Michael Sullivan lança álbum Ivanilton: ‘Sou incansável de morrer e renascer’| Entrevista do Arcanjo

Autor de hinos da música brasileira como Me Dê Motivo, Leva, Amor Perfeito e Estranha Loucura revê trajetória em álbum com 11 inéditas
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
O cantor Michael Sullivan é um ícone da música brasileira. Afinal, é compositor de Me Dê Motivo, um dos grandes sucessos de Tim Maia, além de outros clássicos como Amor Perfeito, gravado por Roberto Carlos, Leva, por Tim Maia, Wisky a Go-Go, pelo Roupa Nova, Estranha Loucura, por Alcione, Joga Fora, por Sandra Sá, e canções que marcaram gerações de crianças como Piuí Abacaxi, do Trem da Alegria, e Lua de Cristal e Arco-Íris, de Xuxa. Agora, o grande artista busca renascer indo ao encontro de suas origens no álbum autobiográfico Ivanilton, primeiro disco de músicas inéditas do artista pernambucano desde Amar É Lindo, de 1995.
O título do álbum com 11 faixas reproduz o nome de batismo de Sullivan, nascido Ivanilton de Souza Lima, no Recife, Pernambuco, em 9 de março de 1950. Aos 73 anos, ele convocou Alice Caymmi para produzir com ele o álbum, que traz participações especiais de Alice Caymmi, Fagner, Ana Carolina, Filipe Catto, Almério, Julio Secchin e Roberta Campos.
Michael Sullivan se considera um sobrevivente, afinal, chegou a morar nas ruas quando foi tentar a vida artística no Rio de Janeiro. Como diz, nasceu “no planeta fome e sede”, complementando a frase da amiga Elza Soares. Como ela, lutou a vida inteira contra o preconceito de uma crítica arrogante e elitista para com sua obra monumental, que habita nos corações dos brasileiros há algumas gerações.
Sou uma pessoa muito corajosa, incansável de morrer e renascer.”
Michael Sullivan
O artista conversou sobre seu novo trabalho nesta exclusiva Entrevista do Arcanjo ao Blog do Arcanjo. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Foi difícil ou fácil reencontrar o Ivanilton? Por quê?
Michael Sullivan – Foi um ato de coragem expor o protagonismo de Ivanilton.Eu nunca me acostumei com o sucesso, eu sempre trabalhei para ele, Ivanilton é um acordo de justiça com minha persona, que assume suas raízes. Eu entendi que a minha música é como o Nordeste, maior que qualquer preconceito. Ivanilton é um lutador, um guerreiro. Michael Sullivan é a uma força de trabalho.
Miguel Arcanjo Prado – Dizem que todo mundo que amadurece tende a voltar ao começo de tudo, mas enxergando tudo sob uma nova perspectiva. É isso que está acontecendo?
Michael Sullivan – O amadurecer me deu armas para enfrentar os gatilhos da minha realidade bem difícil, onde já se nasce numa contagem regressiva a desesperança. Meu amadurecer significa separar de forma mais nítida esse velho homem, e concertar de forma mais íntima em como servir à música.
Miguel Arcanjo Prado – Você se considera um sobrevivente? Por quê?
Michael Sullivan – Nasci num planeta próximo a Elza Soares, nasci no planeta fome e sede.
E vivi partindo, porque o homem que não soube sobreviver aos maus tempos, não vai ver os bons. Ao vir para o Rio de Janeiro, morei na rua. A arte como resistência é fundamental.Mas a minha arte é sobre existência. Fazer o óbvio e ser bem sucedido, é para poucos, porque muitos resistem ao óbvio. Vejo que Eu sobrevivi, a música me usou.
Miguel Arcanjo Prado – Como você enxerga a nova geração da música brasileira? Alguém te chama mais a atenção? Quem e por quê?
Michael Sullivan – Eu sempre vejo a música brasileira com muita esperança, porque o filtro artístico que o brasileiro tem, o posiciona com notoriedade no mundo. Todos os dias nascem talentos, de fato somos a terra da arte. Nascem Almério, Alice Caymmi, Filipe Catto, Juliano Holanda, Roberta Campos, Júlio Sechin, Liniker, Luedji Luna.
