★★★★ Crítica: O Samba da Pauliceia e Sua Gente resgata memória e tece críticas sociais

Samba da Pauliceia e Sua Gente resgata história do samba em São Paulo sob forma de teatro musical © Barbara Campos Divulgação Blog do Arcanjo 2023

Por RUNAN BRAZ*
Especial para o Blog do Arcanjo

O Samba da Pauliceia e Sua Gente
★★★★ Muito Bom

Teatro musical requer sincronias entre música, dança e um enredo envolvente para engajar o público. Tudo isso está presente no espetáculo O Samba da Pauliceia e Sua Gente, da Cia Coisas Nossas, que resgata a memória do samba em São Paulo, além de tecer importantes críticas sociais, sob direção geral de Cristiano Tomiossi, com codireção de José Eduardo Rennó, também responsável pela direção musical. A montagem é uma referência de conhecimento sobre a história do samba na cidade de São Paulo e o gênero enquanto resistência, fator social e musicalidade. A leveza do humor mantém o aspecto de um espetáculo livre para refletir uma sociedade complexa e que desperta um pensamento crítico sobre origens e apagamento de narrativas. Com expressividade no roteiro, o espetáculo conecta o público a um cenário fidedigno de uma típica roda de samba, ambientado no clima da boemia que resgata a manifestação do gênero em variadas épocas, sem ordem cronológica, desde o começo do século 20 até os tempos atuais. Os diretores de movimento Zuba Janaína e Beto Alencar dão um toque especial na estética e na representação alegórica, expondo os variados passos do samba de umbigada, o samba de terreiro, marchinhas e samba-canção. Uma oportunidade criativa para o espectador entender e diferenciar os estilos, conforme o momento histórico da trama. A obra retrata moradores da Vila Primavera, uma comunidade fictícia do samba paulistano, que serão despejados para darem lugar ao “progresso da cidade”, explicando como a especulação imobiliária transformou os bairros que foram os primeiros redutos do samba cidade: Liberdade, Barra Funda e Bixiga. O texto usa uma linguagem emotiva que narra acontecimentos históricos e traz elementos de identidade e ancestralidade, em destaque, na alegoria da Madrinha, em excelente atuação da atriz Carlota Joaquina, uma personagem central que remete e homenageia às imortais matriarcas do samba, como Tia Ciata, Tia Olimpia, e aqui em São Paulo, Madrinha Eunice, fundadora da escola de samba Lavapés, a mais antiga da capital paulista, no bairro da Liberdade. A percussão dos chorinhos e flautas e complementam a potência das falas. Tambores, violão, caixa e tamborim se unem à sinfonia no palco. Homenagens aos baluartes do samba também cativam o público, com um elenco coeso e entregue. A participação do cantor, ator e interprete do Vai-Vai (1982) Aldo Bueno, do Bixiga, valoriza e leva a ideia do samba imortal. Outras figuras importantes na história do samba paulista como Adoniran Barbosa, Pato N’Água, Geraldo Filme e Maria Ester também são lembrados e têm músicas interpretadas, como Trem das Onze, Silêncio no Bixiga e canções do samba de umbigada. No roteiro, os diretores lançam a ideia do paralelismo histórico entre os territórios antigos e o novo. A obra provoca o senso crítico e ao mesmo tempo um sentimento de nostalgia. Isso se dá por meio da reflexão sobre o apagamento das memórias dos territórios, da exclusão do povo negros dos espaços culturais e de seu aquilombamento urbano, e da mercantilização das culturas populares, como a transferência do Carnaval antigo dos blocos e cordões de rua para o Sambódromo do Anhembi. Tem ainda humor e um leve sarcasmo de figuras como autoridades e do cidadão médio vestido de pullover, que gostam de samba, mas também do progresso, e não se importam com o fim dessas manifestações. A figuração dos personagens remete a diferentes gerações e hierarquias na comunidade do samba, com destaque no figurino de Maiwsi Ayana para peças como boinas, camisas de samba do bairro e a tradicional roupa da baiana. Nota-se também que o elenco tem uma diversidade étnica, etária e social, evidenciando a pluralidade cultural de São Paulo. O espetáculo O Samba da Pauliceia e Sua Gente merece variadas temporadas na capital paulista, além de circulação pelo interior e outros Estados. A cultura do samba agradece. @sambadapauliceia

O Samba da Pauliceia e Sua Gente
★★★★ Muito Bom

*Runan Braz é jornalista graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Já colaborou com textos sobre arte e cultura para veículos como a Revista Teatral Legítima Defesa, Blog do Arcanjo e Alma Preta Jornalismo.

O Samba da Pauliceia e Sua Gente

Artistas Criadores: Carlota Joaquina, Aldo Bueno, Tiganá Macedo, José Eduardo Rennó, Tayrone Porto, Lívia Camargo, Joaz Campos, Beatriz Amado, Roquildes Junior, Miró Parma, Alexandre Moura, Ildo Silva, Débora Veneziani, Zuba Janaína e Cristiano Tomiossi
Produção: Cia Coisas Nossas de Teatro
Direção Geral: Cristiano Tomiossi
Co-Direção: José Eduardo Rennó
Direção de Movimento: Zuba Janaína e Beto Alencar
Direção Musical: José Eduardo Rennó
Arranjos Musicais: Alexandre Moura, Roquildes Júnior, Beatriz Amado, Miró Parma, Ildo Silva, Marco França e Tiganá Macedo
Arranjos Vocais: Roquildes Júnior e Alexandre Moura
Preparação Vocal: Roquildes Júnior, Alexandre Moura e Dani Nega
Dramaturgia: Paulo Rogério Lopes
Figurinos: Maiwsi Ayana
Cenário: Kleber Montanheiro
Projeção: Denis Kageyama
Iluminação: Karen Mezza
Desenho e operação de som: JP Hecht e Thiago Aparecido de Moraes Alves
Diretor de Palco: Nilton Araújo

@sambadapauliceia

Editado por Miguel Arcanjo Prado

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Ed. Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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