Cazuza e Ney Matogrosso viveram grande amor como mostra filme Homem com H

Ney Matogrosso e Cazuza nos anos 1980: amor intenso © Arquivo Lucinha Araújo Blog do Arcanjo 2024

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

Cazuza e Ney Matogrosso viveram um amor desfiador, como mostra o filme Homem com H, de Esmir Filho, que acaba de chegar à Netflix. A relação é abordada no cinema pela primeira vez, já que no filme Cazuza – O Tempo Não Para, de Sandra Werneck, de 2004, Ney Matogrosso foi limado do roteiro, o que na época deixou o cantor magoado [leia mais ao fim desta reportagem].

O turbilhão de emoções, a poesia visceral e a intensidade de Cazuza sempre foram temas que fascinaram o público brasileiro. Sua vida, marcada por uma paixão inesgotável pela arte e pelos relacionamentos, é revisitada de forma singular no filme Homem com H. O longa joga luz sobre a profunda e complexa relação entre o icônico cantor e Ney Matogrosso.

Longe de ser um mero romance, o amor entre Cazuza e Ney foi um encontro de almas artísticas, um caldeirão de paixões e desentendimentos que moldaram a vida de ambos e se refletem de maneira potente na tela.

Amor à frente do seu tempo

Em um tempo em que ser gay era tabu e as uniões homoafetivas não eram sequer legalizadas no Brasil, a relação entre Cazuza e Ney Matogrosso floresceu em um período de efervescência cultural no Brasil, os anos 1980, época de muitas perseguições a esta população.

Cazuza, em ascensão com o Barão Vermelho, era a personificação do “exagerado”, da alma livre que desafiava convenções. Ney, já intérprete consagrado da MPB e com uma persona cênica revolucionária, representava a liberdade de expressão em sua forma mais pura.

“Homem com H” não romantiza a relação, mas a apresenta em sua crueza e beleza, expondo as diferentes personalidades que se chocaram e se complementaram.

A narrativa do filme, dirigida por Esmir Filho, busca ir além dos rótulos e clichês, mergulhando nas nuances de um amor que, para muitos, foi um dos mais significativos na vida de Cazuza.

Não se trata apenas de sexo ou atração física, mas de uma conexão intelectual e espiritual profunda. Ney Matogrosso, em depoimentos emocionantes, revela a admiração mútua, as brigas, o ciúme e, acima de tudo, o carinho e a lealdade que persistiram mesmo após o término do relacionamento amoroso. Essa fidelidade emocional é um dos pilares da interpretação do filme sobre o amor entre eles.

Influência na arte e na vida

O relacionamento de Cazuza e Ney Matogrosso reverberou em suas produções artísticas. A intensidade do que viveram influenciou as letras de Cazuza e a interpretação de Ney. Apesar de curta, a relação deixou marcas profundas nos dois.

“Homem com H” não se limita a expor o relacionamento, mas o contextualiza dentro do cenário social e cultural da época, mostrando como ambos, Cazuza e Ney, eram à frente de seu tempo, desafiando normas e abrindo caminho para a liberdade de ser e de amar.

O filme é um convite à reflexão sobre as diversas formas de amor, sobre a complexidade das relações humanas e sobre o legado de dois artistas que marcaram a música e a cultura brasileira de forma indelével.

“Homem com H” se consolida não apenas como um registro sobre Cazuza, mas como um tributo à força transformadora do amor em suas múltiplas facetas, especialmente quando vivido por duas almas tão singulares quanto as de Cazuza e Ney Matogrosso. O filme nos lembra que o amor, em sua essência mais pura, transcende o tempo, as convenções e as expectativas, deixando um rastro de poesia e inspiração.

Cadê o Ney: Daniel de Oliveira no filme Cazuza – O Tempo Não Para de 2004 © Divulgação Blog do Arcanjo 2025

Filme sobre Cazuza deixou Ney Matogrosso de fora, o que magoou o cantor

O cantor Ney Matogrosso assistiu estupefato ao filme Cazuza – O Tempo Não Pára em 2004. Na época, lamentou ter sido excluído da história. “Isso está errado, a história não é essa!”, disse o cantor em entrevista ao Jornal do Brasil.

Ney Matogrosso foi namorado de Cazuza na década de 1980, mas, segundo diz o músico, a reclamação não é uma birra de ex-namorado. Em 1983, Ney foi o primeiro artista da MPB a gravar uma música do Barão Vermelho, o sucesso Pro Dia Nascer Feliz. Cinco anos depois, Ney dirigiu o último show de Cazuza, Ideologia, que rendeu o disco ao vivo O Tempo Não Pára, e é reproduzido no longa sem qualquer menção a Ney Matogrosso.

