​Gravar Sem Censura é negar seu nome e sua história

Pedro Cardoso no “Sem Censura”: saída polêmica do ator ao vivo provocou mudanças no programa que ferem seu nome e sua origem – Foto: Reprodução

Por Miguel Arcanjo Prado

Não faz sentido a TV Brasil e a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), empresas públicas, decidirem gravar previamente o programa “Sem Censura” após o episódio polêmico ator Pedro Cardoso, que deixou a atração ao vivo nesta quinta (23). A notícia foi dada pelo repórter Luciano Guaraldo, do Notícias da TV, site parceiro do UOL.

Gravar a atração para ter a possibilidade de editar as entrevistas é negar o nome do programa e sua história. Afinal, ele se chama “Sem Censura”, e não “Com Censura”.

O programa sempre foi ao vivo e é um dos marcos da história da televisão brasileira, sobretudo nos áureos tempos sob comando de Leda Nagle, que ficou à frente da atração por 20 anos de seus 32 anos de história, até ser demitida em 2016.

No “Sem Censura”, artistas e outros representantes da sociedade civil sempre tiveram total liberdade de discurso, daí seu nome. Seu antigo formato de arena sempre incentivou os convidados a participarem do debate.

Leda Nagle fez história no comando do “Sem Censura”: formato arena incentivava o debate entre os convidados e o público em casa – Foto: Divulgação

O “Sem Censura” tem histórico fortemente ligado aos artistas e à redemocratização do Brasil.

Muitos dos que já foram entrevistados, ao vivo, lutaram contra a censura durante o regime militar.

Criado em 1985 por Fenando Barbosa Lima, então diretor da TVE, o “Sem Censura” surgiu justamente no momento em que o país via o fim da ditadura militar, após 21 anos de regime totalitário, e o começo da redemocratização.

Após anos de chumbo e censura, a ideia do programa era promover um espaço livre na TV aberta no qual o debate da sociedade civil fosse real, e o público pudesse participar de forma interativa, no começo por telefone e fax, mandando sua opinião aos convidados, que também poderiam debater entre si.

Grandes nomes da cultura, da política e da sociedade passaram pela atração, como Jorge Amado, Zélia Gattai, Betinho, Dercy Gonçalves, Hebe Camargo, Ivo Pitanguy, Tom Jobim, Maria Bethânia, Leonel Brizola e até a estrela argentina Mercedes Sosa, entre outros.

“Oportunidade de expressar o que sentem”

A própria definição do programa “Sem Censura”, ainda presente em sua página oficial até a escrita deste texto, diz: “O Sem Censura é, ainda, prestação de serviços, formador de opinião, sem privilegiar correntes políticas. O programa dá a todos, convidados e telespectadores, a oportunidade de expressar o que sentem”.

Assim, gravado previamente para ter a possibilidade de censurar as falas dos convidados é o mesmo que matar o programa e toda sua trajetória de sucesso.

Definição do programa “Sem Censura” em sua página oficial até a publicação deste texto – Foto: Reprodução

Nesta quinta (23), indignado ao saber da greve dos funcionários da TV Brasil, Pedro Cardoso afirmou ao vivo que se retiraria do palco do programa e ainda criticou o atual comando da EBC e o governo federal.

Cardoso ainda criticou o fato de o presidente da EBC, Laerte Rímoli, ter ridicularizado publicamente uma fala da atriz Taís Araújo sobre seu filho sofrer preconceito por ser negro.

Katy Navarro, jornalista que comandava o programa no lugar de Vera Barroso, que está em férias, afirmou respeitar a fala de Cardoso e também sua decisão de deixar o programa ao vivo. Fez muito bem em não censurar um convidado justamente no programa que se chama “Sem Censura”. E assim deveria permanecer.

Atualizado às 18h33: Segundo o site Notícias da TV, após a repercussão negativa da decisão de gravar o “Sem Censura”, a TV Brasil voltou atrás e decidiu manter o programa ao vivo, como sempre foi.

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