Teatro de Rua: Buraco D’Oráculo mostra exploração do trabalhador para espantar pobreza e solidão

Cena do espetáculo de rua Ópera do Trabalho, do grupo paulista Buraco D’Oráculo – Foto: Romison Paulo/Divulgação Buraco D’Oráculo

Por CARLOS ROGÉRIO GONÇALVES DA SILVA*
Especial para o Atores & Bastidores

Em meio ao ruído das buzinas, motores e à passagem de som feita pelas atrizes e atores do Buraco D’Oráculo – instantes antes do início da apresentação de Ópera do Trabalho – um barulho enervante de uma corneta, daquelas de festas infantis, se destacava.

Seu dono, menino negro, pobre e só, divertia-se circulando com alarde entre os apressados transeuntes de vários perfis – de office boys a executivos. Fazia seu espetáculo particular entre os curiosos e o público jovem que aos poucos se acomodava no chão da Praça do Patriarca, cenário do espetáculo no centro paulistano.

Concebido para homenagear José Bonifácio de Andrada e Silva, dito patriarca da Independência, esse espaço é uma síntese do processo histórico-político brasileiro. Afinal, o homenageado esmerou-se na criação de um projeto de País excludente e antidemocrático.

Outra praça não seria tão simbolicamente apropriada à apresentação de um espetáculo para um público leigo, que propõe uma reflexão à luz do sol sobre a exploração do trabalhador brasileiro. Curiosamente a estátua do patriarca está de costas à encenação, tendo a contragosto que ouvir versos como “Eu não posso esperar para valer mais do que eu valho”, “Sou como boi amarrado que não muda de lugar” e “O trabalhador que tudo fez, pode tudo destruir”.

Peça circula pelo interior paulista com entrada gratuita – Foto: Romison Paulo/Divulgação Buraco D’Oráculo

Atrizes e atores vestem uniformes marrons, que remetem ao universo do trabalho braçal e ao mesmo tempo dão unidade às personagens. É a classe trabalhadora que, literalmente, terá voz, sendo apresentada por meio de suas variadas faces: a lavadeira, o carvoeiro, o lixeiro, o operário, o camelô.

E volta e meia, marcando presença, o menino pobre, negro com sua indefectível corneta e menos só, assume o protagonismo misturando-se à encenação.

Há uma heterogeneidade nas opções estéticas do pessoal do Buraco d’Oráculo, que utiliza alguns elementos próprios da ópera como fio condutor do espetáculo, porém uma ópera ressignificada e próxima da rua e do trabalhador, com as músicas transformadas em veículos de despertar político.

Didaticamente temas como mais-valia, luta de classes, carestia e conflito entre capital e trabalho são apresentados, seja em um jogo de futebol ou na sátira a célebres e estéreis programas televisivos.

A função didática do espetáculo parece bem-sucedida, na medida em que os trabalhadores que o presenciam ficam absorvidos com a discussão proposta, interagindo e divertindo-se.

Não há como saber se a classe trabalhadora brasileira conseguirá um dia reverter decisivamente o processo de exploração que há séculos lhe acomete ou se o socialismo se difundirá pelo País, porém há um belíssimo saldo da Ópera do Trabalho, apenas possível por ser um espetáculo de rua: a apresentação deu ao menino negro, pobre e só, a possibilidade única e efêmera de ser protagonista de sua própria vida. Talvez, durante a apresentação, ele tenha se esquecido do abandono, da pobreza e da solidão. Talvez.

*Carlos Rogério Gonçalves da Silva é especialista e mestrando em artes no Instituto de Artes da Unesp (Universidade Estadual Paulista), sob a orientação do prof. dr. Alexandre Mate. Formado em história pela FFLCH/USP e também leciona história no ensino básico. A coluna Teatro de Rua é idealização do fotógrafo Bob Sousa, e é escrita por pesquisadores da pós-graduação do Instituto de Artes da Unesp, onde ele faz mestrado.

Conheça o site do grupo Buraco D’Oráculo

Ópera do Trabalho
Quando e onde: Próximas apresentações no interior de São Paulo
14/6/2014, 20h, em Ilhabela, na praça das Bandeiras
26/6/2014, 20h, em Pirassununga, no Centro de Convenções Professor Faltoso Victorelli
27/6/2014, 15h, em Sertãozinho, na praça 21 de abril
28/6/2014, 20h, em Vargem Grande do Sul, na praça da Matriz
Quanto: grátis, pelo Circuito Cultural Paulista
Classificação etária: Livre

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3 Resultados

  1. Phillipe disse:

    Se a criança estava desassistida, deveria ter sido acionado o Conselho Tutelar.

    • Alexandre disse:

      Phillipe, infelizmente no centro de São Paulo o número de crianças morando nas ruas (grande parte delas desassistidas) é muito maior do que o Conselho Tutelar dá conta… São Paulo tem dezenas de milhares de moradores de rua, população maior do que a maioria das cidades do Estado… 🙁 O teatro, naquele instante, foi apenas ser uma experiência estético-política, mas não tinha como resolver a condição material/social daquela criança, condição esta que o Estado e a sociedade como um todo também não têm dado conta…

  2. CARLOS ROGÉRIO GONÇALVES DA SILVA disse:

    ERRATA
    Olá:
    Sou o autor do texto e gostaria de informar que durante a edição do mesmo houve um equívoco em relação a uma palavra na antepenúltima linha: onde se lê “coadjuvante” deve se ler “PROTAGONISTA”.
    Grato pela atenção.

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