Crítica: Nosferatu é uma versão surpreendente de um clássico literário ou uma reflexão de vida?
Por Maíra Moraes, em São Paulo
Especial para o Atores & Bastidores*
A força de uma história está em sua longevidade. E poucas narrativas têm influenciado tantos produtos culturais como Drácula obra escrita por Bram Stoker. São filmes para TV e cinema, séries e representações dramáticas. Dentre eles, está em cartaz Nosferatu peça teatral dirigida por Fábio Mazzoni e estrelada por Eric Lenate e Cléo De Páris, que também assina o texto.
Com o texto baseado no blog de Páris chamado Pueril, a atriz interpreta uma mulher desesperada, à mercê de uma figura misteriosa e soturna interpretada por Lenate.
Seu sono é incomodado por essa presença, e as poucas palavras que são ditas são reflexões sobre a própria atriz/personagem. O cenário é composto por candelabros e uma cama, com um espaço cênico reduzido e simples. O local do espetáculo é escuro, localizado no 3º andar do Sesc Consolação, em São Paulo, e dá o tom claustrofóbico e intimista para o espectador.
Com influências da obra cinematográfica ícone do expressionismo alemão, também intitulada Nosferatu de F. W. Murnau, a luz é quase um terceiro personagem e objeto cênico. Oferece ao espectador camadas de espaço e realidade, quase sobrenatural. Essa influência da luz pode ser facilmente notada na cena em que a criatura e seu objeto de desejo se enfrentam. Nesse momento Lenate transforma-se em uma criatura animal, pura e misteriosa. São gestos, silêncios e penumbras que dão força à dramaturgia.
A direção de Mazzoni é preciosa porque consegue construir uma boa peça de teatro com um texto de bricolagem, sem uma narrativa concisa. A atuação de Lenate é uma força da natureza por nos passar literalmente, física e psicologicamente, a sensação de que estamos diante daquela criatura animal e homem ou antropomórfica. Cléo De Páris também emociona o espectador com sua fragilidade e ao mesmo tempo intensidade.
Nosferatu não é um espetáculo de horror, mas sim um drama psicológico. Se a trama de Stoker estava voltada para o embate entre as forças arcaicas e o moderno. Representadas pelo conde Drácula (nobreza, castelos, línguas antigas, contendas com o Deus cristão) e o casal londrino Harker (Mina e Jonathan) e, sobretudo pelo o cientista positivista Van Helsing.
A peça Nosferatu está centrada na relação entre a mulher Cléo De Páris e sua percepção do mundo. São questionamentos profundos, recalcados, que vêm à tona nos sonhos e delírios. Que na sociedade moderna e contemporânea podem ser expurgados em diários secretos ou nas redes sociais. As similaridades textuais entre Stoker e Páris aparecem apenas nos temas gerais como a fragilidade das relações humanas e a inconstância da vida moderna.
Mas eis que surge a questão na cabeça do espectador: Quem está no palco? Uma versão contemporânea de Mina Harker aturdida por paixões secretas e questionamentos ou a atriz, uma pessoa real, expondo suas vísceras às vistas do público?
Se optarmos pela primeira resposta, pensaremos que a interpretação de Cléo De Páris é instigante. Se ficarmos com a segunda opção, perceberemos que o expurgo dessas inquietações gerou uma dor demasiada, tanto no voyeur que a aprecia (o público – eu e você) como na atriz/personagem. Em suma, é uma dor coletiva e compartilhada.
*Maíra Moraes é historiadora formada pela USP (Universidade de São Paulo), pós-graduanda na ECA-USP e escreveu esta crítica a convite do blog.
Nosferatu
Avaliação: Muito bom
Quando: Quinta e sexta, 20h. 60 min. Até 11/10/2013
Onde: Sesc Consolação – Espaço Beta 3º andar (r. Dr. Vila Nova, 245, Metrô Santa Cecília, São Paulo, tel. 0/xx/11 3234-3000)
Quanto: R$ 10 (inteira); R$ 5 (meia-entrada e usuário do Sesc) e R$ 2 (comerciário e dependentes)
Classificação etária: 16 anos
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A parte de iluminação dessa peça deveria ganhar o Prêmio APCA.