Morre Ruth de Souza, grande dama negra que a TV não soube valorizar
A morte da atriz Ruth de Souza, uma das mulheres mais importantes na história da dramaturgia brasileira, aos 98 anos, neste domingo (28), revela a pouca valorização que esta grande artista teve na televisão brasileira, enchendo o país não só de tristeza, mas também de vergonha e remorso.
Mulher negra pioneira nas artes cênicas e nome fundamental do teatro brasileiro moderno, tendo feito história ao lado de nomes como Abdias do Nascimento, Ruth viveu na pele o preconceito racial e o racismo estrutural brasileiro.
Na televisão, a maior parte de suas personagens era de escravas ou empregadas domésticas – que ela sempre defendeu com a dignidade de seu farto talento, eclipsando tudo ao seu redor. Mas faltou visão aos mandatários da indústria cultural nacional diante da capacidade desta atriz de interpretar papéis também fora desses estereótipos sociais, que reproduzem uma estrutura de pensamento racista: a de que o negro e a negra deve ocupar lugar subalterno até mesmo no campo da ficção.
A morte de Ruth de Souza sem o lugar que deveria ocupar na dramaturgia nacional – sua trajetória e talento a colocam ao lado de nomes como Fernanda Montenegro ou Nathalia Timberg -, enche o Brasil de vergonha e de remorso por não ter dado a Ruth de Souza o espaço no panteão das grandes estrelas, lugar que ela sempre mereceu e lhe é devido.
Personalidades lamentam morte de Ruth de Souza
“Ruth de Souza se despediu de nós na manhã deste domingo. Aos 98 anos nossa amada partiu, deixando um legado, uma história incrível e portas abertas para muitos jovens artistas negros. Foram inúmeros trabalhos que fizemos juntos, já fui filha, amiga, entre tantos papéis em produções que juntas atuamos. Aprendi muito com Ruth, muito mesmo… Há 15 dias atrás tive ainda o privilégio de gravar uma cena com Ruth, para um filme que ainda vai estrear, tenho quase certeza que foi esse o último filme dela, ou seja, Ruth partiu fazendo aquilo que mais amava! Descanse em paz minha amada. Imortal. Lendária. Icônica.”
Zezé Motta, atriz
“Lamento profundamente a perda da nossa admirada e pioneira atriz neste domingo. Ruth de Souza: minha referência, minha ancestral. Os olhos mais profundo e lindos do mundo!”
Aysha Nascimento, atriz e bailarina
“Queria poder reencontrá-la mais uma vez para agradecê-la, também mais uma vez, por ter existido e se tornado a grande referencia que sempre será para todos nós. Agradecê-la pela generosidade de sua participação em três trabalhos meus “Eu, Mulher Negra” (1994), “A Negação do Brasil” (2000) e “Filhas do Vento” (2004). Este último filme deu-lhe seu primeiro Kikito de melhor atriz. Ruth sempre foi super carinhosa comigo. Sempre me ligava para saber como eu estava, para me cobrar uma visitinha. E eu sempre tinha o prazer de tomar um whisky em sua casa e partilhar de longas conversas. Queria ter tido este prazer mais uma vez. Obrigado Ruth. Você é eterna!”
Joel Zito Araújo, cineasta
“Ruth de Souza foi pioneira nas artes em geral: se tornou a primeira atriz brasileira a receber indicação num festival internacional de cinema (Leão de Ouro, 1954) pela atuação em “Sinhá Moça”, foi a primeira atriz negra a subir no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, e a primeira atriz negra a protagonizar uma novela (Cabana do Pai Tomás, 1969), atuou em mais de 30 filmes… Somente há uns dez anos artistas e pesquisadores, principalmente negros, conseguiram passar a dar destaque devido à importância de Ruth para as artes do teatro, cinema, teledramaturgia. Esse reconhecimento tardio tem a ver com racismo institucional que também está no campo das artes. Equipamentos culturais, o cinema, e a TV têm de reconhecer artistas como Ruth ainda quando vivos também. Agora é continuar os passos que Ruth abriu.”
Mariana Queen, jornalista e mestre em cinema pela USP
“Morre a história de um país com a morte de Ruth de Souza. Ela viveu a modernização do teatro, o surgimento de um cinema novo, o ressurgimento de uma certa identidade nacional. Apesar de toda a truculência racial, figurou humanidades. A nossa dama maior. A nossa baluarte. Uniu elegância, ímpeto dramático, consciência de raça e de discriminação. Seus personagens sempre foram mais importantes que sua vida privada. Uma atriz. Uma mulher que atravessou o tempo. Com 88 anos, ela se deslocou do Rio de Janeiro, em um ônibus, e veio participar de uma mesa que discutiu o lugar dos negros nas artes dramáticas. Éramos jovens, ela veio a São Paulo, recebeu nossa homenagem na USP, nas dependências da Escola de Arte Dramática da ECA e depois desta data estava efetivamente formada a Cia Os Crespos. Somos gratos. Voa Dona Ruth.”
