Crítica: Com Baryshnikov e Dafoe, Wilson traz o absurdo com pitada surreal em The Old Woman

Willem Dafoe e Mikhail Baryshnikov estão na nova peça de Bob Wilson em SP – Foto: Lucie Jansch; veja galeria

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

Certo frenesi tomou conta da classe artística e do público teatral paulistano nos últimos dias. Todos imbuídos de um só objetivo: ver a peça The Old Woman (A Velha), de Robert Wilson, ou apenas Bob Wilson para os mais íntimos, e depois exibir o ingresso nas redes sociais, é claro.

The Old Woman fica em SP até 3/8 – Foto: Lucie Jansch

Nos novos tempos é preciso provar que realmente esteve em uma das disputadas sessões no Teatro Paulo Autran do Sesc Pinheiros. Vai que alguém duvida.

Também pudera tamanho afoitamento: o novo espetáculo do diretor texano traz um duelo cênico potente entre dois grandes nomes das artes cênicas: o russo Mikhail Baryshnikov, considerado um dos maiores bailarinos da história, e o ator estadunidense Willem Dafoe, estrela do cinema e também do teatro, já que foi integrante até 2005 do cultuado grupo nova-iorquino The Wooster Group.

Wilson, que já virou habitué da cena paulistana após bem-sucedida parceria com o Sesc São Paulo, desta vez apresenta uma obra de ritmo desconexo, mergulhada no absurdo, mas, ainda assim, presa de alguma forma à estética que dá fama ao diretor há quatro décadas.

Como bem definiu Zé Celso na semana passada, Bob Wilson é um artista plástico do teatro. E é bom lembrar que, apesar de ele estar há tanto tempo na estrada teatral, boa parte do público brasileiro só agora tem oportunidade de ver seu trabalho de perto. Assim, é até compreensível o deslumbre.

Mesmo tendo duas estrelas a seu dispor, Wilson as trata como marionetes, por mais que haja uma rebelião interna em cada uma delas. As 12 cenas-instalação são comandada pela figura de dois palhaços, diferentes e iguais ao mesmo tempo.

A sofisticação está no cenário minimalista de pitadas surreais, bem como na luz bem marcada de A.J. Weissbard ou nos figurinos de Jacques Reynaud – com a dupla usando o mesmo surrado terno, mas com gravatas diferenciadas: a de Dafoe é borboleta, a de Baryshnikov, tradicional.

Dafoe e Baryshnikov fazem dupla no palco do Teatro Paulo Autran, em SP – Foto: Lucie Jansch; veja galeria

A peça foi criada a partir do livro escrito pelo russo surrealista Daniil Kharms, que morreu de fome em 1942 em um hospital psiquiátrico de Leningrado (hoje São Petersburgo), então cercada por tropas nazistas.

Mas, apesar de começar a obra justamente com um texto sobre a sensação cortante da fome, Wilson imprime ironia perspicaz ao espetáculo, ao estabelecer um jogo de sentido com o espectador, aproximando-se neste absurdo do surreal do próprio autor, a quem o próprio Wilson confessou não ter entendido bulhufas. E esse desentendimento desesperado acompanha a montagem.

Peça de Bob Wilson foi inspirada por livro de russo surrealista – Foto: Lucie Jansch; veja galeria

Se alguém aí exige uma dramaturgia linear tudo gira em torno de um escritor que encontra um cadáver de uma velha em seu apartamento. Pode ser uma dessas que caem pela janela. Ele resolve, então, guarda-lo em uma mala, com a qual parte em uma viagem de trem, onde a mala desaparece. Simples assim.

Em meio a esta simplicidade caótica, próxima ao desenho animado, observações ferinas surgem, como sobre a afetação feminina, as crianças com seu excesso de movimentação irritante ou mesmo a impossibilidade de contar até oito. Nos devaneios cabem até teoremas geométricos. É tudo um delírio, e os dois atores em cena embarcam no jogo proposto pelo diretor.

A entrega de ambos é total. Há trabalho evidente. E mais: conseguem colocar-se também como artistas diante da redoma que as obras de Wilson têm. Mesmo amarrados ao rigor técnico, Baryshnikov e Dafoe apresentam novas propostas e dialogam o tempo todo: com a obra, com o público, com o autor e com o severo diretor. Estão presentes, se divertem.

Há um ar cartoon na mútua destruição, tal qual Tom & Jerry, seguida do riso, da fuga permanente, do recurso das reiterações. Tem espaço até para o canto e a dança, humanos e patéticos em sua espetacularização. Até porque a realidade achata a vida. E o surrealismo imerso no absurdo a liberta de todos os limites, como é próprio do teatro.

The Old Woman (A Velha)
Avaliação: Muito bom
Quando: Quarta a sexta, 21h; sábado, 16h e 21h; domingo, 18h. 100 min. Até 3/8/2014
Onde: Teatro Paulo Autran do Sesc Pinheiros (r. Paes Leme, 195, metrô Faria Lima, São Paulo, tel. 0/xx/11 3095-9400)
Quanto: R$ 60 (ingressos esgotados)
Classificação etária: 14 anos

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4 Resultados

  1. Sérgio Maggio disse:

    Miguel, belíssíma crítica daquelas que levam o leitor à memória da sessão que se foi e ficou registrada em sua pele de narrador das cenas. Abs

  2. Phillipe disse:

    Concordo com Sergio Maggio. Ótima crítica, Miguel!

    • Miguel Arcanjo Prado disse:

      Obrigado, Phillipe!

    • Phillipe disse:

      De nada. A crítica estava realmente maravilhosa. Com todo esse deslumbramento em torno da peça, sua crítica foi corajosamente isenta, muito bem redigida e feliz do início ao fim.

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