Zé Celso perde para Silvio Santos e promete reagir

Zé Celso, no Teat(r)o Oficina: Condephaat autorizou Grupo Silvio Santos a construir torres que vão tapar a vista do janelão do teatro considerado pelo The Guardian o mais belo do mundo – Foto: Julia Chequer

Por Miguel Arcanjo Prado

Em votação realizada na manhã desta segunda (23), o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) tomou decisão favorável à construção de torres no terreno que pertence ao Grupo Silvio Santos e que fica ao lado do Teat(r)o Oficina. Foram 15 votos favoráveis às torres e sete contrários.

“Foi um golpe contra a cultura, o Teat(r)o Oficina e o bairro do Bixiga”, afirmou José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, ao Blog do Arcanjo do UOL, sobre a nova decisão do Condephaat.

“Ano passado o Condephaat reprovou as torres do Silvio Santos, mas este ano ele voltou com um advogado que teve a coragem de afirmar que nós tínhamos construído um teatro ilegal com o janelão. Faz quase 60 anos que estamos naquele lugar, eu faço teatro há quase 60 anos”, afirmou o diretor de 80 anos.

O Oficina luta há 37 anos para que o terreno em seu entorno seja tombado, alegando que prédios tirariam a visão da grande janela do teatro projetado por Lina Bo Bardi e Edson Elito, que dá para o bairro do Bixiga e a cidade de São Paulo, com os quais as peças do grupo dirigido por Zé Celso dialogam. Segundo o Oficina, com a construção de torres no terreno ao lado, o teatro histórico ficará “encaixotado”.

O grupo propõe que o teatro no seu entorno se torne um parque público, com teatro ao ar livre.

Oficina vai recorrer

O Oficina vai recorrer da nova decisão do Condephaat, que no ano passado havia sido contrário às torres, mas voltou atrás nesta segunda (23), após nova ação do Grupo Silvio Santos.

“Vamos recorrer. Vamos pedir uma revisão desta decisão do Condephaat e também vamos entrar com ações no Ministério Público Federal e Estadual”, afirmou a atriz Camila Mota, vice-presidente da Associação Teatro Oficina Uzyna Uzona.

Silvio Santos, Zé Celso, Eduardo Suplicy e João Doria em reunião ocorrida em agosto: sem acordo sobre o terreno ao lado do Oficina – Foto: Divulgação

Sem troca de terrenos

Chegou-se a cogitar a possibilidade de troca do terreno ao lado do Oficina, que seria intermediada pela Prefeitura de São Paulo, dando ao Grupo Silvio Santos outro terreno em troca. Houve uma reunião em agosto deste ano, unindo Silvio Santos, Zé Celso e prefeito João Doria. Contudo, segundo Zé Celso, o acordo não foi adiante.

“O Silvio Santos não quer trocar terreno, ele agora quer expulsão da gente pobre do Bixiga. Querem exterminar e matar esse bairro que é vivo e deu origem ao teatro contemporâneo brasileiro. É um crime fazer isso, é um genocídio que não pode acontecer”, declarou Zé Celso.

“Estou encenando ‘O Rei da Vela’ outra vez, 50 anos depois, uma peça que foi escrita por Oswald de Andrade na época da ascensão do nazismo e do fascismo. O ambiente do Brasil hoje é idêntico a esse, mas vamos resistir e reagir”, prometeu Zé Celso.

O Oficina lançou a hashtag #ficaoficina para quem desejar manifestar apoio à companhia nas redes sociais.

Outro lado

Procurado pelo Blog do Arcanjo do UOL, o Condephaat enviou a seguinte nota:

“Na reunião do Condephaat desta segunda-feira, 23 de outubro, o conselho do órgão decidiu favoravelmente ao recurso apresentado pelo Grupo Sílvio Santos para construção na área localizada no entorno do Teatro Oficina, com 15 votos favoráveis e 7 contra, obtendo assim maioria qualificada necessária para tal decisão. Desta maneira, o Grupo pode dar prosseguimento ao processo de obtenção do alvará para realização da obra. A decisão do Condephaat não isenta o Grupo Sílvio Santos de solicitar a aprovação dos demais órgãos competentes, incluindo os de preservação – Conpresp e IPHAN – uma vez que o local também é tombado nas esferas municipal e federal. Demais detalhes da discussão serão publicados em ata no Diário Oficial do Estado.”

O Grupo Silvio Santos não se manifestou sobre o caso, tampouco a Sisan, construtora responsável pelas torres.

Veja como foi estreia de “O Rei da Vela”

Teatro Oficina, eleito o mais belo do mundo pelo The Guardian, visto do terreno onde o Grupo Silvio Santos quer construir as torres que vão tapar seu janelão que dialoga com São Paulo – Foto: Mário Pizzi/Divulgação

Mais belo teatro do mundo

Fundado em 1958 e reconhecido internacionalmente, o Teat(r)o Oficina é o mais longevo grupo de teatro do Brasil e completará 60 anos de trajetória em 2018, sempre sob comando de Zé Celso.

Sua sede, projetada por Lina Bo Bardi, mesma arquiteta do Masp, em parceria com Edson Elito, rendeu ao lugar o título de o mais belo teatro do mundo, concedido pelo jornal inglês The Guardian em 2015.

A arquitetura conta com uma enorme janela de vidro que dialoga com o bairro do Bixiga e a cidade de São Paulo, que agora corre o risco de ser tapada pelas torres.

A disputa do terreno ao lado do Oficina para empreendimentos imobiliários inspirou a série “Castelo Rá-Tim-Bum”, da TV Cultura, na qual o Dr. Abobrinha vivia visitando o castelo mágico para tentar vendê-lo e construir prédios no lugar.

Pascoal da Conceição, ator que interpretou Dr. Abobrinha na série infantil, com várias passagens pelo elenco do Oficina, acompanhou com pesar a reunião do Condephaat nesta segunda. “Perdemos essa batalha, mas a luta continua”, afirmou.

Fernanda Montenegro mandou carta de apoio ao Teat(r)o Oficina de Zé Celso – Foto: Annelize Tozetto/Clix

Apoio de Fernanda Montenegro

No último sábado (21), quando estreou a peça “O Rei da Vela” no Teatro Paulo Autran do Sesc Pinheiros, Zé pediu ajuda à sociedade para preservar o Oficina e o terreno no seu entorno. E reiterou o apoio dado por Fernanda Montenegro, que lhe enviou uma carta, ressaltando o trabalho artístico do grupo e seu teatro.

“A partir desse Bexiga, dessa Oficina, o Zé nos traz o desassossego mais provocador, mais tonitruante, mais triunfante de São Paulo e do Brasil culturalmente falando. O Oficina dá ao Bexiga a dimensão da inquietação da Arte na vida e projeta esse bairro à altura da cidade de São Paulo e do País. O Oficina é um marco histórico, cultural, visceral de uma Cidade, de um Estado. O que pretendem pôr no lugar? A desgraça do nada? A lama do nada?”, declarou Fernanda Montenegro.

Veja como foi estreia de “O Rei da Vela”

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