Ivan Sacerdote: “Caetanear neste momento de confinamento é um santo remédio”

Clarinetista que gravou disco com Caetano Veloso concede entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo

Ivan Sacerdote cumprimenta Caetano Veloso com um beijo no primeiro show juntos no Festival Universo Paralello, no litoral baiano, no último Réveillon – Foto: Lauro Medeiros/Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo

Após gravar disco em dupla com ninguém menos que Caetano Veloso, o clarinetista Ivan Sacerdote estava curtindo um dos momentos mais importantes de sua carreira como músico quando a pandemia do novo coronavírus assolou o mundo, obrigando todos a se trancarem em suas casas.

“Foi uma interrupção abrupta”, define ele ao Blog do Arcanjo a pausa obrigatória na turnê ao lado do ídolo, amigo e parceiro musical. Eles apenas conseguiram fazer um show no Réveillon no Festival Universo Paralello, no litoral baiano, e a estreia oficial do show em Salvador, em performance aplaudida de pé no lendário palco do Teatro Castro Alves em fevereiro.

Sem turnê por enquanto, o disco Caetano Veloso & Ivan Sacerdote segue nas redes, onde tem mexido com os sentimentos dos fãs nesta quarentena e embalando esperanças com a doçura deste encontro.

Direto de Salvador da Bahia, onde segue dando aulas de música online, Ivan Sacerdote, que tem mestrado em clarinete na UFBA (Universidade Federal da Bahia), concedeu esta entrevista exclusiva ao jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado. Falou de Caetano, da música, da vida, do filho. E deu uma lição fundamental: “Caetanear neste momento de confinamento é um santo remédio”.

Leia com toda a calma do mundo.

Miguel Arcanjo Prado — Ivan, a pandemia chegou no momento em que você se preparava para sair em turnê com o Caetano. Como lidou com isso?
Ivan Sacerdote —
No primeiro momento, foi um grande choque de realidade. Estávamos em um ritmo de ensaios bem intenso, e a estreia da turnê foi como cumprir um grande desafio, o primeiro de todos. O show ficou pronto e deu tudo certo no palco. As canções escolhidas, a ordem do setlist e a participação de Felipe Guedes foram coisas que conseguimos montar juntos, com muita cumplicidade e afinco. Após os dois primeiros shows no Teatro Castro Alves estávamos prontos para encarar o processo de lapidar esse show ao máximo. Eu fiquei, durante muitos dias, pensando sobre o ritmo de trabalho de um músico. A quebra nessa rotina dos palcos é algo que procuro suprir com o ensino de clarinete, algo que gosto muito e que a rotina de shows e gravações nunca me permitiu fazer. Gosto muito desse momento de dedicação exclusiva aos meus alunos. As aulas em formato online são para mim uma grande novidade e gosto de percorrer novos caminhos. A pedagogia, sem dúvida, é meu grande subterfúgio para esse momento de tantas incertezas.

Miguel Arcanjo Prado — Você nasceu no Rio, mas vive desde a adolescência em Salvador. Hoje se considera mais baiano que carioca? Por quê?
Ivan Sacerdote — Vale ressaltar que também passei parte da minha infância no Pará, terra natal de minha mãe. Foi na cidade de Santarém que dei meus primeiros passos no clarinete. Quando cheguei a Salvador, por volta de 2001, já tinha uma iniciação no instrumento e logo tive contato com as rodas de choro, orquestras, bandas sinfônicas, entre outras formações. Desde muito cedo, frequentava os ambientes musicais de Salvador. Desde a Orquestra Sinfônica da Bahia, passando pelos sons do Pelourinho e também pela Jam no MAM. Conclui-se que posso, minimamente, me considerar um soteropolitano de coração. Salvador é minha casa, não tenho pretensões de sair daqui.

Miguel Arcanjo Prado — Depois do começo da quarentena, você chegou a conversar com Caetano por telefone? Sobre o que falaram?
Ivan Sacerdote —
É sempre por e-mail. Dificilmente falo com ele ao telefone, acho que nunca o fizemos. Adoro essa maneira de me comunicar com Caetano. É muito bom ler o texto de um amigo. Caetano me trouxe isso, pra minha sorte. Conversamos sobre tudo. Logicamente, nossa última conversa foi sobre todo esse panorama em que vivemos agora e a interrupção abrupta da turnê.

Ivan Sacerdote e Caetano Veloso no primeiro show da dupla, em dezembro de 2019, no Festival Universo Paralello – Foto: Lauro Medeiros/Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo

Miguel Arcanjo Prado — Nas vésperas do Ano-Novo você e Caetano estiveram juntos no Festival Universo Paralello, no litoral baiano. Foi um dia especial para você? Por quê?
Ivan Sacerdote — Foi realmente um dia muito especial, principalmente por ser a primeira vez que tocamos juntos em um palco para o grande público. O Universo Paralello é um festival conhecido mundialmente, e a notícia do show de Caetano criou uma grande expectativa em todos nós. Público e artistas. Eu tinha a curiosidade de ver a reação das pessoas diante da música que estávamos produzindo, pois se tratava de um festival onde o enfoque era a música eletrônica. Para minha felicidade, a conexão com as pessoas presentes era visível desde a primeira música do show. Foram momentos de pura magia. Uma nova fase nesse projeto que até então ia ser restrito ao disco. Tudo era muito íntimo antes disso. Os primeiros encontros musicais, ensaios e a gravação do disco. Nosso duo nunca teve a pretensão de encarar o grande público. Minha participação ao lado de Caetano no Universo Paralello nos trouxe a confirmação de que poderíamos construir um show a partir desse diálogo.

