Crítica: Artistas trans comovem público em Cabaret TransPeripatético

Lugar de fala: na entrada do Estação Satyros, uma exposição com fotos de Andre Stefano dos integrantes do elenco de Cabaret TransPeripatético recebe os espectadores – Foto: Laysa Alencar – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Crítica por Miguel Arcanjo Prado
“Cabaret TransPeripatético” ✪✪✪✪
Avaliação: Muito Bom

Com quantas pessoas trans você convive? Você já parou para ouvir o que elas têm a dizer? Como é ser uma pessoa que não se enquadra no modelo binário homem/mulher em uma sociedade que rejeita o “diferente”? E, mais: qual é o preço por não se adequar ao padrão cisgênero?

Buscar respostas a perguntas como essas são uma espécie de pano de fundo para a já emblemática “Cabaret TransPeripatético”, da Cia. de Teatro Os Satyros, grupo sempre ligado às discussões do presente.

Chamado de “espetáculo-manifesto”, a montagem confere poder de discurso a artistas trans e não binários no palco da Estação Satyros, na praça Roosevelt, com tais artistas assumindo as rédeas das construções de suas próprias histórias.

A obra começa como um programa de auditório, com Guttervil Guttervil na pele de um carismático apresentador. Isso faz com que o público, de cara, embarque no show de variedades proposto.

O objetivo ali é evidenciar que as pessoas trans e não binárias, mais do que uma categoria ainda tão desconhecida, são um mar de possibilidades de humanidade.

O elenco integralmente composto por pessoas não cisgêneras, ou seja, que não se identificam com o gênero designado em seu nascimento, mistura realidade e ficção para contar de forma poética e tocante passagens marcantes de suas vidas e, sobretudo, seus dilemas cotidianos, mas, também, histórias de amor e sonhos delicados.

Como é típico em montagens dirigidas por Rodolfo García Vázquez, a performatividade está presente a todo instante no texto feito de forma coletiva e sob supervisão de Luh Maza, Ivam Cabral e do próprio diretor, com referências como o livro “Manifesto Contrassexual”, de Paul Beatriz Preciado.

Elenco de Cabaret Transperipatético: Daniela Funez, Fernanda Kawani, Gabriel Lodi, Guttervil Guttervil, João Henrique Machado, Léo Perisatto, Luh Maza e Sofia Riccardi – Foto: Andre Stefano – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Assim, na direção de Vázquez (com assistência de Felipe Moretti), depoimentos pessoais se intercalam, explicitando, de certo modo, a falência do modelo binário de gênero como norma obsessiva na nossa cada vez mais diversa sociedade contemporânea.

É praticamente impossível não se emocionar ao ouvir os relatos de Daniela Funez, Fernanda Kawani, Gabriel Lodi, Guttervil Guttervil, João Henrique Machado, Léo Perisatto, Luh Maza e Sofia Riccardi.

O conjunto, mesmo que de certo modo irregular em termos de atuação, se fortalece na verdade com que se apodera de seu inquestionável lugar de fala.

O que importa de fato neste espetáculo é que aquelas pessoas em cena não estão mais silenciadas. Dá gosto vê-las assumir as rédeas de seu próprio discurso, discurso este ainda tão incipiente em nossa complicada sociedade.

No Brasil, que de um lado cada vez mais discute a necessidade da representatividade nas artes e na vida e de outro flerta com o obscurantismo do conservadorismo fascista, o surgimento deste espetáculo evidencia a tentativa de retomada de um conceito real de democracia: lugar onde todos tenham o direito de ser o que se é, sem culpas, amarras, entraves ou perseguições.

Por isso, “Cabaret TransPeripatético”, com seu elenco diverso e inédito, já é um marco na história do teatro brasileiro.

Ver o palco do Satyros acolher tais pessoas de forma tão cuidadosa e carinhosa e, sobretudo, presenciar o público emocionado, aplaudindo a peça de forma tão genuína e farta, é um sopro de esperança neste mar de desolação e pavor com o futuro que estamos vivendo.

Crítica por Miguel Arcanjo Prado
“Cabaret TransPeripatético” ✪✪✪✪
Avaliação: Muito Bom

Quando: Sexta, 21h, sábado e domingo, 19h30. Até 31/7/2018
Onde: Estação Satyros (praça Franklin Roosevelt, 134, tel. 11 3258-6345)
Quanto: R$20,00 (inteira) | R$10,00 (meia) | R$ 5,00 (morador da Praça Roosevelt) |Pessoas não binárias, transexuais, travestis e agêneros entram de graça
Classificação etária: 18 anos

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