Crítica: Romeo Castellucci castiga a vida, destrói utopia e marca abertura da MITsp

Imagem observa cena e público com olhar sereno e onipresente – Foto: Klaus Lefebvre

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

Nem a chuva torrencial que caiu sobre São Paulo entre o fim da tarde e o começo da noite da última sexta (7) impediu o público de lotar o Auditório Ibirapuera para a primeira sessão da MITsp (Mostra Internacional de Teatro de São Paulo). O evento vai até o próximo domingo (16) com 11 espetáculos internacionais gratuitos em São Paulo.

A maioria do público da noite de pré-estreia era composta por estudantes das mais renomadas escolas de teatro da Grande São Paulo: a SP Escola de Teatro, a Escola de Arte Dramática da USP e a Escola Livre de Teatro de Santo André. Todos não se importaram de se submeter ao martírio de sair de casa em dia de dilúvio – e para completar era sexta-feira! – para ver de perto a criação do italiano Romeo Castellucci, um dos grandes nomes do teatro performativo.

Sobre o Conceito de Rosto no Filho de Deus, a peça que abriu a programação, traz a ousadia, a sensibilidade e a crueza que fizeram de Castellucci nome reverenciado em todo o mundo. A obra mostra um filho que tenta ir para o trabalho, mas precisa antes deixar o pai idoso confortável e limpo. O problema é que o senhor sofre de incontinência fecal, o que adia a saída do filho até o limite que ele possa suportar. Tudo isso sob o olhar voyeur da gigante pintura feita pelo também italiano Antonello de Messina (1430-1479) que retrata o rosto de Cristo, que observa onipresentemente público e cena.

Jogo da vida em cena, por Romeo Castellucci, na abertura da MITsp, no Auditório Ibirapuera – Foto: Klaus Lefebvre

Castellucci leva os possíveis significados da palavra escatologia a níveis tão reais que a plateia fica mareada, mas segue firme diante da sensibilidade com que ele encadeia sua encenação. O diretor foge do maniqueísmo e não encerra as múltiplas interpretações da cena; dá a cada espectador o direito de ressignificar tudo o que vê. Assim, o choro, a culpa, a lembrança, a tristeza, o silêncio compungido e até uma sonora gargalhada nervosa ou desmiolada se tornam possíveis.

Em Sobre o Conceito de Rosto no Filho de Deus, o homem é posto em xeque diante de sua decadência física e religiosa. O filho, no auge de sua beleza e forma física é posto ao lado do pai, velho e decadente, que não pode sequer controlar suas funções fisiológicas. A velocidade da vida e seu triste fim são escancarados ao ponto de dar um nó na garganta do espectador. Não há certezas de nada, por mais que a imagem ao fundo pareça serena, cheia de compaixão. A vida não o é.

Castellucci castiga a vida, mostrando a crueza da condição humana junto das futuras gerações em confronto com a utopia. Um dos recados possíveis é que, independentemente do que se queira acreditar, caminhamos para um fim desesperançado e inevitável.

O conflito entre pai e filho apresentado é um jogo de carências que eles não conseguem preencher. Ambos medem forças. Existem apenas momentos. Que chegam. Atravessam. Há apenas gente, como diria Elis: “Vivendo e aprendendo a jogar, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas, aprendendo a jogar“.

Sobre o Conceito de Rosto no Filho de Deus
Avaliação: Ótimo

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1 Resultado

  1. Felipe disse:

    A pungência do seu texto me lembrou a canção SAY SOMETHING, de A Great Big World, com Christina Aguilera indo às lágrimas durante a interpretação.

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