Crítica: Destreza e paredão de Deborah Colker se destacam em Ovo do Soleil
Alta habilidade dos 50 artistas de 14 países e o famoso paredão da coreógrafa brasileira Deborah Colker são os destaques de “Ovo”, nova montagem do canadense Cirque du Soleil no Brasil. Contudo, dramaturgia é pouco envolvente, sendo interessante a proposta de diálogo entre o impacto do circo e o conceitual da dança contemporânea.
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
“Ovo”, do Cirque du Soleil ✪✪✪
Avaliação: Bom
O canadense Cirque du Soleil se tornou a mais bem sucedida empresa circense do entretenimento mundial mesmo em tempos de crise do setor. Desde sua fundação simplória em 1984 até sua extrema profissionalização e capitalização atual, ele se tornou sinônimo de produções de alto nível desejadas por plateias de todo o mundo.
No Brasil não é diferente. A grife Cirque du Soleil atrai a gana do público em ver qualquer montagem que aqui aporte. A mais nova é “Ovo”, que chega ao Brasil dez anos após estrear no Canadá e de ser vista por 5 milhões de pessoas no mundo.
O espetáculo estreou nesta quinta (7), quando foi assistido pelo Blog do Arcanjo no UOL no ginásio Mineirinho, em Belo Horizonte, onde fica até dia 17 deste mês e depois segue para temporadas no Rio, em Brasília e São Paulo.
Nosso país está fortemente presente nesta montagem a começar pela direção da coreógrafa carioca Deborah Colker, mas também na cenografia exuberante de Gringo Cardia e na música cheia de ginga de Berna Ceppas.
Uma banda ao vivo repleta de músicos brasileiros, a começar da suave cantora Larissa Finocchiaro, ambienta os números com ritmos brasileiríssimos como o samba, o xaxado, a bossa nova e o funk carioca.
No elenco de personagens, o destaque é para a Joaninha, cortejada e indecisa, interpretada pela carismática capixaba Neiva Nascimento.
O espetáculo repete a habilidade técnica que fez a fama do Cirque du Soleil, com acrobatas, malabaristas e equilibristas que estão entre os melhores em suas áreas em todo o mundo – “Ovo” traz 50 artistas de 14 países.
Apesar de a direção do show priorizar o conjunto e não o individual, é impossível não se embasbacar com certos números, como as graciosas chinesas que abrem o espetáculo com grande habilidade nos pés: Cheng Jinna, Ji Wenbo, Pei Xin, Su Shan, Wang Shaohua e Zhu Baoyu.
O italiano Devin De Bianchi também conquista como uma libélula equilibrista, e a canadense Svetlana Delous, como um inseto gracioso em sua saída do casulo.
As acrobacias aéreas de um grupo composto por artistas russos e ucranianos atira mulheres de uma ponta à outra com absoluta destreza.
O chinês Wei-Liang enche os olhos da plateia como uma criatura misteriosa com ares de lagarta dançante e frenética, cujo figurino é o mais impressionante e uma verdadeira obra de arte. Também é envolvente o número das contorcionistas.
Mas, o grande impacto que mais tenta se aproximar aos velhos circos que tiravam o fôlego da plateia é o número de voos aéreos que misturam cama elástica a um paredão de escalada de quase dez metros de altura – aí está a principal assinatura de Deborah Colker, que remete ao famoso trabalho coreográfico vertical sucesso de sua companhia de dança contemporânea.
Uma observação também é importante a ser feita: tanto direção quanto iluminação precisam estar cientes de que, pelo menos no Mineirinho, o espetáculo é feito para uma arena, não para uma plateia frontal. Assim, números pensados para ser vistos de frente não funcionam a contento vistos pela lateral; tampouco a luz, que deixa muitas vezes os artistas no escuro para quem assiste em lugares laterais – canhões seguidores que partissem não só da frente, como também do fundo do palco poderiam ajudar a solucionar este problema.
Se a habilidade técnica é o ponto forte de “Ovo”, a dramaturgia é seu calcanhar de Aquiles. A história gira em torno de um ovo que chega em uma selva recheada de insetos. Contudo, o vago enredo sobre o tal ovo não se desenvolve a contento e, ao fim, a sensação é de que poderia ter sido bem mais envolvente.
Diante da simplória dramaturgia, os três personagens-palhaços se esforçam para manter em riste o ritmo do espetáculo entre os números de habilidade técnica. A joaninha brasileira Neiva Nascimento, o besouro austríaco Gerald Regitschnig e o mosquito azul canadense François-Guillaume Leblanc provocam risadas, sobretudo das crianças.
De todo modo, “Ovo” é uma interessante tentativa de diálogo entre o impacto habilidoso do circo e o esforço conceitual da dança contemporânea experimental, tudo isso com pitadas de brasilidade universal.