Morre Antunes Filho aos 89 anos em São Paulo
O diretor teatral Antunes Filho morreu nesta quinta (2) em São Paulo aos 89 anos. Ele era considerado um dos maiores mestres do teatro brasileiro e estava internado no Hospital Sírio-Libanês por conta de dificuldades respiratórias e onde foi diagnosticado um câncer no pulmão. O Blog do Arcanjo confirmou a informação da morte com três pessoas próximas ao diretor.
José Alves Antunes Filho nasceu na capital paulista em 12 de dezembro de 1929 e faria 90 anos este ano. Ele comandava o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) do Sesc Consolação, em São Paulo, onde lançou talentos de várias gerações. Foi responsável por algumas das encenações mais emblemáticas em nossos palcos, como o histórico “Macunaíma”, de 1978, além de “Romeu e Julieta”, de 1984, “Xica da Silva”, de 1988, “Paraíso Zona Norte”, de 1989, “Vereda da Salvação”, de 1993, e “A Pedra do Reino”, de 2006, entre outros.
Velório de Antunes Filho emociona artistas do teatro
Outro grande nome do teatro brasileiro, o diretor José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, do Teat(r)o Oficina, comentou a morte do colega: “O Antunes formou muitas gerações de atores e atrizes. No início da carreira, ele fazia peças americanas, comerciais, muito bem feitas. Depois, ele enveredou pela pesquisa e a partir daí ele revelou Giulia Gam e muitos outros atores e atrizes. Ele criou um método específico. Ele pertence à minha geração de diretores: Flávio Rangel, Augusto Boal, Antonio Abujamra, Antunes Filho, Amir Haddad e eu, que ainda somos vivos. Foi uma geração que contribuiu muito para transformar o teatro de São Paulo, que era dominado por diretores estrangeiros maravilhosos, mas faltavam surgir os diretores brasileiros. E nessa florada veio Antunes Filho e os outros que já citei, e com Antunes veio “Macunaíma”, muito marcante. E ele criou uma escola de atores com o Sesc São Paulo, no Teatro Anchieta e no Sesc Consolação. Ele recebeu muitos jovens atrizes e atores e formou muitas gerações. Morre um sujeito muito fértil, um homem de teatro muito fértil, que teve capacidade de trazer o teatro para encenadores do Brasil no mesmo nível que se faz no mundo inteiro. O Antunes está nessa geração.”
Aberto ao público, o velório é realizado entre 8h e 15h desta sexta (3) no Teatro Anchieta do Sesc Consolação (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque), em São Paulo. Depois, o corpo será cremado na Vila Alpina, em cerimônia reservada a amigos íntimos e familiares.
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Antunes dirigiu e revelou grandes atores
Cria do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), onde foi assistente de direção de grandes encenadores estrangeiros como Adolfo Celi, Ruggero Jacobbi e Ziembinski, Antunes Filho foi da geração que renovou nosso teatro nas décadas de 1960 e 1970.
Apadrinhado pela companhia da atriz Nicette Bruno, ele estreou como diretor em 1953, com a peça “Week-end”, de Noel Coward. Em 1958, dirigiu outro sucesso: “O Diário de Anne Frank”, protagonizado por Dália Palma com o Pequeno Teatro de Comédia.
Em 1960, após rápida passagem pelo Piccolo Teatro de Milão, dirige “As Feiticeiras de Salém”, de Arthur Miller. Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural, “já nesse período se avolumam opiniões contraditórias sobre a sua forte personalidade. Para alguns atores, o tratamento autoritário e a exigência de uma disciplina exemplar por parte dos elencos frustram algumas carreiras. Para outros, resultam em desempenhos brilhantes e diferenciados”.
Antunes comentou isso em entrevista ao jornal Diário de S. Paulo, quando disse: “Se massacrar é obrigar o ator a estudar, a assumir responsabilidade do momento em que vive, é fazer do ator o senhor dentro do palco e dentro da história em que ele participa, então, nesse sentido, massacro o ator”.
