Opinião: SP Escola de Teatro nas mãos de quem a fez é única decisão justa
Há exatos dez anos, o grupo de artistas que mudou a história da praça Roosevelt no centro de São Paulo, transformando o lugar violento e perigoso em um epicentro cultural, turístico e de convivência social democrática por meio do teatro, deu início ao sonho de criar aquela que seria a instituição teatral brasileira mais festejada hoje no mundo: a SP Escola de Teatro.
Como todo projeto bem sucedido, além de glórias e honras, ela agora também desperta interesse de quem nada tem a ver com sua história. Nos próximos dias, ocorre importante decisão sobre o futuro da SP Escola de Teatro: se continuará sendo gerida pelos seus criadores, gente apaixonada que dedicou toda sua vida ao projeto, ou se passará às mãos de forasteiros cobiçosos do êxito alheio.
Como fortemente manifestado nas redes sociais nos últimos dias, a classe teatral brasileira espera que a decisão tomada seja a primeira e que é a única justa: deixar que a SP Escola de Teatro permaneça nas mãos da equipe sob direção do ator Ivam Cabral, doutor em artes cênicas pela USP justamente defendendo seu sonho chamado SP Escola de Teatro em forma de tese, além de ser fundador da Cia. de Teatro Os Satyros, grupo em atividade ininterrupta e efervescente há três décadas, e ainda também escritor e cineasta, homem das artes fartamente reconhecido e premiado.
Gerido pela Adaap, a Associação dos Artistas Amigos da Praça — que tem em seu conselho nomes respeitados pela pela classe artística como Danilo Santos de Miranda (Sesc São Paulo), Eduardo Saron (Itaú Cultural) e Leandro Knopfholz (Festival de Teatro de Curitiba) —, o projeto foi inaugurado em 2010, tendo à frente gente como os artistas do grupo Os Satyros Ivam Cabral, Rodolfo García Vázquez, Cléo De Páris e Alberto Guzik, este último também importante crítico teatral, que morreu justamente quando a escola foi inaugurada.
Desde então, a SP Escola de Teatro seguiu em frente, buscando diálogo com praticamente toda a cena teatral brasileira, a quem influenciou fortemente nesta última década. E ainda criou pontes internacionais que se concretizaram em projetos de intercâmbio pedagógico com outros grandes centros teatrais que vão da Bolívia à Suécia, da Inglaterra à Finlândia, com quase 40 estudantes brasileiros enviados mundo afora.
Os números da SP Escola de Teatro impressionam. Até 2017, cerca de 800 alunos foram formados pela instituição, muitos dos quais estão trilhando hoje suas carreiras nos palcos, telas e bastidores do teatro, cinema e televisão, após saírem de seus oito cursos formativos regulares gratuitos (atuação, direção, humor, iluminação, sonoplastia, técnicas de palco, dramaturgia e cenografia e figurino). Seu processo seletivo hoje é tão disputado quanto os vestibulares das grandes universidades públicas.
O projeto pedagógico da SP Escola de Teatro, hoje copiado no Brasil e no mundo, ainda busca estar perto da sociedade, com atividades formativas livres em sua extensão cultural — foram cerca de 6,5 mil vagas oferecidas —, fora as centenas de artistas que fizeram residência em seus espaços.
A SP Escola de Teatro ainda tornou o estudo das artes cênicas algo menos elitista e mais inclusivo, com seu Programa Kairós, com bolsas para alunos mais vulneráveis, para que possam se manter durante o curso. Outro importante feito foi ter colocado em seu quadro de funcionários trabalhadores trans, que atuam na recepção da escola, fazendo de seu cartão de visita um emblema pioneiro na inclusão e do combate ao preconceito.
Como sabemos que o Brasil é um país sem memória, é preciso lembrar tais fatos concretos para se chegar a uma conclusão simples, sábia e justa: o melhor para a SP Escola de Teatro é seguir nas mãos de quem a fez e ama este projeto. A história do teatro brasileiro recente sabe disso muito bem.
Por Miguel Arcanjo Prado