Sidney Santiago Kuanza, ator
“Ruth de Souza teve uma carreira com importantes capítulos de resistência. Ela foi mestra em subverter o roteiro que tinha em mãos e acrescentar camadas de ambiguidades latentes, mesmo que a superfície dos papéis que obteve, fosse racista de modo manifesto. Foi assim que Ruth de Souza conseguiu uma histórica indicação ao prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza em 1953 com a obra Sinhá Moça, principal produção da extinta Vera Cruz.”
Viviane Pistache, roteirista
“Grande perda para o teatro, o cinema e a televisão no Brasil com a morte da grande atriz Ruth de Souza neste domingo. O céu tem hoje uma luz maior. Uma Estrela Negra!”
Roberto Francisco, ator
“Ruth de Souza, primeira atriz negra que construiu carreira no teatro, cinema e na televisão brasileira, acaba de falecer, aos 98 anos. Dona Ruth foi a primeira atriz brasileira indicada a um prêmio internacional de cinema. Ela é preciosa. Obrigada por tanto, dona Ruth.”
Maju Coutinho, jornalista e apresentadora
“O Brasil lamenta profundamente a morte de Ruth de Souza. Dona Ruth abriu caminhos pra todos nós, uma referência de resistência e existência. Em tempos também difíceis fez sua estrela brilhar. E com que elegância. Maravilhosa.”
Raphael Garcia, ator
“Morreu Ruth de Souza, a primeira grande atriz negra do teatro brasileiro. Na foto, em Otelo de Shakespeare, na montagem do Teatro Experimental do Negro, em 1949, com Abdias do Nascimento, outro gênio. Seu legado é fundamental para todos nós hoje.”
Rodolfo García Vázquez, diretor
“Ruth de Souza é um dos faróis que nos trouxe até aqui. A presença dela que garantiu nossa permanência na arte, nos palcos. O legado dela deve ser assumido por nós para que outros artistas negros consigam também estar onde ela esteve e onde estamos agora, contando nossas histórias.”
Rodrigo Jerônimo, ator, diretor e dramaturgo
“Ela veio antes de todas nós. Ela veio antes da Chica Xavier, ela veio antes da Lea Garcia, antes da Zezé Motta. Ela veio antes de muitas antes de nós. Sempre com um talento arrebatador, um profissionalismo pra se destacar, um encanto e um respeito pela profissão, quando essa profissão não era respeitada, quando atrizes não eram respeitadas nem admiradas. Ela abriu todas as portas, ela escancarou essas portas.”
Taís Araújo, atriz
“Foram 98 anos de luz e luta, abrindo caminhos para a existência de uma cena negra no Brasil. Ruth, a dama negra do teatro, cumpriu a mais nobre missão: criar um mundo melhor para cada negra e negro que viria, depois dela, ter o teatro como ofício.”
Marcos Fábio de Faria, dramaturgo e professor universitário
“Ficamos sem a grande atriz Ruth de Souza, baluarte da nossa cultura. A estrela maior do Teatro Negro Brasileiro foi brilhar no Orum. Ruth de Souza, agradeço por sua existência e por ser referência de arte e luta. Axé.”
Flávio Rodrigues, ator
“Foi-se a querida Ruth de Souza. Tenho algumas passagens divertidas e emocionantes com ela, mas talvez a mais impressionante tenha sido ficarmos presos num elevador no almoço do Cônsul Americano. Ruth não queria usar o elevador e eu a convenci dado o grande número de andares. Ela sofria de claustrofobia. É claro que o elevador parou e eu tive que encarnar o Dalai Lama para acalmá-la. No fim acabamos rindo da história. Foi uma diva e um ícone de sua geração. Graças a ela muitas portas se abriram. Que descanse em paz. Receba um beijo afetuoso e minha admiração.”
Miguel Falabella, ator, autor e diretor
“Nunca vou me esquecer da noite em que conheci a Ruth de Souza. Ela, com então 97 anos, “apenas” dirigiu a luz do vídeo gravados pelo Atilon Lima e por mim em apoio à candidatura do Flávio Serafini a deputado estadual do Rio de Janeiro. Nessa noite, instantes antes de sairmos da sua casa, ela me abraçou e disse que meu vestido florido era lindo e que eu estava muito bonita. Que essa deusa das artes cênicas, que abriu tantos caminhos, continue luz! Evoé!”
Annelize Tozetto, fotógrafa
“Hoje perdemos Ruth de Souza, primeira atriz negra que construiu carreira na televisão brasileira. Obrigada por ter aberto tantas portas. Ficamos com a responsabilidade de manter seu legado sempre vivo.”
Lucy Ramos, atriz
“A grande atriz e dama da dramaturgia Ruth de Souza: pessoa que eu gostaria de ter tido a honra de fotografar, só para ter o exemplo de como colocar um Mundo numa imagem.”
Nego Júnior, fotógrafo
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Leia: TV deu a Ruth de Souza menos do que ela merece
A atriz Ruth de Souza na juventude: grande parte de seus papéis na TV foi de empregada ou escrava – Foto: Acervo Folhapress