Em 1964 fez uma versão polêmica de “Vereda da Salvação” no TBC, onde obrigou o elenco a passar por laboratórios físicos e psíquicos para alcançar um realismo extremo em cena. A polêmica foi tanta que a peça saiu do cartaz.
Após sucesso com “A Falecida”, de Nelson Rodrigues, em 1965, e fracasso com “Júlio César”, vaiada no Theatro Municipal de São Paulo, ele recuperou o aplauso da crítica com “Black-Out”, de Frederick Knott, com Eva Wilma em atuação destacada.
Nos anos 1970, se destacou com “Bonitinha, mas Ordinária”, outro texto de Nelson Rodrigues com Miriam Mehler em 1974, e “Ricardo III”, em 1975.
Na mesma época, trabalhou como diretor de TV em uma série de teleteatro para a TV Cultura. A década ainda teve clássicos como “Esperando Godot”, de Beckett, e “Quem Tem Medo de Virgínia Woolf”, de Edward Albee, com Raul Cortez, com a qual se despediu do teatro comercial convencional.
Em 1978, Antunes fez aquela que é considerada sua grande obra, “Macunaíma”, baseada na obra de Mário de Andrade.
Ensaiada por um ano de forma exaustiva, a peça faz uma reviravolta em sua carreira. Após o êxito dessa montagem, Antunes passou a trabalhar na maior parte do tempo com jovens atores até criar juntamente com o Sesc São Paulo o CPT (Centro de Pesquisa Teatral), com funcionamento no Sesc Consolação. Lá, atuou nos últimos 37 anos lapidando diversas gerações de atores até sua morte.
Artistas lamentam morte de Antunes Filho
Veja, abaixo, artistas que repercutiram a morte de Antunes Filho:
“Antunes, além do diretor magnífico que sempre foi, teve sua biografia atrelada à nossa história. Não só como espectador de nossos trabalhos, mas como guru, incentivador e forte aliado em todo o processo de estruturação e gerência da SP Escola de Teatro. Entre os fundadores da escola, contávamos com vários de seus discípulos mais destacados: J C Serroni, Marici Salomão e Raul Teixeira. Estava conosco em cada passo e, em várias ocasiões, atuou como professor convidado da instituição. Nesta sexta à noite ocuparemos sua casa, mais uma vez. Será difícil, bem difícil. Mas dele, eu vou levar a juventude, a perseverança e o rigor. E a saudade de noites incríveis que passamos juntos, em jantares regado a vinho e alegria. Sim, Antunes era um homem alegre. Obrigado, mestre!”
Ivam Cabral, ator da Cia. de Teatro Os Satyros e diretor da SP Escola de Teatro
“R.I.P. Antunes Filho. Se 80% do (bom) teatro americano veio do La MaMa (segundo Harvey Fierstein), então 80% do (bom) teatro brasileiro veio do Antunes.
Você teve uma vida incrível cara ! E, a melhor parte é que vc distribuiu VIDA pra’queles que tiveram pouca. Love.”
Gerald Thomas, diretor de teatro
“Antunes Filho! Um dos maiores diretores do teatro brasileiro, dirigiu espetáculos que ficarão pra sempre em nossos corações. Lembro de cenas inesquecíveis de “Paraíso Zona Norte” e “Chapeuzinho Vermelho”, especialmente. Formou muitos atores e muito público, fará falta. Gratidão por sua arte. Muita luz e amor no caminho eterno. Bravo.”
Leona Cavalli, atriz
“O ser humano, o artista e o parceiro mais pleno, singular, necessário e generoso que tive a honra de conviver… Gratidão, MESTRE, por iluminar minha vida e minha arte. Viva seu legado! Bravo, bravíssimo, Antunes!”
Lee Taylor, ator
“Antunes Filho se foi. Paraíso Zona Norte, espetáculo que ensaiei no CPT de Antunes: visão mítica de Nelson Rodrigues. Minha primeira aula de ator, meu primeiro contato com a grande arte e meu primeiro amor. Mestre terrível, Antunes formava seus atores com a ciência quântica e febril de quem sabe a função social do ator de teatro. Antunes me obrigou a decidir ser um ator bailarino e consequente. Estou abatido. Esse ano não tem um dia sequer que não seja ruim.”
