Como a Dove pode ser tão racista?

Dove em dois momentos racistas: à esq. a polêmica recente, à dir., a de 2011: em ambas, mulheres negras tornam-se brancas após usar o produto, associando a negritude a uma ideia de sujeira – Fotos: Reprodução
Por Miguel Arcanjo Prado
A imagem é estarrecedora. Uma moça negra utiliza a loção Dove e imediatamente tira sua negritude, como se fosse uma capa de sujeira, tornando-se uma garota branca.
7 em 10 brasileiros admitem expressão preconceituosa
Erika Januza diz que já sofreu racismo em namoros: “Tristeza”
A imagem que associa a pele negra à sujeira e a pele branca à limpeza foi divulgada pela Dove, uma das principais marcas de cosméticos do mundo, pertencente à multinacional Unilever, em sua rede social.
O conteúdo é tão explicitamente racista que muitos até duvidaram da veracidade da imagem. Mas, não, infelizmente, era mesmo verdade. Como a Dove pode ser tão racista? É a pergunta que fica.
A campanha ainda apresentava a mulher branca tirando sua capa e virando outra mulher de pele clara e cabelo preto, de etnia asiática. Mas, a negra era a primeira a aparecer, embranquecendo-se — a quem não vÊ racismo, fica a pergunta: por que o comercial não começou então com uma mulher branca usando a loção e tornando-se negra ao final?
Após protesto imediato de internautas no mundo todo, a campanha saiu do ar. Como era de se esperar, o caso repercutiu na imprensa mundial, em veículos respeitados como a BBC, The New York Times, The Guardian e o UOL.
Segundo o New York Times, Marissa Solan, porta-voz da Dove, afirmou neste domingo (8) que a propaganda “pretendia transmitir que Dove Body Wash é para todas as mulheres e é uma celebração da diversidade, mas entendemos errado e, como resultado, ofendemos muitas pessoas”.
A porta-voz da Dove, ainda de acordo com o NYTimes, acrescentou que Dove removeu o post e estava “reavaliando nossos processos internos para criar e revisar conteúdo”. Ela se recusou a dizer quantas pessoas revisaram o anúncio ou se havia negros nesta equipe.
A empresa publicou um sucinto pedido de desculpas na sequência em seu Twitter: “Uma imagem que postamos recentemente no Facebook errou ao representar mulheres de cor. Nós nos arrependemos profundamente da ofensa causada”. E disse que é tudo que tem a dizer a respeito.
É pouco.
Dove, fica difícil acreditar que a marca, seus publicitários e executivos não sejam realmente racistas, já que em 2011 houve uma campanha semelhante a esta de 2017, mais uma vez errando feio ao representar uma mulher negra, ou “de cor”, como a empresa ainda insiste em falar.
Na imagem de 2011, havia três modelos: uma negra, uma parda e uma branca. A negra tinha em cima o dizer “antes”, a parda estava no intervalo e a branca tinha acima da cabeça “depois”, sugerindo que a mulher negra que se lavasse com o Dove ficaria branca, associando a pele negra à sujeira e a pele branca à limpeza. Igualzinho aconteceu desta vez.
Na época, houve protestos. E a empresa, pelo jeito, não mudou.
Isso sem contar que em 2015 a Dove lançou um bronzeador para uso em peles “de normal a escuras”, demonstrando que considera peles brancas “normais” e as escuras provavelmente sejam “anormais”, em sua visão racista.
Tudo isso, de tão horrível, parece inacreditável.
É preciso pensar nas pobres coitadas das modelos negras que foram escaladas para tais campanhas. Provavelmente não sabiam que o resultado final seria uma peça racista que humilharia suas respectivas imagens.
Um pedido de desculpas só não basta.
A Dove precisa urgentemente se livrar das cabeças racistas — conscientes ou não — que comandam sua publicidade.
Porque do jeito que está não dá mais para continuar. Não mesmo.
Leia também: Dove é acusada de racismo e pede desculpas
Siga Miguel Arcanjo Prado no Facebook, no Twitter e no Instagram.