Entrevista de Quinta – “Meus pais me ensinaram a ser o homem que sou hoje”, diz Blota Filho

Blota Filho

Blota Filho vira Dona Clematite em Chá das 5 – Foto: Divulgação

Por BRUNA FERREIRA*

Prepare a mesa, ponha comidas deliciosas e vale até caprichar na decoração para receber este convidado de hoje da Entrevista de Quinta. Blota Filho é daqueles que tem o que falar. Que deixa cada afirmação interessante. Bom de papo, inteligente, bem-humorado. Talvez, por isso mesmo, foi chamado para Chá das 5, espetáculo que está em cartaz no Teatro Augusta, em São Paulo, às sextas-feiras.

O espetáculo é composto por um elenco todo de homens, interpretando mulheres. Com texto de Regiana Antonini e direção de Eduardo Martini, a peça fala sobre a família de um jeito engraçado e profundo e traz para o público, a questão do abandono da ética em nome dos laços sanguíneos.

Blota interpreta Dona Clematite, uma senhora temida, rica, chique, que está sumida há anos, e que chega ao chá das meninas com um segredo para contar, que vai abalar todas as pessoas presentes.

Ao Atores & Bastidores, ele fala sobre o espetáculo, sobre as lições que aprendeu dos pais, sobre o “não” que levou de Antunes Filho e ainda comenta a competição no meio artístico com “mulheres-frutas e legumes” por aí.

Blota Filho

Blota na novela Caminho das Índias – Foto: Divulgação

Atores & Bastidores — Blota, de onde partiu a ideia de fazer uma peça de teatro sobre mulheres, com apenas atores Blota Filho — O convite veio do próprio Eduardo Martini. Há 18 anos, a Regiana Antonini havia escrito esse texto pra ele e o Marcelo Sabag montarem lá no Rio de Janeiro. Não conseguiram. Um dia falando comigo sobre trabalhos e como ficamos reféns de produções com patrocínio e leis, principalmente, quando quase todas as empresas estão mais focadas em patrocinar a Copa, tivemos a ideia de tentar montar sem nada. Chamamos mais sete doidos que toparam na hora. E conseguimos montar um espetáculo com qualidade por menos de R$ 2.000. A ideia sempre foi de fazer Chá das 5 com homens vestidos de mulheres. O maior desafio foi não esteriotipar as personagens. Não somos drags em cena. Somos atores que vivem a alma feminina, o que é mais risível. Só um ator conseguiria dar a o tom de comédia a isso. Não que não tenhamos atrizes cômicas maravilhosas. Temos uma gama de atrizes maravilhosas, sim, mas um ator cômico teria outra visão das situações. O público vem pronto pra ver uma coisa pelo fato de ter homens vestidos de mulheres e se surpreendem com que se vê em cena. Uma comédia hilária, mas que faz a pessoa pensar em muitas situações de familia.

Existe uma certa graça já na caracterização dos personagens. Você está “confortável” com a caracterização?
Foi exatamente essa a preocupação do Eduardo Martini ao dirigir a gente, que estivéssemos confortáveis para viver essas garotas. E conseguiu, foi difícil, mas demos conta.

Como você imprimiu um olhar feminino na sua personagem. Ele é seu? Recebeu uma ajudinha de alguma mulher?
O trabalho do ator é o de observação do mundo. Todo homem tem seu lado feminino, sim, assim como todo ator ou atriz tem seu lado cinza que aflora na hora de viver um vilão, por exemplo. Observamos atrizes em cena, mulheres na rua, para que os detalhes fossem os mais parecidos. Não mudamos de voz, não falamos fino, colocamos os detalhes que estudamos na construção das personagens. E dentro de cada personalidade vimos que olhar seria o melhor, que comportamento ficaria melhor no olhar e na postura. Tem o olhar da gorda, da esotérica, da velha, da amarga, da rica falsa, da humilde, da adolescente, da mimada e por aí vai.

Qual é a melhor coisa em ser mulher? E a pior?
Não sei a melhor coisa em ser mulher, mesmo porque sou um homem, mas a pior, sem dúvida, é o salto alto [risos]. Na verdade, ter a atenção redobrada para não ser uma caricatura.

