Artistas acusam Tribunal de Justiça de censurar peça por ter palavrões e nudez

Produção de Dissecar uma Nevasca acusa Tribunal de propor cortes à peça – Foto: Ligia Jardim

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

A peça Dissecar uma Nevasca teria sofrido censura pela presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, segundo os artistas que participam do espetáculo. O presidente da instituição é José Renato Nalini.

A obra faria temporada na sede do Tribunal de Justiça, que fica na Sé, região central da capital paulista, entre 7 e 29 de março, dentro do projeto Arte e Cultura no TJ.

Segundo André Canto, produtor da peça, a obra “foi censurada pela presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”. De acordo com seu relato em uma rede social, a peça vinha sendo negociada desde outubro.

“Há poucos dias do início dos ensaios eles solicitaram cortes de palavrões no texto e o corte da cena de nudez. Como nós negamos, eles cancelaram a temporada”, afirma Canto.

A peça cumpriu temporada, sem cortes, no Sesc Belenzinho, em janeiro deste ano. Ela é inspirada na história da rainha Cristina da Suécia (1626-1689), que herdou o trono com seis anos de idade, com texto da sueca Sara Stridsberg. A montagem é dirigida por Bim de Verdier, que também atua na obra como a Rainha Mãe. Nicole Cordery faz o papel da Menina-Rei. Ainda estão no elenco André Guerreiro, na figura do Poder, Renato Caldas, como o Rei Morto, Daniel Ortega, como o Filósofo, Daniel Costa, como Luve, e Rita Grilo, como Belle. A trilha foi composta em Estocolmo por Leo Correia de Verdier.

O R7 procurou a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que enviou a nota abaixo:

“O presidente José Renato Nalini em momento algum solicitou cortes na peça em razão de cenas de nudez. Ele foi ver o espetáculo e só não concordou com a apresentação no Palácio da Justiça porque, além das limitações físicas do prédio para espetáculo de tal envergadura, a apresentação nos finais de semana foge às diretrizes adotadas em razão da necessária economia de água e despesas extras que viriam com horas-extras aos funcionários da administração e segurança do TJSP. Essa situação não foi retratada no ofício encaminhado à direção da peça, por se tratar de questões administrativas.

Se a solicitação foi feita, o foi por pessoas encarregadas de trazer os espetáculos para o projeto Arte e Cultura no TJ que, inadvertidamente, podem ter imaginado que o espetáculo, mais curto e sem cenas de nudez, tivesse condições de ser apresentado em dias de semana, tal qual tem acontecido em todas as apresentações do Arte e Cultura no TJ.”

Censura

Na época da ditadura militar (1964-1985) era comum a censura de obras artísticas por conta de nudez, palavrões ou mesmo interpretações subjetivas que não condiziam com a “moral e os bons costumes”, como diziam na época os censores.

Artistas como José Celso Martinez Corrêa, Dias Gomes, Chico Buarque e Milton Nascimento sofreram na pele a censura de suas obras. O fim da censura foi uma das maiores conquistas com a redemocratização do País.

Caso Edifício London

Este não teria sido o primeiro caso de censura de um espetáculo teatral nos últimos tempos.

Em março de 2013, a peça Edifício London foi proibida de estrear no Espaço dos Satyros 1, em São Paulo, por conta de uma decisão judicial.

O nome da obra é uma referência ao prédio de onde foi atirada a menina Isabella Nardoni em 2008 pelo pai e a madrasta. A obra artística é inspirada na notícia do crime, fartamente explorada pela mídia, fazendo analogia com outras tragédias da história do teatro, como Macbeth, de Shakespeare, e Medeia, de Eurípedes.

Mesmo afirmando ter feito uma obra de ficção, apenas inspirada em um fato real, o autor, Lucas Arantes, foi condenado em 2014 a pagar R$ 20 mil de indenização por danos morais para a mãe de Isabella, Ana Carolina Jatobá. O advogado do escritor recorre da decisão. A Justiça ainda tirou de circulação o livro com o texto da peça, editado pela Editora Coruja.

