Tom na Fazenda volta a São Paulo no Teatro Vivo após consagração em Edimburgo

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Em um cenário teatral onde a efemeridade costuma ditar o compasso, oito anos de existência e o aval da crítica internacional conferem a um espetáculo o estatuto de evento. É o caso de Tom na Fazenda, que retorna a São Paulo, mais precisamente ao Teatro Vivo, a partir do dia 14 de outubro. Dirigida com por Rodrigo Portella e idealizada por seu protagonista, Armando Babaioff, a peça carrega em sua bagagem uma trajetória notável, tanto em território nacional quanto em palcos europeus de renome.
Baseado no texto original de Michel Marc Bouchard, com tradução a cargo de Babaioff, o drama é um mergulho incômodo e necessário nas estruturas da homofobia e do patriarcado, dissecadas no ambiente austero de uma fazenda. A trama se desenrola quando Tom, um publicitário, viaja para o funeral do companheiro e se depara com uma negação familiar orquestrada pelo irmão truculento do falecido, Francis. A mãe, a quem Denise Del Vecchio confere uma densidade ímpar, desconhece a orientação sexual do filho morto e, por extensão, a existência de Tom.
O acerto da montagem brasileira, que inclui no elenco a perspicácia de Iano Salomão, como o brucutu do campo, e Camila Nhary, em participação surpreendente já na reta final, reside na sua capacidade de expor o conflito com uma fisicalidade crua. Portella recobre o palco com lona, lama e água, transformando o solo rural em um campo minado onde os atores se desequilibram, metaforizando a instabilidade e a mentira que permeiam as relações. É uma encenação que opta pela subtileza das relações em detrimento do excesso de aparatos cênicos.
A odisseia internacional da peça é um capítulo à parte na história recente do teatro brasileiro. Após conquistar prêmios de peso como o Prix de la Critique no Québec, Shell e APCA, Tom na Fazenda fez-se notar em festivais como Avignon (onde recebeu o “Coup de Cœur”, um “golpe no coração” da crítica, segundo o La Croix) e, mais recentemente, no Festival de Edimburgo, na Escócia, Reino Unido.
No exterior, não foram poupados elogios: o britânico The Guardian classificou-a como um “impressionante estudo sobre a homofobia”, simultaneamente “cruel quanto hipnotizante”. Além disso, o recorde de público e bilheteria estabelecido no Théâtre Paris-Villette, em 2023, um feito inédito para um espetáculo latino-americano, apenas corrobora o prestígio global da produção.
Com mais de 160 mil espectadores e 500 apresentações, o retorno a São Paulo, com patrocínio da Petrobras e incentivo da Lei Rouanet, representa um convite renovado ao público.
Segundo Babaioff, o êxito confirma a peça como “necessária, pela temática e pela qualidade artística”.
Tom na Fazenda permanece em cartaz até 03 de dezembro, com apresentações às terças e quartas-feiras, às 20h. É uma ocasião singular para confrontar, no palco do Teatro Vivo, a dor e os dilemas que o dramaturgo Bouchard sintetiza com notável clareza: “homossexuais aprendem a mentir antes mesmo de aprender a amar”.
Blog do Arcanjo mostra images exclusivas da equipe de Tom na Fazenda





Linha do Tempo – TOM NA FAZENDA
2017 – Em março, estreia com a presença do autor Michel Marc Bouchard – Oi Futuro do Flamengo, RJ (63 lugares). Permaneceu em cartaz de 24 de março a 14 de maio;
2018 – Primeiro Festival Internacional FTA – Festival TransAmeriques em Montreal, Canadá. Prêmio de Melhor Espetáculo concedido pela AQCT – Associação dos Críticos de Quebec;
2019 – Estreia em SP no SESC Santo Amaro, Prêmio APCA de Melhor Espetáculo;
2020 – 1ª Temporada Internacional, Montreal, no Usine C;
2022 – Festival de Avignon, França – La Manufacture – Coup de Couer do Festival de Avignon;
2023 – Temporada de um mês em Paris, no celebrado Théâtre Paris Villette, ingressos esgotados. TNF é recorde de público e bilheteria da história do teatro. Primeira vez que um espetáculo latino-americano ocupa o palco do Paris Villette;
2024 – De janeiro a junho, turnê de 05 meses pela Europa – 27 cidades entre França, Suíça e Bélgica, num total de 45 apresentações. Destaques: Museu do Quai Brainly em Paris; 05 apresentações esgotadas em Bruxelas no Théâtre National Wallonie-Bruxellas; Théâtre National de Bretagne, em Rennes, durante o Festival Mythos, no mítico La Piscine onde foi criado o espetáculo “O Baile” da companhia Théâtre du Campagnol, de Jean-Claude Penchenat, Le Bal en 1981; o gigantesco Palais des Beaux-Arts, em Charleroi, na Bélgica, 2.500 lugares.
2025 – Em julho e agosto, no Festival de Edimburgo, no EICC – Centro de Conferência de Edimburgo, em parceria com o Venue Pleasance. Mais de 7.000 espectadores. Com a presença do autor.
Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes eleito um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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