Crítica: Regina Casé volta ao teatro em peça irregular com drama de patroa

Regina Casé na estreia de “Recital da Onça” no Festival de Curitiba: atriz é talentosa, mas a peça é regular – Foto: Annelize Tozetto – Divulgação Festival de Curitiba – Blog do Arcanjo – UOL

Regina Casé volta aos palcos após 25 anos no Festival de Curitiba com “Recital da Onça”: ela é talentosa, mas a peça é regular.

Crítica por Miguel Arcanjo Prado
“Recital da Onça” ✪✪
Avaliação: Regular

Regina Casé é uma grande atriz. Isso é fato. Daquelas que sabe ler com a entonação correta para conquistar o público até mesmo bula de remédio. E, diante de trechos pinçados de nomes expressivos da literatura nacional, como Paulo Leminksi, Dalton Trevisan e Clarice Lispector, ela demonstra seu farto talento em “Recital da Onça”, monólogo que marca sua volta ao teatro após 25 anos afastada dos palcos.

Contudo, apesar de tudo, trata-se de uma peça irregular, que nem mesmo o grande talento da atriz consegue tirar do marasmo. A direção da obra, assinada por Estevão Ciavatta e Hamilton Vaz Pereira, parece completamente perdida, confiando apenas no talento da atriz.

Sem muitos recursos cênicos, ela se vira por duas horas com a ajuda de um grande teleprompter no fundo da plateia, onde Regina lê, como se estivesse em um estúdio de TV e não em um teatro, o texto assinado por Hermano Vianna e ela própria.

Um dos destaques, é importante ressaltar, trata-se da interação que a atriz promove com o público, o que ela domina por completo. Ela até promove um concurso de samba com os espectadores, como forma de despertá-los.

A dramaturgia tem como maior “drama” o medo da atriz em enfrentar a imigração norte-americana por conta de um convite para palestrar na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, por conta do sucesso do filme “Que Horas Ela Volta?”. Um típico “drama de patroa”.

Só que na condução dessa história, a peça parece em descompasso com o tempo contemporâneo. O mundo mudou, e muito, nos últimos tempos. E a sociedade brasileira também, sobretudo quanto a percepções de papéis sociais.

Assim, soa um tanto quanto incoerente ver Regina, uma atriz que sempre vendeu uma imagem popular que aliou frescor e vanguarda, repetir em cena velhas fórmulas de piadas e pensamentos frutos de uma estrutura social calcada em preconceitos, como forma de agradar, obviamente, a um público mais conservador e elitista.

O texto traz estereótipos raciais como “negão” da imigração, “índio selvagem” e um trecho no qual Clarice Lispector disserta, com sua rebuscada literatura, sobre sua empregada doméstica, que lhe espanta por demonstrar-lhe ter opinião sobre seus livros – a ideia presente no tal texto é de que o simples fato de ser uma empregada destituísse a figura de inteligência e visão crítica. E a direção permite que parte do público ria disso, surpresa com uma doméstica inteligente, sem nenhum contraponto. Quem não ri afunda em silêncio na poltrona, constrangido.

Despido de proposta estética interessante, o espetáculo, no fundo, mostra uma personagem que se ressente de ser tratada na sala de imigração norte-americana do modo como a maioria dos habitantes de seu país costuma ser tratada no cotidiano, já que nem todo mundo possui a benesse de ser rico e famoso.

A premissa é interessantíssima, mas o fraco desenvolvimento ao longo do espetáculo não dá conta da complexidade e da responsabilidade que tal tema exige, sobretudo com uma atriz que tem o cômico na veia.

Assim, se você não é uma estrela global nostálgica de uma literatura que remete a um tempo e a um Brasil falsamente cordial que já passou, fica difícil mergulhar por completo neste espetáculo.

A sensação que permanece, após o final interminável da modorrenta peça, é que Regina Casé merecia voltar ao teatro com algo melhor do que este “Recital da Onça”. Sobretudo, por ser tão talentosa atriz.

Enviado especial a Curitiba, no Paraná, o colunista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do Festival de Curitiba.

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