Mudança na Rouanet apavora teatro musical, que teme seu fim

Os atores Kiara Sasso e Saulo Vasconcelos em cena do musical “A Bela e a Fera”, marco do teatro musical no Brasil – Foto: Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo – UOL
O projeto de reforma da Lei Rouanet apresentado pelo ministro da Cidadania Osmar Terra apavora a classe artística, sobretudo os profissionais que atuam no mercado do teatro musical, que temem o desemprego.
Isso porque o ministro reiterou nesta semana que o governo Bolsonaro manterá, como já anunciado, o teto de R$ 1 milhão por projeto contemplado, com raras exceções ainda não claras e nas quais o teatro musical não está inserido.
O novo teto, se realmente mantido, vai praticamente acabar com a indústria dos musicais à la Broadway que se estabeleceu no Brasil neste século 21. Como definiu Marllos Silva, produtor teatral e criador do Prêmio Bibi Ferreira em artigo publicado aqui no Blog do Arcanjo no UOL, “é o fim da Broadway brasileira”.
Sucesso de público e de crítica, o setor cresceu de forma vertiginosa durante os governos Lula e Dilma, mobilizando a formação de toda uma geração de profissionais especializados, como atores que cantam e dançam e músicos de orquestras, bem como criação de centros formativos para o gênero, sobretudo em São Paulo.
Superproduções que conquistaram milhões de espectadores e que costumam empregar mais de 200 profissionais cada uma, entre atores, cantores, bailarinos, músicos e equipe técnica, não conseguirão sobreviver com o novo teto de R$ 1 milhão.
Fora isso, as novas exigências de aumento no número de ingressos gratuitos deixam a atividade do teatro musical ainda mais inviável, já que o governo Bolsonaro quer de 20% a 40% de ingressos grátis para produções financiadas pela Lei Rouanet, contra os 10% atuais, fora outras contrapartidas sociais.

Os protagonistas Lina Mendes e Thiago Arancam em “O Fantasma da Ópera” – Foto: Lenise Pinheiro/Folhapress – Blog do @miguel.arcanjo – UOL
Para se ter uma ideia, a grande maioria dos grandes musicais ao estilo Broadway ultrapassou o teto de R$ 1 milhão.
“Les Misérables” foi autorizado a captar R$ 14,9 milhões pela Lei Rouanet. Já “Dois Filhos de Francisco” captou R$ 7,1 milhões. “Cantando na Chuva”, com Claudia Raia, teve orçamento de R$ 9 milhões. Já “O Fantasma da Ópera”, ainda em cartaz no Teatro Renault, foi autorizado a captar R$ 28,6 milhões. Todos não existiriam se o novo teto já estivesse em vigor.
Fato é que há forte concentração de renda e geográfica no setor do teatro musical, nas mãos de poucas empresas.
Segundo levantamento feito pela revista CartaCapital no começo deste ano, entre 2016 e 2019, 30 empresas captaram R$ 202 milhões pela Lei Rouanet, dos quais R$ 200 milhões ficaram em São Paulo e no Rio.
Desse montante, ainda segundo o levantamento, apenas quatro empresas captaram 73% dos recursos por leis de incentivo: de cada 4 reais captados pela Lei Rouanet, três acabaram nas mãos de quatro empresas que arrecadaram R$ 149 milhões no total: T4F (R$ 78 milhões), Atelier de Cultura (R$ 34 milhões), IMM Live (R$ 23 milhões) e Musickeria (R$ 15 milhões).

Michel Teló em “Bem Sertanejo – O Musical”, produção com recursos pela Lei Rouanet – Foto: Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo – UOL
Diferentemente do teto por projeto, o novo teto anual por empresa proponente será de R$ 10 milhões, conforme anunciado pelo ministro Osmar Terra.
Nos bastidores do mundo dos musicais, produtores ainda tentam o milagre de convencer setores do governo Bolsonaro a fazê-lo voltar atrás em sua proposta.
Caso não haja sucesso nesta delicada negociação, o Brasil sairá do mapa mundial dos grandes musicais, no qual estava até exportando talentos, caso do ator carioca Tiago Barbosa, protagonista atual de “O Rei Leão” em Madri, na Espanha, lançado na superprodução homônima de São Paulo.
Diante das novas regras restará ao teatro musical brasileiro uma produção de menor porte dentro do teto de R$ 1 milhão, o que fará com que nossos espetáculos não mais estejam à altura dos da Broadway original.
Como declarou recentemente Miguel Falabella: “A Lei Rouanet foi usada para vilanizar os artistas de forma errada”.