Miguel Arcanjo Prado — Como conheceu Caetano? Como se desenvolveu o processo de se tornarem amigos e virarem parceiros musicais?
Ivan Sacerdote — Meu primeiro encontro com Caetano se deu em dezembro de 2017, após uma temporada intensa de trabalho. Nesse ano vinha tocando e produzindo bastante. Nessa empreitada de levar a clarineta para outros ambientes sonoros consegui consolidar ainda mais meu projeto solo, também explorei mais a composição e paralelamente tocava com Rosa Passos, Saulo Fernandes e Magary Lord. Também cursava o Mestrado em clarinete na Universidade Federal da Bahia. Um caldeirão de informações! Também retomei meus estudos de clarinete clássico, resgatando um repertório europeu que achava não conseguir mais tocar. Nesse hiato de descanso fui apresentado a Seu Jorge por Magary, daí iniciamos longas conversas sobre música e passamos uns dias tocando em duo, algumas coisas do vasto repertório da música brasileira que gostávamos e coincidíamos. Um dia partiu o convite de Seu Jorge para ir à casa de um amigo, tocar um pouco e bater um papo. Era a casa de Caetano Veloso e Paula Lavigne. Me senti muito feliz ao conhecê-lo pessoalmente e, alguns minutos depois, Seu Jorge sugeriu que tocássemos para ele uma versão da música Futuros Amantes, de Chico Buarque. Caetano gostou da minha interpretação e da maneira como conduzi a melodia da música para outros estilos. Ele também é assim. A partir daí passamos a conversar sobre tudo, trocar e-mails, já fomos até para shows, cinema, praia, essas coisas que, ao meu ver, fizeram com que esse trabalho se consolidasse mais rapidamente. Hoje posso dizer que nossa amizade foi o ponto de partida para a construção desse trabalho em estúdio e posterior turnê.

Ivan Sacerdote – Foto: Ligia Rizério/Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo

Miguel Arcanjo Prado — Você toca clarinete, mas na música popular. Sofreu algum tipo de preconceito no meio erudito? De que tipo?
Ivan Sacerdote — Vejo meu clarinete na música popular como um grande emaranhado de coisas que investiguei nesses últimos anos. Nunca reneguei meus anos na Universidade e minha curta carreira na música de Concerto; pelo contrário, toda essa vivência me estimulou a construir um trabalho cada vez mais sólido, disciplinado e com foco na sonoridade. A música de Concerto me deu a técnica para caminhar pelo Choro, Jazz, Bossa-nova, Samba, entre outros estilos que fui encontrando em minha história. Existem algumas falhas no ensino e aprendizado de clarinete no Brasil. Temos uma formação superior voltada somente para a pratica orquestral ou ensino acadêmico, não sobrando espaço para um clarinetista que desempenhe um papel de improvisador ou pesquisador da música popular. Sempre vi o clarinete como um instrumento que pode criar vários ambientes sonoros, desde o virtuosismo até a construção de ambientes dramáticos ou até cômicos. É a tal versatilidade do instrumento, de que tanto falam. Os clarinetistas turcos, por exemplo, tocam o instrumento de uma maneira totalmente diferente da que aprendemos aqui. Eu seria no mínimo displicente se não investigasse mais, se me atasse somente à leitura musical. Era necessário expandir os ouvidos para novos sons e me dedicar ao domínio das estruturas da música, para conseguir criar meus solos e me tornar um improvisador. Não vejo como preconceito o que se passou comigo na parte das práticas de clarinete da minha formação. Era pura desinformação mesmo. Hoje, minha luta também consiste em inserir minhas práticas dentro desse ambiente, para darmos um novo rumo para nossa formação profissional, digo dos clarinetistas brasileiros.

Miguel Arcanjo Prado — O disco seu com o Caetano é uma boa pedida pra se ouvir nessa quarentena? O que ele nos traz que é importante neste momento?
Ivan Sacerdote —
Música para mim é liberdade, amor e compromisso. Acho que conseguimos imprimir essas três coisas nesse disco. Fico muito feliz por ver essa mensagem chegar no coração das pessoas justamente quando vemos a humanidade nesse colapso social, econômico e sanitário. Estamos buscando novos rumos para depois dessa tempestade que nos assola. Fico muito feliz ao ler as mensagens que recebo de pessoas relatando o quão importante está sendo se voltar para música nesse momento. E estamos falando de Caetano, ele sempre há de nos amparar nos momentos difíceis com sua mensagem. É um artista que faz parte das nossas vidas. Caetanear nesse momento de confinamento é um santo remédio.

Caetanear nesse momento de confinamento é um santo remédio”, IVAN SACERDOTE, músico.

Miguel Arcanjo Prado — Quando essa pandemia passar você quer fazer o quê?
Ivan Sacerdote — Uma das coisas que não vou abandonar depois disso tudo é o ofício de professor. De resto, seguirei tocando meu clarinete e cuidando do meu filho Vicente, minha grande inspiração.

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1 Resultado

  1. Neuza Ribeiro de Medeiros disse:

    Fui infctada com covid 19 foi assustador ficar internada longe das pessoas .
    Já tava ruim quando me vi sozinha podia usar o celular
    Aí comerei a caetanear mas ainda
    Ouvia Caetano Veloso e Ivan Sacerdote nos momentos mas doloridos
    Quando ouvia Peter gaster Nen sei ok pensava
    Nós não somos um homem comum.pensava não vou morrer como um ser comum
    Conheci abracei e recebi um dos maiores presente dessa vida conheci Caetano Veloso
    Ainda mas sou máe de Ivan Medeiros sacerdote
    Não preciso dizer mas nada
    Não morreria como um ser comum
    (Obs, hoje tô em casa me recuperando é com muita saudade de meus filhos e neto).

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