Com vocês, o Auréio – um muitíssimo bem-humorado dicionário de mineirês | Por Guta Nascimento

Por GUTA NASCIMENTO
@gutanascimento

Arroiado, culiado, mucado.

Cariá, cubú, gilume e momado.

A tentação de começar esse texto com uma enorme lista de deliciosos vocábulos como estes acima é grande, mas prometo que vou me conter e apenas dizer que é com muita satisfação que apresento a vocês o simpático ‘Auréio’, que recentemente tive o prazer de conhecer.

O Dicionário da Língua Mineirês é fruto de um trabalho experimental de três estudantes mineiros de Comunicação que reuniram palavras e expressões corriqueiras que fazem parte do dia a dia das cidades onde moram, na Zona da Mata de Minas, com a nobre missão de, segundo eles mesmos, “facilitar o entendimento do visitante curioso”. 

Hugo Michel, 21 anos, é morador de Desterro do Melo, cidade a aproximadamente 30 quilômetros de Barbacena, onde mora Kethuley Ribeiro, de 23 anos. André Fellipe, 31 anos, é residente de Dores de Campos, município a 40km de São João Del Rei.

Cursam juntos atualmente o 6º período da Faculdade de Publicidade e Propaganda da UNIPAC Barbacena. 

Um dia, o professor Alexandre Augusto da Costa pediu num trabalho da disciplina de Semiótica que eles fizessem uma lista com palavras e/ou expressões de suas regiões. Cada um listou palavras comuns na sua cidade e seus significados, conta Kethuley. 

Como aquilo que nos traz palavra e significado é um dicionário, nada mais natural que na sequência tenha surgido a ideia de reuni-las no layout de um Aurélio – o célebre e consagrado dicionário da língua portuguesa escrito por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira –  para a apresentação na sala de aula virtual dos tempos pandêmicos. 

‘Auréio’ é inspirado na semiótica da cultura.

Na apresentação, os estudantes explicam que uma palavra é um código que representa um conteúdo ligado a uma determinada região ou cultura. E que os conceitos das palavras são tão alternativos quanto as próprias palavras em si.

Expressões mineiras conhecidas

Sendo assim, lá estão na lista, entre outras, algumas já muitíssimo conhecidas palavras e expressões mineiras como:

Trem – Termo usado para descrever qualquer coisa

Bão demais – Muito bom

Rei – Pronome de tratamento pessoal (E aí rei!)

Algumas maravilhosas:

“Tem pão véi aqui não.” – O que você tá fazendo aqui? Não te chamei!

“Tem base um trem desse?” – Acredita que isso aconteceu?

“Fica veiáco!” – Fica esperto

Algumas faladas pelos mais antigos:

“Quaiera” – Feio

“Mucado” – Pouco

“Culiado” – Conspiração

“Arroiado” – Cheio

“Momado” – Mimado

E a regionalíssima:

“BQ” – Sinônimo, apelido de Barbacena Querida (Vamos em BQ?)

“Esse registro é importante porque não só a gente está trabalhando com a cultura da nossa região, como também estamos podendo aplicar o conceito de semiótica que a gente aprendeu em sala de aula, vendo isso na prática mesmo”, diz André. “A gente consegue ver claramente como a palavra, sendo um símbolo para representar algo, tem um significado num lugar. Dependendo do local em que ela é falada ou inserida, naquele meio ela tem um significado. Dependendo de outro meio, ela tem outro. De acordo como a gente vai convivendo em um meio diferente, acabamos aderindo aquilo ao nosso vocabulário, ao nosso dicionário. É como se um paulista viesse pra Minas, começasse a morar aqui e num instantinho ele estaria falando ‘trem’. A semiótica explica isso, esse choque, essa fusão de universo. E é isso que vai construindo algo maior sempre. Isso que vai criando uma cultura. Esse choque de informação, essa fusão, uma coisa agregando à outra, e você vai tendo uma cultura própria.”