Você acha que as diferentes personalidades das personagens ajudam a não cair em um estereótipo ingênuo da mulher?
Eu acho que o não deixar cair no estereótipo está no fato de fazer com a maior verdade possível tudo o que o texto e a direção nos propôs. E ingênuas, nenhuma dessas mulheres são. Aliás, nenhuma mulher é mais ingênua, ela sabe exatamente o que quer e por que quer. Mulher é muito mais forte e inteligente do que o homem. Uma dor de dente na gente, parece a dor do parto que muitas mulheres passam.

Blota Filho e Eduardo Martini

Blota Filho ao lado de Eduardo Martini em Chá das 5 – Foto: Divulgação

Sua mãe era atriz, certo? Em qual personagem você consegue identificá-la melhor?
Na personagem do Eduardo [Martini] vejo todas as mães, aquelas que têm o talento pra ser mãe. Que mesmo sabendo algo terrível sobre as filhas vira um leão para defender a família. Tenho muita coisa da personalidade de minha mãe. Dona Haydée e meu pai, o radialista Geraldo Blota, me ensinaram a ser o homem que sou hoje. De caráter, de simplicidade. Ver o outro como um igual, sem arrogância. Ser humilde, sem ser humilhante. Ela sempre me dizia: “Nunca esqueça de onde você saiu, chegando aonde você chegar”. E meu pai completava: “Mesmo porque você pode ter que voltar um dia”.

Se sua personagem pudesse ser vivida por uma atriz, quem seria?
Brinco muito que pela caracterização sou meio Aracy Balabanian em Sai de Baixo. Mas acho que a Susana Vieira faria muito bem Dona Clematite Soares.

Você está produzindo algo para este ano? TV ou teatro?
Não produzindo. Estou nessa peça, Chá das 5, em que somos atores e produtores e, ao mesmo tempo, ensaiando Felizes 30, que estreia em março.

Blota Filho

Blota Filho com Sandy em seriado da Globo – Foto: Arquivo

Soube que você foi recusado pelo Antunes Filho no passado. Ele disse que você jamais seria um ator. Com tantos anos de carreira, você acha que ele errou quando disse isso? Ou ele estava certo?
Ele estava coberto de razão, minha voz era ruim, dicção falha. Na verdade, o Antunes Filho me ajudou a ver que isso é uma profissão e, como tal, tenho que ter os instrumentos (voz, corpo e mente) preparados pra isso. Tenho talento, sim, mas ele me mostrou que só isso não basta.

Você acredita que o cenário artístico hoje é mais democrático e possível para quem está começando do que era quando você começou?
De maneira nenhuma. Hoje, nós, atores, concorremos com ex-BBB, ex-Fazenda, frutas e legumes, jogadores de futebol, pseudocelebridades de minutos e por aí vai. Se tem uma profissão nada democrática, essa é a minha. senão, não estaria sempre tentando, correndo, provando que sei e posso fazer. Estou sempre na fila dos sem emprego/trabalho. Sonho com o dia que terei um contrato longo, para poder planejar a vida, uma viagem, a compra de algo a longo prazo.

Tem algum personagem que você ainda não fez e gostaria de fazer?
Nossa, vários. É difícil me chamarem pra ala pobre. Queria fazer um personagem que vi num filme há anos: o comedor de pecados. Um homem que é chamado para levar os pecados de quem morreu através das comidas que os aldeões colocam sobre o morto. Vive no mato, sozinho. Tem que roubar uma criança de alguma prostituta para dar continuidade a essa maldição. Tem dono de padaria, de peixaria, gente do povo, de comunidade, algo que instiga a criação da personagem.

Por fim, qual o papel mais marcante de sua carreira?
O próximo sempre vai ser o mais marcante. Todo personagem te deixa cicatrizes de dor e amor. Gerar a personagem é algo que te marca pro resto da vida. Você entende os porquês dela. E muitas vezes, os seus também.

*Bruna Ferreira é repórter do R7. É formada em jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP (Universidade de São Paulo), onde cursa mestrado. Ela escreve interinamente neste blog até 18/2/2014, período de férias do colunista Miguel Arcanjo Prado.

Chá das 5
Quando: Sextas, 21h30; até o dia 21/02
Onde: Teatro Augusta, sala principal (r. Augusta, 943, Consolação, São Paulo, tel. 0/xx/11 3151-4141)
Quanto: R$ 50 (inteira)
Classificação indicativa: 12 anos

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2 Resultados

  1. Felipe disse:

    Blota falou tudo. E é um exemplo de persistência. Parabéns para ele!

  2. Beatriz disse:

    Ele é ótimo ator. Arrasou em Malhaçao ano passado.

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