Mestre da crítica teatral, João Apolinário ganha dois livros com precioso registro de sua obra

João Apolinário escreveu centenas de críticas teatrais no Última Hora – Foto: Arquivo pessoal

Por Miguel Arcanjo Prado

Um dos acervos mais preciosos do pensamento e da cobertura teatral no Brasil será lançado em dois livros na noite desta quarta (15), em São Paulo, a partir das 20h no Tuca, lendário espaço da resistência artística à ditadura militar.

São dois tomos com parte da obra do jornalista português João Apolinário (1924-1988), que fez carreira em São Paulo.

Farto em imagens (são 329 ao todo), o livro A Crítica de João Apolinário – Memória do Teatro Paulista de 1964 a 1971 reúne 332 críticas de João Apolinário, feitas entre 1964 e 1971, no jornal Última Hora de São Paulo, onde era o crítico teatral.

A obra tem edição da Imagens e apoio do programa Petrobras Cultural.

Os sete anos abordados pela obra coincidem com duro período da repressão a artistas encabeçada pela ditadura militar brasileira, com peças censuradas e atores agredidos.

Sempre com um viés crítico ao capitalismo, o jornalista ficou marcado por textos contundentes e corajosos em um cenário que a cultura brasileira efervescia, e militares levavam inimigos para os escuros porões.

O livro apenas é parte da produção intelectual de Apolinário, que escreveu mais de 500 críticas e deixou mais de 1,2 mil fotografias e 250 programas de espetáculos. O precioso acervo será doado para o Arquivo Edgar Leuenroth (AEL), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para que pesquisadores de teatro tenham acesso ao importante material. 

João Apolinário foi homenageado na última edição do prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), entidade da qual este colunista é membro, em março deste ano. Apolinário foi entusiasta da transformação da APCT (Associação Paulista de Críticos de Teatro) na mais abrangente APCA, e foi um dos mais célebres presidentes da entidade e autor de seu estatuto.

Quem foi João Apolinário

Intelectual português que se exilou no Brasil em dezembro de 1963, por oposição cultural ao regime de António de Oliveira Salazar, João Apolinário nasceu no dia 18 de janeiro de 1924 em Belas, Sintra. Tinha dois anos de idade quando começou em seu país um período longo – 48 anos – de enorme austeridade social, política, econômica e cultural.

Tendo frequentado as Faculdades de Direito das Universidades de Coimbra e de Lisboa, onde se graduou, aos 21 anos de idade era jurista, poeta e jornalista.

Foi correspondente de guerra e nessa qualidade fez parte, como tenente do exército francês, em 1945, do primeiro contingente de jornalistas que viu na sua extensão real, física e humana, a devastação causada na Europa pelas forças em conflito na Segunda Guerra Mundial e os horrores dos campos de concentração, o que marcou sua trajetória.

De volta a Portugal em 1949, se opôs ao salazarismo e a todas as formas de opressão. 

Depois de 12 anos de exílio no Brasil voltou a Portugal e, no início de 1975, viveu a liberdade que a Revolução de 25 de Abril de 1974 permitiu. Até outubro de 1988, com 64 anos, em Marvão onde vivia com sua mulher, a pesquisadora brasileira Maria Luiza Teixeira Vasconcelos, João Apolinário preocupou-se muito com sua poesia, sempre irrealizada.

Nos seus últimos14 anos de vida, editou Apátridas, AmorfazerAmor, Poemas Cívicos, O Poeta Descalço, Eco Humus Homem Lógico e deixou inéditos os Sonetos Populares Incompletos.

João Apolinário morreu em 22 de outubro de 1988. É pai do músico João Ricardo, criador do grupo Secos & Molhados, e de Maria Gabriela.

Crítica: Dois volumes de A Crítica de João Apolinário são obrigatórios na estante de quem ama o teatro

Quem ama o teatro precisa ler e ter os dois tomos de A Crítica de João Apolinário. Isso não se discute. É obrigatório. Trata-se de memória farta e viva de uma arte efêmera consolidada no papel. Em texto (primoroso) e fotos. E, além disso, faz um panorama de anos importantíssimos para a consolidação de nosso teatro, que não temeu a feroz ditadura que bradava sobre ele, sabedora de que as artes do palco são transformadoras.

A historiadora Maria Luiza Teixeira de Vasconcelos fez organização dedicada da publicação, rica em imagens e com excelente diagramação, que deixa o texto gostoso de ler. Como tem de ser. É um livro acessível a qualquer pessoa que tenha certo interesse pela cultura brasileira.

Em um País sem memória, a edição de um livro como este deve ser aplaudida de pé. Com gritos de “bravo!”. Afinal, quando teríamos assim, à mão, na estante de casa, a crítica que João Apolinário escreveu para Arena Conta Zumbi, ou para Opinião, com Nara Leão, ambas montagens de 1965 no lendário Teatro de Arena? Ou ainda, quando poderíamos saborear o texto sobre Liberdade, Liberdade, montagem também de 1965 com Paulo Autran e Tereza Rachel, no Teatro Oficina? E, falando de Oficina, a obra ainda nos dá o deleite de ler o que Apolinário escreveu sobre O Rei da Vela, peça que transformou Zé Celso Martinez Correia em mito, em 1967, e foi propulsora de movimentos sem volta que abalariam a cultura nacional, como a tropicália. E estes são apenas pinceladas entre um verdadeiro baú de pérolas que são os dois livros de João Apolinário. Obras para se ter.

Livros: A Crítica de João Apolinário – Memória do Teatro Paulista de 1964 a 1971; vol. 1 e 2
Avaliação:
Ótimo
Lançamento em São Paulo
Quando: 
Quarta-feira (15), 20h
Onde: TUCA (r. Rua Monte Alegre, 1024, Perdizes, São Paulo)
Quanto: Volume 1: R$ 52,90 (552 páginas); Volume 2: R$ 59,90 (640 páginas)
Informações: http://memoriajoaoapolinario.blogspot.com.br/

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1 Resultado

  1. Felipe disse:

    Aplaudo essas iniciativas, até porque se trata da memória do Teatro brasileiro, um registro da produção cultural de uma época e todas as suas influências e mesmo consequências.

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