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3 Resultados

  1. ANTÔNIO MARQUES disse:

    Diante do que foi exposto, não vejo motivo algum de a peça “Dissecar uma Nevasca” seja censurada ou que retirem partes do seu contexto, lembre-se que, quando se retira partes de algum texto, ele pode perder o sentido e/ou a sua essência. Vale lembrar que vivemos no século XXI e isso acontecia, como foi bem argumentado por Miguel Prado, na época da ditadura militar (1964-1985) em que obras, filmes e peças teatrais eram censurados, por conta de palavrões e/ou nudez (no palco). Tive, em 2014, o privilégio de assistir a uma peça teatral fantástica “Nem mesmo todo o oceano”, peça de Inez Viana (atores: Jefferson Schroeder, Leonardo Brício, Zé Wendell, entre outros). O Drama, baseado no texto homônimo de Alcione Araújo, retrata os instantes que antecederam ao golpe militar e os primeiros momentos de repressão da ditadura no Brasil (na peça há nudez). Nem por isso, seja motivo de censurar. Deixo bem claro a minha opinião, de que censurar a peça seja ridículo, uma vez que vivemos em um País democrático, ou será que temos que passar por outro momento de (re) democratização do País?

  2. Phillipe disse:

    Aplaudo enfaticamente a muito bem acertada decisão do Tribunal de Justiça paulista, que recebe todo o meu respeito. Se houvesse nudez ali, criar-se-ia todo um estardalhaço naquele lugar que deve primar pela seriedade. Não se trata de censurar, mas de adequar o texto e a peça a um determinado lugar que tem uma função primordial. A peça passaria apenas uma temporada ali, já que o objetivo ali é outro – o que não significa que não possa haver encenações teatrais por lá -. Não houve censura, mas houve, sim, adequação do conteúdo ao local, considerando a finalidade última da existência daquele lugar. E quer saber? Acho ótimo! Estou cansado dessa banalização do sexo e da nudez (não estou dizendo que seja o caso da peça, que por sinal nem conheço; minha crítica aqui é genérica) apenas por puro interesse financeiro ou para gerar publicidade midiática. Não é à toa que se diz que “sexo vende”. Para mim, se uma peça for realmente ótima, excelente de verdade, ela é capaz de se sustentar sem sexo ou nudez. A nudez, quando bem incorporado, pode até ficar bonita e contextualizada, mas, sejamos sinceros, não é o que se vê por aí. E existe também a questão de que, num local público, ninguém é obrigado a ver a nudez alheia. Se a pessoa aceita isso, que vá para um espaço privado e veja o quiser ver (se for maior de idade, obviamente); do contrário, impor cenas de nudez para quem não tem o mínimo interesse em vê-la é, sim, atentatório à vergonha e ao pudor alheios e portanto merece ser coibido. Aplausos de pé ao Tribunal de Justiça paulista!

    • Igor disse:

      Apenas para esclarecer, a “nudez” a que todos se refere é uma cena onde a protagonista tira a blusa e passa tinta nos seios que estariam para ser “amputados” para que ela assim deixasse de ser mulher e pudesse governar como rei. Ela fica sem a blusa por 7 seg. e depois mais uns 2 minutos com os seios pintados de tinta… até que o mesmo seja enfaixado… a classificação indicativa do espetáculo é 16 anos…
      O mais curioso é que esta cena existia desde outubro quando funcionários do Tribunal de Justiça foram assistir a um ensaio e nada foi dito. Esta cena existia quando funcionários foram na estréia em Janeiro e nada foi dito e também existia quando o próprio presidente do TJ foi assistir ao espetáculo em Janeiro e nada foi dito… Mas aí 15 dias antes da estréia resolveram falar.

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