Algumas das palavras listadas pelos estudantes que são típicas do falar das cidades mineiras de Barbacena e Desterro do Melo

Hugo Michel

Hugo Michel, que também é chefe do setor de Cultura e Turismo de Desterro do Melo, reforça outro aspecto relevante do trabalho. “Com a formalidade do dia a dia e as exigências que esse mundo novo vem colocando em cima da gente, essa pressão toda, essas palavras vão caindo em desuso. A geração mais nova já não fala tanto assim porque não pode falar assim na escola, não pode escrever assim, não pode falar numa apresentação de trabalho. E não é que essa correção esteja errada, mas é que isso faz com que a cultura se perca um pouco. Se essas palavras são faladas dessa forma e significam isso, é porque lá atrás houve algo para que elas chegassem até aqui. Houve algo para que elas se tornassem palavras importantes na nossa cultura. Isso vai caindo muito no desuso. Por exemplo, a gente cita no dicionário uma palavra, ‘bitelo’, que a gente não escuta mais falar tanto assim. É o pessoal mais antigo que fala mesmo. O pessoal mais novo às vezes nem sabe o que isso significa. Então é muito importante fazer esse registro porque a gente possibilita que gerações futuras tenham acesso à maneira de falar da época, porque não é nem de hoje, é de mais antigamente. É um resgate cultural, é uma preservação cultural. Isso no incentivo turístico é também um ponto muito bom porque faz com que as pessoas de fora compreendam um pouco a riqueza da nossa cultura.”

Na cidade mineira de Dores de Campos, a palavra ‘porteira’ é usada também como adjetivo para designar uma pessoa grosseira

Para alegria de todos nós que somos apaixonados pelo mineirês, ‘Auréio’ está indo longe. Ele foi inscrito no Prêmio Expocom (Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação), considerado o Oscar das faculdades de Comunicação no Brasil, destinado aos melhores trabalhos experimentais produzidos exclusivamente por estudantes no campo da Comunicação, e já é finalista da etapa do Sudeste (tomara que avance pra fase nacional!)

Algumas das deliciosas expressões mineiras

‘Auréio planta sementinha nas pessoas’

Atualmente ‘Auréio’ é um folder de seis páginas. 

E por que não um livreto ou uma cartilha?

Quem explica é o André. “Nosso objetivo não é colocar todos os termos que existem. O que a gente quer é passar nossa ideia e despertar nas pessoas o interesse delas buscarem mais. O folder é para plantar a sementinha nas pessoas e a partir disso elas buscarem mais.”

Termino, então, desejando boa sorte a Kethuley, Hugo e André no Expocom. E sonhando que ‘Auréio’ viralize e se transforme num lindo e gigante projeto colaborativo de rede. Que cada região mineira agregue nele suas palavras, suas expressões, sua cultura, o falar tão lindo da sua gente. Registrar nossa língua é registrar nossa história. E só preservando o passado é que a gente vai salvar o nosso futuro. 

Longa vida ao ‘Auréio’! 

E não deixe de assistir a essa divertida aula de Semiótica em Mineirês (que também podemos chamar de  A Arte de Descoisar os Trem),  apresentada pelo Hugo Michel, um dos autores do ‘Auréio’. 

Afinal, ‘Cultura é Cultura, uai’.  

Guta Nascimento - Foto: Hilreli/Divulgação - Blog do Arcanjo
Guta Nascimento – Foto: Hilreli/Divulgação – Blog do Arcanjo

Guta Nascimento é jornalista e adora trazer notícias do Novo MundoFoi diretora da Revista CLAUDIA, diretora de conteúdo da Escola de Você e do portal feminino Tempo de Mulher. Em televisão, trabalhou nos telejornais Jornal Nacional, Jornal da Globo e Jornal Hoje, da TV Globo. Baseada em Nova York, participou de grandes coberturas internacionais como a Guerra de Kosovo e o regime talibã no Afeganistão. No SBT, fez parte da equipe que, em 2005, reestruturou o departamento de jornalismo, criando o telejornal SBT Brasil. Na Record TV, cobriu grandes eventos internacionais, como as Olimpíadas de Vancouver e de Londres. Em 2014, cobriu o surto de Ebola, na Guiné Conacri, para a Band. A trabalho, conheceu o Butão e foi duas vezes ao Pólo Norte, onde se encantou com o sol da meia-noite. A passeio, subiu a pé até o acampamento-base do Everest e o topo do Kilimanjaro. Mergulhou com tubarões-baleia na Tailândia e sonha um dia tirar uma selfie no final da Muralha da China. Atualmente é nômade digital e quando a saudade de ver estrelas aperta, se refugia na @refazendarioxopoto

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Jornalista cultural influente e respeitado no Brasil, Miguel Arcanjo Prado é CEO do Blog do Arcanjo, fundado em 2012, e do Prêmio Arcanjo, desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Coordena a Extensão Cultural da SP Escola de Teatro e apresenta o Arcanjo Pod. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, R7, Record News, Folha, Abril, Huffpost Brasil, Notícias da TV, Contigo, Superinteressante, Band, CBN, Gazeta, UOL, UMA, OFuxico, Rede TV!, Rede Brasil, Versatille, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra o júri de Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de São Paulo, Prêmio Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil de Curtas. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação Nacional ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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