Crítica: “Tick, Tick… Boom!” é um musical delicado e altamente comovente

Giulia Nadruz, Bruno Narchi e Thiago Machado: atuações competentes no musical “Tick, Tick… Boom!”, no Teatro Faap às terças e quartas, sobre a saga de um jovem com pretensão de sucesso na Broadway – Foto: Caio Gallucci – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

A montagem off-Broadway de Jonathan Larson está em cartaz no Teatro Faap (r. Alagoas, 903), em São Paulo, terças e quartas, às 21h, até 12 de dezembro, com entrada a R$ 60 e R$ 80, em valores de inteira.

“Tick, Tick… Boom!”
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪

Um musical delicado, altamente comovente e com uma lição fundamental de carpe diem, ou “aproveite o dia”. Assim é “Tick, Tick… Boom!”, o musical.

A produção off-Broadway chega a São Paulo para marcar a estreia da Companhia Paralela, criada por Bel Gomes, Bruno Narchi, Leopoldo Pacheco e Thiago Machado como forma de dar vazão a novas propostas em suas trajetórias artísticas.

O espetáculo é do dramaturgo e compositor norte-americano Jonathan Larson (1960-1996), autor do célebre “Rent”, que inovou a linguagem do teatro musical unindo um rock potente à juventude nova-iorquina da década de 1980.

Larson tem uma história trágica: morreu com apenas 35 anos, quando se aproximava a estreia deste tão almejado sucesso, devido a complicações cardíacas de uma doença silenciosa, a Síndrome de Marfan.

E é justamente dessa sua corrida desenfreada e melancólica em busca do sucesso que trata o musical.

“Tick, Tick… Boom!” nos leva para bem antes de “Rent” e é altamente autobiográfico. A peça off-Broadway que Larson chegou a fazer ele mesmo como monólogo, acompanhado de um piano, discorre sobre as frustrações de ser um jovem artista em Nova York às vésperas dos 30 anos (o relógio prestes a explodir do título) com pretensão de sucesso na Broadway, que parece longe de ser alcançado.

A crise dos 30 é assumida de forma competente por Bruno Narchi, que se funde com Jonathan Larson em uma simbiose potente, tornando verossímil seu discurso, sobretudo nos grandes trechos narrativos da montagem.

Duas pessoas rodeiam a vida do protagonista, tornando a peça mais dinâmica: seu melhor amigo, Michael, um ex-ator que resolveu abandonar a vida de perrengues e ganhar dinheiro sem culpa alguma em um escritório de marketing, e a namorada bailarina, com sonhos de um lar e família à beira mar, distante do frenesi da Big Apple que tanto se assemelha ao paulistano.

O protagonista se afoga nesta pressão dupla vivida diariamente: o sucesso financeiro do amigo, que parece diminuir ainda mais sua vida de garçom sonhador com a glória futura, e as demandas de casamento e filho impostas sutilmente pela amada.

Na pele do amigo, Thiago Machado surpreende com uma construção de personagem cheia de matizes e com um vigor envolvente. Além de cantar com propriedade, o ator vem num crescente e, neste espetáculo, brinda o público com uma performance madura — misteriosamente técnica e solta ao mesmo tempo —, destacando-se e cativando os espectadores.

O mesmo acontece com Giulia Nadruz, que mostra desenvoltura como atriz propositora na construção de personagens distintas, além da namorada do protagonista. Fora isso, traz uma colocação de voz técnica, precisa e repleta de nuances. Sempre que ela canta é um alento.

Giulia Nadruz, Bruno Narchi e Thiago Machado: atuações competentes no musical “Tick, Tick… Boom!”, no Teatro Faap às terças e quartas, sobre a saga de um jovem com pretensão de sucesso na Broadway – Foto: Caio Gallucci – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Já o protagonista Bruno Narchi investe em um canto em registro juvenil, que explicita de forma interessante a imaturidade de seu próprio personagem, atormentado pela “síndrome de Peter Pan”, temeroso do fim de sua juventude cheia de promessas não cumpridas.

Sem desmerecer a colocação de voz de Bruno Narchi, seria interessante para seu protagonista que sua voz fosse amadurecendo e ganhando mais corpo — e graves — à medida que o próprio personagem cresce como homem ao longo da montagem, tornando pequeno seu drama burguês quando conflitos irremediáveis irrompem em sua vida e, ironicamente, acabam por despertá-lo criativamente para o sucesso.

A direção de Bel Gomes e Leopoldo Pacheco, dupla com farta experiência no teatro tradicional, é inventiva, dinâmica — com a ajuda de uma propositiva direção de movimento de Fabricio Licursi, que traz frescor e ação ao excesso narrativo da dramaturgia.

O mérito da direção é, diante da pirotecnia comum a musicais, focar justamente no trabalho com os atores (algo, infelizmente, ainda raro em superproduções musicais brasileiras), tornando-os ainda mais potentes do que anteriormente visto. E o trio de atores com farta experiência em musicais tem muitos pontos em comum com a própria história da peça, abraçando-a de forma crível.

Outro fator a se destacar é que a versão brasileira do texto foi feita pelos próprios atores Bruno Narchi e Thiago Machado, o que os faz demonstrar propriedade inquestionável diante do que dizem.

A peça ainda conta com a luz de Wagner Freire e Alessandra Marques, que dialoga com suas nuances o tempo todo com as situações que são apresentadas no palco, sendo a luz importante aliada na condução da história.

Outro mérito desta montagem é a banda, imersa em um pop rock simples, mas sedutor, e com pretensão de homenagem ao grande compositor de musicais Stephen Sondheim (“West Side Story”), ídolo de Jonathan Larson. A música torna-se ainda mais espirituosa na união com as divertidas, e às vezes desconcertantemente simplórias, letras.

Sob comando do regente Jorge de Godoy, a banda é formada por ele e os músicos Thiago Lima, Artur Silveira e Rosângela Rhafaelle, todos excelentes e sintonizados com a história, na qual chegam a fazer uma ponta como atores em uma interessante integração proposta pela direção.

Em criação coletiva, a Companhia Paralela mostra sintonia na cenografia simples e eficiente e ainda nos figurinos, cheios de charme. O do personagem Michael é pura elegância sofisticada, bem como os vestidos de Susan.

“Tick, Tick… Boom!” mostra a beleza da vida simples que não conseguimos perceber que estamos vivendo enquanto almejamos, ansiosos, o futuro.

Afinal, a vida se dá no presente e é preciso desfrutá-lo.

Por mais que sonhos sejam necessários, eles não precisam tornar o caminho até eles um profundo tédio depressivo.

Até porque nunca sabemos, de fato, até onde iremos. Enquanto sonhava pelo sucesso na Broadway, Jonathan Larson estava vivendo, ele mesmo, uma vida que daria um delicado e profundo musical.

Esta é a lição que torna universal este espetáculo focado em um dilema tão particular e, ao mesmo tempo, de todos nós: aproveitar o dia é mais que preciso, porque a vida urge aqui agora.

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