Miguel Arcanjo Prado – Me Dê Motivo é um hino. Qual sua relação com essa canção?
Michael Sullivan – Agradeço desde já pela qualificação de hino! Ao compor Me Dê Motivo dei meu melhor para entregar a um grande amigo uma ideia de canção que ele me “pilhou” para fazer… Ele disse: ‘Ivanilton faz uma música pra mim, meio declamando, com um refrão poderoso…’ Tim Maia era esse amigo, e ele foi o meu mentor. Eu recém saído das ruas, ele foi quem me deu meu primeiro violão , me ensinou a tocar, me ensinou a ouvir sonoridades novas e meu impulsionou para compor. Então me juntei com Paulo Massadas para entregar o melhor que poderia para o meu grande amigo, que tanto fez por mim artisticamente, e assim fizemos Me Dê Motivo.
Miguel Arcanjo Prado – Você ajudou a construir um dos maiores fenômenos da cultura pop no Brasil, que foi a Xuxa cantora. Acha que falta a cena pop brasileira atual valorizar mais nomes como você?
Michael Sullivan – De fato a gratidão tem memória curta. Acho que falta essa sabedoria aos fomentadores do mainstream cultural, porque o povo preserva suas memórias como as mais afetivas.
Miguel Arcanjo Prado – Hoje os artistas da música estão correndo atrás dos algoritmos e fazendo música para a tecnologia. Mas música não precisaria ter humanidade pra tocar corações?
Michael Sullivan – Eu tenho ficado preocupado. Aprendi que, para fazer música, você precisava de ter os critérios musicais bem apurados, ser altamente capacitado em suas habilidades de cantar, de compor e de produzir. Ligávamos o rádio, colocávamos um som, e lá sempre esteve evidente as qualificações daqueles que eram bem sucedidos. Hoje a música tem sido feita por critérios de popularidade, e não por critérios musicais.
Miguel Arcanjo Prado – O que você pensa do excesso de autotune? O que acha que Tim Maia diria?
Michael Sullivan – Acho que o excesso de autotune impede de se ouvir a afinação apurada.
A música boa pra mim está entre a falta e o excesso de zelo. Tim Maia estaria hoje a cada segundo em lives no Instagram apontando quem não canta nada, exatamente como escrachava alguns amigos antes dele partir!
Miguel Arcanjo Prado – Por que escolheu a Alice Caymmi pra produzir esse disco?
Michael Sullivan – Minha releção afetiva com Alice Caymmi é transgeracional. Sempre teremos laços musicais. Alice é uma artista plural, aberta, apreensiva pelo o que é certeiro e direto ao ponto. Nosso encontro é onde tudo flui, e não há nenhuma ideia perdida ou não concluída. Eu e Alice juntos somos capazes de criar qualquer gênero musical. E digo que esse encontro não foi para um projeto apenas, nos trouxemos nossa amizade, nossa vida e experiências para um registro desse tempo musical nosso. E acho que a mulher tem uma visão sempre incrível de qualquer universo que ela se dedicar. E na música não há tanto protagonismo para mulher produtoras e compositoras. Foi incrível poder também trazer o olhar da Alice e seu protagonismo feminino.
Miguel Arcanjo Prado – Quando você olha para trás e vê a obra monumental que criou na música, o que você sente?
Michael Sullivan – Que sou uma pessoa muito corajosa, incansável de morrer e renascer.
Colaboraram Adriana de Barros e João Schelbauer



Ouça Ivanilton, de Michael Sullivan
Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige Blog do Arcanjo e Prêmio Arcanjo. Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Cultura pela USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por Globo, Record, Folha, Ed. Abril, Huffpost, Band, Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Integra os júris: Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio do Humor, Prêmio Governador do Estado, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Prêmio DID, Prêmio Canal Brasil. Venceu Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio ANCEC, Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade do Prêmio Governador do Estado.
Foto: Rafa Marques
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