Un brasileño en Suiza | Por Léo Kildare Louback

Por Léo Kildare Louback
Especial para o Blog do Arcanjo
*

Por volta de 1912, quando eu estava por terminar minha faculdade de Letras Alemãs na UFMG, tivemos que ler o livro Um brasileiro em Berlim, do fabuloso João Ubaldo Ribeiro. Era um livro de crônicas simples, que contava um pouco da experiência de viver em uma cultura tão distinta da nossa, das curiosidades, dos choques, da aprendizagem que significa o confronto diário entre oposições, não só de pensamento, como de hábitos e costumes arraigados.

Acabo de me mudar pra Suíça, depois de viver quatro anos e meio em Buenos Aires. E não paro de pensar no livro do Sr. Ubaldo e, como sou obcecado pela origem das coisas, acabo de “investigar” de onde vem esse nome e com ajuda da nossa amiga de sempre Wikipedia e uns dicionários de morfologia on-line, pude rapidamente descobrir, que o nome Ubaldo, pasmem, é de origem alemã, vem de Hugbald e significa algo como “espírito atrevido”. E acabo de adorar mais o nosso Ubaldo, porque para escrever é sempre muito bem-vinda uma boa dose de atrevimento.

Coincidentemente, apesar de nascido em Contagem, na periferia de Belo Horizonte, também carrego um sobrenome alemão de origem pouco sabida, com ortografia errada pra colecionar. Na família, temos variedades muitas: Loubach, Luback, Lubach, Lobach etc. Se pronunciamos corretamente a palavra Loubach, soa como “lobar” em português ou espanhol, algo como uma loba com um soprinho no cangote no final. De repente escuto aqui Léo “Lobar” e adoro ser essa versão possível de mim, uma loba suspirando.

De repente escuto aqui Léo “Lobar” e adoro ser essa versão possível de mim, uma loba suspirando.”
Léo Kildare Louback

E assim cheguei nesse país de ricas, cheio de montanhas nevadas e vacas perto de casa. Outro dia, tava passeando pelos arredores de onde moro, e do nada me cruzei com uma manada de vacas tão penteadas, que pensei que estava invadindo um set de propaganda da Milka. Antes que o peso na consciência de ser carnívora me consumisse, acelerei o passo pra deixar as vacas lindas pra trás. Porque, né, a gente que adora carne adora fingir de boba pra não ter que lidar com o fato, de que antes do prato, elas são todas assim formosas, las vacas. E me deu tristeza.

Foi uma tristeza rápida, porque o cheiro de cocô de vaca chique que eu senti invadindo meu corpo moreno foi tão arrebatador, que tive que me segurar no final da cerca de arame farpado e sacrificar minhas mãos suaves de drag queen, pra não cair desmaiada na BR e ser morta num ato de vingança sutil (?) das colegas. Antes do possível desmaio e consequentes atropelamento e morte como indigente, não pude deixar de lembrar da casa na roça, onde até hoje vive muita gente da família alemã sem documentos e minha inspiradora mãe. O cheiro do campo, dos bichos, do café extra doce da minha avó com rapa de angu, do leite fresco saído de uma vaca solitária e sem glamour que também havia. E senti saudade. Essa palavra triste que nos abraça sempre que lembramos de nós.

E senti saudade. Essa palavra triste que nos abraça sempre que lembramos de nós.”
Léo Kildare Louback

Mi nueva saga de inmigrante recién empieza. Ustedes no saben lo que fue llegar acá en plena pandemia… pero eso es tema para otro día…

*Léo Kildare Louback é ator e multiartista, professor e tradutor de alemão formado pela UFMG com intercâmbio em Hamburgo. Mineiro de Contagem, vive na Suíça, apos morar em Buenos Aires. Participou de festivais no Brasil, Argentina, México e Cuba. Em 2013, ganhou o prêmio Marcelo Castillo Avellar do Palácio das Artes, com o projeto Como Matar a Mãe – 3 Atos, da Sofisticada Companhia. Artista colaborador do centro cultural Feliza Arco Íris, em Buenos Aires, onde atuou em diversas peças, entre elas Au Revoir Papá, de sua autoria. No cinema, esteve nos filmes Trago Seu Amor, Não Há Cadeiras, Fucking Selfie e Breve História do Planeta Verde, vencedor do Prêmio Teddy no Festival de Berlim 2019. É autor do livro Sobre Voo ou a Literatura Nasce com a Morte de um Pássaro, pela Editora Scriptum. Em breve, estreia no elenco de uma aguardada série internacional por streaming.
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Jornalista cultural influente e respeitado no Brasil, Miguel Arcanjo Prado é CEO do Blog do Arcanjo, fundado em 2012, e do Prêmio Arcanjo, desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Coordena a Extensão Cultural da SP Escola de Teatro e apresenta o Arcanjo Pod. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, R7, Record News, Folha, Abril, Huffpost Brasil, Notícias da TV, Contigo, Superinteressante, Band, CBN, Gazeta, UOL, UMA, OFuxico, Rede TV!, Rede Brasil, Versatille, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra o júri de Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de São Paulo, Prêmio Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil de Curtas. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação Nacional ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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