Crítica | Peça Maria Thereza e Dener recupera com delicadeza história de primeira-dama e estilista icônicos

Thiago Carreira e Angela Dippe em Maria Thereza e Dener: uma aula sensível de história do Brasil – Foto: Priscila Prade/Divulgação – Blog do Arcanjo

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

Recuperar a história é fundamental para que não se cometam erros do passado, o que, em se tratando do Brasil, é caso recorrente.

Assim, é louvável o esforço do jornalista Wagner William em contar a vida da primeira-dama mais bela que o Brasil já teve, Maria Thereza Goulart, esposa do presidente João Goulart (1919-1976), eleito democraticamente e cassado pela ditadura civil-militar (1964-1985).

Se o livro já é um trabalho primoroso, o espetáculo que nele se inspira, Maria Thereza e Dener, é para ser visto com cuidado e aplaudido de pé.

De forma sensível, o experiente dramaturgo José Eduardo Vendramini cria um roteiro que navega pela amizade entre a primeira-dama e seu costureiro, no caso o homem que praticamente inventou o conceito da alta costura no Brasil, Dener Pamplona de Abreu (1937-1978).

Angela Dippe e Thiago Carreira brilham na peça Maria Thereza e Dener – Foto: Priscila Prade/Divulgação – Blog do Arcanjo

O artista da moda reinventou a imagem da pacata Maria Thereza Goulart, a alçando ao posto de celebridade internacional ao lado de outra primeira-dama igualmente bela, a norte-americana Jacqueline Kennedy (1929-1994), cujo marido também foi outra vítima da história.

O feito desta montagem foi ter a própria Maria Thereza Goulart na noite histórica de sua estreia, com a primeira-dama deposta emocionada, assistindo detalhes de sua vida diante de seus olhos, na plateia do charmoso Teatro Eva Herz, sob curadoria de André Acioli, onde a peça pode ser vista às quartas e quintas, 20h, até 28 de abril (retire seu ingresso).

O diretor Ricardo Grasson conduz com maestria este encontro de dois personagens icônicos brasileiros e que andavam esquecidos da nossa dramaturgia. Ele ainda assina a cenografia eficiente e sutil, na qual se destaca uma antiga TV com peso de nosso passado.

Angela Dippe como a elegante primeira-dama Maria Thereza Goulart – Foto: Priscila Prade/Divulgação – Blog do Arcanjo

O diretor tem a seu dispor elenco talentoso e entregue para dar vida a estes dois amigos e seus dilemas. Angela Dippe faz uma Maria Thereza Goulart refinada e ao mesmo tempo simples, ainda surpresa com os holofotes advindos de seu casamento com um político que viveu um dos momentos históricos mais dramáticos do Brasil.

Com a segurança de quem é a idealizadora do projeto, a atriz conduz o público por diversos sentimentos, demonstrando domínio absoluto de sua personagem.

Thiago Carreira vive o estilista Dener na peça Maria Thereza e Dener – Foto: Priscila Prade/Divulgação – Blog do Arcanjo

Thiago Carreira constrói um Dener seguro de si, levemente debochado e certeiro dos traços desenhados entre sua tesoura e alfinete, tornando-se rapidamente a âncora solar do espetáculo, com o copo de uísque sempre em punho.

A direção conduz a montagem de forma delicada, fazendo-a navegar entre a leveza glamorosa que o estilista busca imprimir na primeira-dama e o dramático da situação política que vive seu marido e o país, à beira de um golpe de estado.

Os figurinos e adereços de Rosangela Ribeiro respeitam a mescla de comedimento e elegância que Dener desenhou para a primeira-dama, cumprindo sua função histórica, no que ganham reforço do visagismo de época criado por Dicko Lorenzo.

O desenho de som de Chuck Hipolitho e Thiago Guerra também contribuem para as diferentes atmosferas criadas pelo espetáculo, assim como a sutil iluminação de Gabriele Souza.

E é na humanidade destes dois personagens tão fundamentais ao Brasil, do século 20 e de hoje, que mora o trunfo desta peça sucinta e certeira. Maria Thereza Goulart e Dener Pamplona de Abreu ganham reconhecimento merecido neste país ingrato com suas figuras históricas.

O espetáculo Maria Thereza e Dener nos mostra que, mesmo nos mais turbulentos tempos, o bastidor do poder e da história é feito apenas de gente.

Maria Thereza e Dener

Avaliação: Muito Bom ✪✪✪
Crítica por Miguel Arcanjo Prado

Quando e onde ver: Quarta e quinta às 20h (no dia 21/4 às 18h), no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura do Conjunto Nacional (av. Paulista, 2073, metrô Consolação). R$ 50 e R$ 25. 70 min. 12 anos. Até 28/4/2022.
Retire seu ingresso!

Leia também: Maria Thereza Goulart aplaude peça Maria Thereza e Dener em noite histórica

Editado por Miguel Arcanjo Prado

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Ed. Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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