“Acho que uma pessoa que se dispõe a contar a história de alguém que existiu e foi importante dentro de um contexto precisa colocar o máximo possível de informações factuais e precisas. Não entendo por que suprimir isso”, lamentou Ney Matogrosso.

Na reportagem do JB, Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, também lamenta o ocorrido. “Senti muita falta do Ney no filme, inclusive há uma entrevista dele emocionante em meu livro”, diz a autora de Só as Mães São Felizes.

A diretora Sandra Werneck tentou explicar a ausência e deu sua versão da história. “Ele teria tão pouco espaço que eu não ia conseguir dar a dimensão real da relação do Cazuza e do Ney, que aparecia em apenas duas ou três cenas do filme”.

Pelo jeito, a diretora preferiu limar Ney de vez da história de Cazuza e inventar sua própria versão dos fatos.


O amor de Cazuza e Ney Matogrosso

A história de amor entre Cazuza e Ney Matogrosso é um capítulo à parte na cultura brasileira. Um encontro que, para muitos, moldou não apenas suas vidas pessoais, mas também a arte que ambos deixaram como legado.

O primeiro encontro, em 1979, em si já carregava um contraste fascinante: Cazuza, aos 17 anos, era ainda o “filho de João Araújo”, o célebre fundador da Som Livre, antes de se tornar o ícone que conhecemos. Ney, com 39 anos, já desfrutava do sucesso estrondoso com os Secos e Molhados.

Beijo incendiário

A química não foi imediata para Ney, como ele mesmo revelou. “No início não dei muita bola para ele não”, confessou em entrevista à revista Época. Mas o destino tinha outros planos, e a fagulha acendeu de forma inusitada, um beijo que redefiniu tudo. Ney detalhou esse momento ao portal 29horas:

“Ele foi na minha casa com uma amiga e a certa altura a gente foi fumar um baseado, tomamos um Mandrix, e lá pelas tantas ele me perguntou se eu daria um beijo nele. E dei. Não significava nada dar um beijo naquela época. Só que quando a gente deu esse beijo o mundo se apagou ao redor, ficamos nós dois dentro daquilo. E não nos largamos mais”, relembrou.

Essa passagem ilustra a intensidade avassaladora de um relacionamento que, apesar de breve, deixou marcas profundas.

Amor além do tempo

Apesar de ter durado apenas quatro meses, a paixão foi arrebatadora. Ney resume a essência do romance com precisão: “durou pouco, mas foi muito intenso”. E, crucialmente, “o amor permaneceu e permanece até hoje”. Essa conexão transcendeu o namoro, transformando-se em uma amizade e um carinho inabaláveis que perduraram até o fim da vida de Cazuza. “Hoje seríamos amigos como fomos até o fim da vida dele. A morte não apaga essas coisas de dentro da gente”, afirmou Ney, sublinhando a natureza eterna desse vínculo.

As memórias desse relacionamento ganharam destaque no livro “Vira-lata de raça: Memórias”, de 2018, onde Ney Matogrosso e Ramon Nunes Mello dedicam um capítulo inteiro à história com Cazuza. A profundidade desse amor foi reafirmada em diversas ocasiões, incluindo uma emocionante participação de Ney no programa “Conversa com Bial”, da Globo. “Depois do Cazuza, eu admiti que poderia me apaixonar por alguém e viver com aquela pessoa. Depois dele, tive um relacionamento de 13 anos. E ele morreu de ciúme. Ele queria me fazer pirraça depois”, revelou o cantor, confessando que Cazuza foi um de seus poucos e verdadeiros amores.

Fim turbulento e reencontro ao fim da vida de Cazuza

O fim do romance foi doloroso, precipitado pelo progressivo envolvimento de Cazuza com as drogas, especialmente a cocaína. O ponto de ruptura foi dramático, conforme Ney descreveu: “A gota d’agua foi que, após sumir por alguns dias, Cazuza reapareceu com outro cara, um traficante — e nós discutimos. Eu disse que não queria ele sujo, fedorento, acompanhado de um traficante em minha casa. Cazuza cuspiu em mim e eu bati na cara dele, o expulsei, e a história de amor acabou. Mas uma semana depois fizemos as pazes e estávamos entrando de mãos dadas num restaurante, como velhos amigos”, lembra Ney Matogrosso.

O Tempo Não Para

Mesmo com o fim do relacionamento amoroso, o elo entre eles persistiu, alimentado por um amor que transcendeu as dificuldades. “Fiquei junto com ele até o fim da vida dele, eu ia lá para massagear os pés dele. E acho que a esses sentimentos a morte não dá fim”, concluiu Ney, ilustrando a profundidade e a beleza de uma conexão que, apesar dos desafios, se manteve até o último suspiro de Cazuza, de quem Ney foi o diretor do último show, O Tempo Não Para.

Editado por Miguel Arcanjo Prado

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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