Matheus Nachtergaele, ator
“Tentei algumas vezes escrever esse texto. Não consigo… Você mudou e ainda muda minha vida quando lembro dos anos que fiquei ao seu lado. Hoje mesmo falei para um amigo de uma técnica que você tinha me ensinado. Obrigado por tudo, você me fez artista. Hoje o mundo perde um gênio. Um Mestre. Antunes Filho.”
Daniel Rocha, ator
“Fui para dramaturgia por conta do Antunes Filho. Como fã e aprendiz. Fiz CPT e segui toda sua obra, de Macunaíma a Nelson. Inclusive sua anti-dramaturgia. Sua morte não precisava. Especialmente agora, que a cultura precisa resistir! Preferiu partir, ao ver o SESC ser atacado.”
Marcelo Rubens Paiva, escritor
“Antunes se foi! Foram 11 dias torcendo por sua recuperação. Não adiantou. Perco um grande amigo e todos nós perdemos um grande artista. É muita tristeza!”
J C Serroni, cenógrafo
“Meu Mestre Antunes Filho partiu. Que dor. Sentirei muitas saudades! Vai em paz amado,cumpriu sua missão com louvor. Que silêncio dolorido meu Deus!”
Sergio Ferrara, diretor de teatro
“Depois de três tentativas fui aprovado para o CPT, o Centro de Pesquisas Teatrais, dirigido por Antunes Filho. Na época ele montava novamente Nelson Rodrigues num espetáculo de dois atos dividido com dois textos do autor, A Falecida e Os 7 Gatinhos, que acabou intitulado como Paraíso Zona Norte. Mergulhei no universo de Nelson, Shakespeare, Machado de Assis e livros que uniam o taoismo com física quântica. No CPT aprendi a ser ator, a respeitar o palco, e entender que levaria muitos, mas muitos tombos na maratona da profissão. Ele fazia questão de deixar claro que não seria fácil, e não é mesmo… era um lugar tão rigoroso, pra mim um templo. Sua paixão pelo futebol, fanático pelo São Paulo, me fez entender que ele não era Deus, e sim um homem, como eu e todos os atores do grupo Macunaíma, mas diretor de teatro como Antunes Filho não aparece assim, toda hora. Paraíso Zona Norte e suas montagens de Macunaíma e Romeu & Julieta, são verdadeiros marcos, entre tantos outros espetáculos. Antunes levou suas obras para fora do país e fez o Brasil entrar para a história. Me sinto realmente privilegiado por ter começado com ele, sai de lá ainda muito jovem e acalentava um secreto desejo de procurá-lo para voltar. Não deu tempo… Bravo Mestre e obrigado.”
Marcelo Medici, ator
“Adeus, Antunes Filho! Sua direção em Macunaíma ficará pra sempre na minha memória! Viva o Teatro! RIP.”
Paulo Betti, ator
“A lembrança que fica é o respeito que ele tinha por mim e pelo meu trabalho e o orgulho de saber que fui o autor de um dos retratos que ele mais gostava e disse publicamente [o retrato que abre esta matéria]. Estar de frente pra ele – mesmo intermediado pela câmera – era estar diante do teatro brasileiro.”
Bob Sousa, fotógrafo
“Aprendi a amar o teatro e a descobrir a minha profissão de sonoplasta com meu mestre , Antunes Filho. Foram 32 anos ao seu lado com muitas estórias,aprendizados, ensinamentos de voz, corpo e respiração . Sempre complementados com filmes, exposições, idas ao teatro e muitas leituras. Um jeito singular de ensinar e que mudou a forma de interpretação no teatro brasileiro. Um verdadeiro diretor pedagogo. Agradeço cada um desses anos em que convivi com um mestre severo e generoso, exigente e rigoroso, apaixonado e obsessivo por tudo que fazia. Antunes resistiu bravamente até seu último suspiro. Que este ato final seja no seu rito preferido , ao som de “Danúbio Azul”. Obrigado amigo , mestre, painho, companheiro de tantas jornadas.”
Raul Teixeira, sonoplasta
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