Aos 78, Ney Matogrosso aflora juventude resistente no Coala Festival

Ney Matogrosso no Coala Festival: aos 78 anos, ele comanda a juventude resistente com sua música que venceu a censura – Foto: Divulgação – @miguel.arcanjo UOL

“Eu não acredito que esse homem tem 78 anos”, exclamava a jornalista Guta Nascimento diante da energia em riste de Ney Matogrosso. O artista fez aflorar a juventude resistente no último show do Coala Festival 2019, no segundo e derradeiro dia da grande festa da música brasileira no Memorial da América Latina, na Barra Funda, em São Paulo, na noite deste domingo (8). A coluna do Miguel Arcanjo acompanhou de perto os dois dias de evento que teve 14 mil pessoas no sábado e 12 mil no domingo.

Com sua voz límpida e corpo esbelto que exala sensualidade, Ney impôs aquela presença de palco que há quase 50 anos desconcerta o Brasil conservador, transgredindo caretices, censuras, ditaduras, sexualidades e gêneros ao mesmo tempo em que conversa de forma absurda com o novo.

No Brasil que tenta censurar HQ com dois heróis gays se beijando — este colunista se recusa a escrever “beijo gay”, já que ninguém escreve “beijo hétero”; afinal, ambos são apenas beijos de amor que devem ser tratados com igualdade e sem qualquer tipo de diferenciação, até porque a Constituição diz que “todos são iguais” —, Ney é pura resistência, é o novo amanhã com o qual sonham pessoas realmente de bem.

Ney comandou a nova geração de amantes da música brasileira de altíssima qualidade — foco da curadoria do Coala, feita por Gabriel Andrade e Marcus Preto —, provando sua vanguarda de ontem, de hoje, de sempre. “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”, fez explodir Ney o Memorial em um canto ressignificado, diante de um Brasil que volta a permitir que se quebre o ovo da serpente.

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Coala Festival, dia 2: Curumin, Saulo Duarte, Afrocidade, Chico César e Maria Gadú, Russo Papapusso, Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz e Djonga – Foto: Divulgação -@miguel.arcanjo UOL

A Bahia demonstrou sua alta potência musical — praticamente insuperável — no segundo dia do Coala, sobretudo nos shows do Afrocidade e de Letieres Leite com sua Orkestra Rumpilezz. Os novos ares da música baiana devem mote de comemoração em todo o Brasil. O público veio ao delírio quando a Orkestra Rumpilezzz trouxe novamente ao palco Russo Papapusso, vocalista do BaianaSystem, em participação especial — ele já havia deixado o público nostálgico de sua presença após o show memorável do sábado (7), quando foi destaque absoluto. Quando tocaram juntos “Lucro”, o Memorial veio abaixo, como já havia acontecido no dia anterior.

Chico César apresentou o diálogo musical e social necessário na construção de um outro Brasil possível em parceria com Maria Gadú — que pediu no microfone liberdade para Lula e Preta Ferreira —, em um show que embalou a tarde quente. Antes, passaram também pelo palco Curumin com Geovana e Saulo Duarte. Depois, o astro do rap mineiro Djonga, com seu sotaque doce e versos grandiloquentes e pontiagudos, ligou o público no 220 volts, escancarando o racismo estrutural brasileiro com seu show intitulado “Ladrão”.

Parte do bom time de DJs do domingo — que ainda contou com DKVPZ com Kevin o Chris, Ju Mineira, Mary G, Shaka e Carlos do Complexo —, coube aos meninos do Discopédia criar o ambiente sonoro necessário para a entrada de Ney pós-Djonga, fazendo o público embarcar em um túnel do tempo pelo vinil, tocando hits de nomes como as amigas Rita Lee e Elis Regina. Aliás, foi de arrepiar o momento em que o público berrou em transe coletivo junto do vinil que pulava a canção clássica de Belchior eternizada na voz de Elis, “Como Nossos Pais”, comprovando que ambos permanecem mais vivos do que nunca no coração da juventude, assim como Ney, que aos 78 anos entrou indubitável para encerrar a noite em grande estilo. Afinal, mais jovem e transgressor do que Ney, não há.

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