã. Nossa, é muito legal ter essa reciprocidade. É maravilhoso. E aí o prêmio se fez maior ainda. Ele já é grande, por todo esse contexto. E a noite (da premiação) maravilhosa. Um clima maravilhoso: o Arcanjo, os outros premiados também. Estou muito honrada e agradecida. Sou sempre agradecida ao Arcanjo, pela maneira como ele me premiou também.

BLOG DO ARCANJO – FELIPE ROCHA – Aproveitando esse contexto de relações, como é a sua relação com o diretor do filme, Rafael Saar?
MARIA ALCINA – O Rafael Saar ele escreveu o filme através de uma entrevista que o meu amigo Rodrigo de Araújo me apresentou a ele. Depois eu assisti outros filmes dele. E ele também tem relação com Cataguases. Ele também tem família lá. Uma tia que trabalhou comigo na fábrica de macarrão, que aparece no filme. Ele a homenageou também. Então, dali eu conheci ele e comecei a ter uma amizade. Uma relação. O filme demorou muito para ser aprovado. Essa coisa toda da burocracia do cinema. E ele ali, firme. Ele batalhou muito. Ele teve uma verba e projetou dentro daquela verba. É emocionante. Eu sempre paro e penso: como é que ele conseguiu fazer tudo isso? Mas é uma relação de amizade que foi construída. E através de uma entrevista, ele fez o filme. Ele é mágico. Ele também gravou um DVD meu. Ele é muito talentoso. E essa proximidade de Cataguases também dá uma emoção na relação nossa. Eu o parabenizo pelo talento que ele tem. E o filme que ele constituiu. Porque ele conta minha história teatralizada, musicalizada. É fantástico, uma coisa muito diferente. Porque a linguagem dele é diferente: no cinema, na luz.
BLOG DO ARCANJO – FELIPE ROCHA – Quando você cantou Fio Maravilha no Festival Internacional da Canção de 1972, você tinha a intuição que aquela noite mudaria sua vida? O que você sentiu naquele dia?
MARIA ALCINA – Essa pergunta é excelente. Porque toda hora eu me pergunto: como é que aquilo que eu fiz pode ter virado tudo isso que virou? Eu trabalhava na Boate n°1. Fui descoberto pelo Solano Ribeiro, que pediu uma música para o Jorge Ben Jor. Ele fez o Fio Maravilha. Fui ao Maracanãzinho e tudo. E hoje é uma história de 53 anos de carreira. Ela é evoluída a cada momento. E quando eu paro e pergunto: como daquilo eu consegui chegar até aqui? O que eu quero dizer é o seguinte: quando a gente começa ou faz uma coisa, você não tem ideia. E você não faz pensando assim. Não existe essa projeção na sua emoção, no seu trabalho. Você apenas faz. A história vai evoluindo. Mas tem uma coisa que eu dou muito valor, que é muito importante falar: que é seguir a intuição. E deixar as coisas irem evoluindo. É uma magia mesmo.

Novo show de Maria Alcina
Segundo revelou com exclusividade ao Blog do Arcanjo Thiago Marques, agente de Maria Alcina, o próximo projeto da cantora envolve um show chamado “A Turma da Tijuca”, em que interpretará músicas de Jorge Ben Jor, Tim Maia, Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

Entrevista com Rafael Saar, cineasta e diretor de Sem Vergonha
Antes de aportar na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, Sem Vergonha já havia sido exibido na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2024. Este não é o primeiro longa na carreira do diretor premiado Rafael Saar. Natural de Volta Redonda, Rio de Janeiro, 1983, ele já dirigiu os longas-metragens Yorimatã, filme biográfico de 2014 sobre a dupla Luhli e Lucina e Peixe Abissal, sobre o artista Luís Capucho, que estreou na Mostra Aurora de Tiradentes em 2023. Yorimatã fez sucesso e recebeu prêmios em diversos festivais. Peixe Abissal também foi contemplado com os prêmios de direção no FIDBA (Festival Internacional de Cine Documental de Buenos Aires) e Melhor Documentário no Queer Lisboa. Rafael Saar também dirigiu curtas, como Depois de Tudo (2008), vencedor de mais de 10 prêmios, um deles de Melhor Ator no Festival de Brasília. Soma também à sua carreira o curta Homem-Ave (2010), que estreou em diversos festivais e integrou a mostra El roce de los Cuerpos do Museu Reina Sofia, em Madri, na Espanha. Por fim, também foi assistente de direção e pesquisador do filme Olho Nu (2012), de Joel Pizzini, sobre o cantor Ney Matogrosso. Leia a entrevista com o cineasta.
BLOG DO ARCANJO – FELIPE ROCHA – Sem Vergonha é o terceiro longa da sua carreira. Como surgiu a ideia para o filme? O que te motivou a fazer um filme sobre essa potência que é Maria Alcina?
RAFAEL SAAR – A ideia do filme acho que surge do nosso encontro, né? Eu sempre ouvia as histórias da Maria Alcina, porque a família da minha mãe também é de Cataguases, assim como ela. E eu tenho uma tia-avó, a Didi, que trabalhou com ela numa fábrica de macarrão. Então sempre ouvia falar da Maria Alcina. Enfim, depois eu fui estudar cinema e comecei a trabalhar com documentários ligados à música. E aí conheci a Maria Alcina e a gente começou a fazer muitas coisas juntos. Fiz um videoclipe com ela, a gente fez um DVD. E todo esse tempo a gente veio desenvolvendo, nos últimos dez anos e pouco mais, esse projeto do Sem Vergonha.
BLOG DO ARCANJO – FELIPE ROCHA – Como foi o processo de realização do filme? Vocês enfrentaram alguns desafios/dificuldades?
RAFAEL SAAR – Muitas. A gente conseguiu viabilizar o filme através de uma parceria com o canal Curta, através do fundo setorial. Mas os filmes musicais são muito caros, ainda mais o biográfico nesse caso. A gente usa muito arquivo, muitas músicas, então tem um gasto enorme com direitos autorais. E tem também a pesquisa, muita dificuldade de encontrar esses materiais. Então eu acho que tudo isso foi compondo a ideia do roteiro. Então a gente foi dialogando com a história dela com números musicais dentro das possibilidades que o projeto permitia.
BLOG DO ARCANJO – FELIPE ROCHA – E como você definiria a importância da Maria Alcina para a música brasileira?
RAFAEL SAAR – A Maria Alcina é uma intérprete singular. Não tem outra igual, não tem outra Maria Alcina. Ela faz parte dessa geração andrógina, dos anos 1970. No filme a gente homenageia essa geração. Uma geração que desafiou o comportamento durante a ditadura, né? E por isso ela sofreu várias intervenções da censura. Então o filme aborda muito essa relação dela com a censura e como isso impactou na carreira artística dela.
BLOG DO ARCANJO – FELIPE ROCHA – E você pode revelar seus próximos projetos?
RAFAEL SAAR – Eu estou fazendo um filme biográfico com a Baby do Brasil. Vai sair no Canal Brasil nesse ano.
*O jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado viajou a convite da Universo Produção.
**Felipe Rocha é estudante de jornalismo da UFSJ sob supervisão de Miguel Arcanjo Prado.
Veja a cobertura de Miguel Arcanjo na Mostra de Cinema de Tiradentes!
Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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